Alguns anos atrás, se dizia que o mercado de papéis de parede para celular estava com os dias contados, devido à popularização dos smartphones. De fato, isso aconteceu, mas o encanto do ser humano por desenhos fofinhos que expressem seus sentimentos continua mais vivo do que nunca. Que o diga a japonesa Line, que criou um aplicativo de mensagens instantâneas cuja receita provém, em boa parte, da venda de stickers, espécie de adesivos virtuais com desenhos que substituem as palavras em sua tela de bate-papo, mais ou menos como os emoticons. Existem mais de 60 diferentes desenhos para se pedir desculpas no Line, por exemplo. O sucesso é estrondoso: em 12 meses a empresa viu seu faturamento trimestral saltar de US$ 3 milhões para US$ 100 milhões. Agora são mais de 260 milhões de usuários ao redor do mundo que enviam em média 1 bilhão de stickers diariamente uns para os outros. "O Line está se tornando uma língua universal", diz a CEO para Europa e Américas da empresa, Jeanie Han. Ela esteve recentemente no Brasil para o lançamento oficial do app no País, o que inclui a abertura de um escritório em São Paulo e uma forte campanha publicitária na TV. A executiva conversou com MOBILE TIME sobre a estratégia do Line no Brasil, sua relação com as operadoras móveis e a comparação com seus principais concorrentes.

MOBILE TIME – A competição no mercado de apps de mensagens é grande. Há vários players de peso, como WhatsApp, Facebook Messenger, Skype, Kakao Talok, WeChat etc. Nesse cenário, qual é o papel do Line?

Jeanie Han – O Line é muito diferente. Nossa força está em tornar mais fácil a comunicação das pessoas provendo stickers (adesivos virtuais). Temos milhares de stickers para as pessoas se expressarem no lugar de palavras. Em vez de dizer "eu sinto muito", você pode dizer isso com 60 stickers diferentes. O Line está se tornando uma língua universal: pessoas que falam idiomas diferentes conseguem se comunicar através de stickers.  Superamos a barreira da língua. É um posicionamento muito diferente daquele dos nossos competidores. Somos uma plataforma, não apenas um app de mensagens e chamadas gratuitas. Temos jogos e outras aplicações que deixam a vida mais interessante. Temos uma ferramenta de rede social para as pessoas compartilharem fotos, por exemplo.

O público-alvo do Line são os jovens?

Não focamos apenas nos jovens. Mas acho que os jovens gostam mais da nossa aplicação por causa dos stickers, pois são divertidos. E isso é bom, porque os jovens lideram as tendências. Se eles gostam, as outras pessoas seguem.

Qual o perfil médio do usuário do Line?

No Line, a privacidade é levada a sério: não coletamos dados demográficos dos nossos usuários. Não sei se são velhos ou jovens, homens ou mulheres. Não vendemos esses dados para publicidade. Fizemos apenas algumas pesquisas voluntárias.

Essa é uma razão par gostarem da gente. Outras aplicações são muito abertas. Se você esteve em uma festa ontem, sua mãe e sua avó vão saber. No Line sua vida pessoal é tão aberta ou fechada quanto você quiser. Você tem controle completo sobre o nível de abertura.

Já ouviu alguma história curiosa de relacionamento entre usuários do Line?

São tantas histórias… Temos algumas estatísticas sobre casais. Sabemos que por causa dos stickers a vida amorosa de muita gente melhorou. 30% dos casais dizem que se comunicam melhor depois de aderirem ao Line.  Se você fez alguma coisa errada com sua esposa, basta mandar uns stickers amorosos que ela te perdoa. Ouço isso o tempo todo. 

Por que decidiram investir no Brasil? O país não vive mais o mesmo crescimento de alguns anos atrás…

O Brasil é muito importante para a gente. Os brasileiros são muito expressivos, divertidos. E nossa aplicação provê exatamente isso. O Line funciona bem em países onde as pessoas são alegres. Na Espanha, conseguimos 15 milhões de usuários em poucos meses. Os espanhóis são muito empolgados e expressivos. Os brasileiros são assim também: adoram música, dança…  Se considerássemos apenas o número de smartphones, talvez outros países fizessem mais sentido para o Line. Mas há outros fatores, como a cultura, a natureza do povo, que fazem com que o Brasil se encaixe perfeitamente.

Quantos usuários espera conquistar no Brasil no primeiro ano de operação?

Acabamos de lançar a campanha de TV. Esperamos que depois da campanha possamos fazer um anúncio de quantos usuários temos no Brasil.

O Line abriu um escritório em São Paulo? Quantas pessoas trabalham nele? Quem é o country manager?

Sim, temos um escritório em São Paulo, na Avenida Paulista. Não divulgamos quantas pessoas trabalham lá, mas a equipe está crescendo. Ainda não posso abrir quem será o country manager, pois estamos em processo de escolha.

Qual a importância de ter um escritório local?

Localizamos (adaptamos para a cultura local) o máximo possível. Eu me mudei para a Espanha e morei lá por um tempo para entender a cultura deles. É preciso viver no lugar para entender as pessoas.

Você vai se mudar para o Brasil?

Não poderia… Preciso gerenciar tantos países. Sou responsável pela estratégia de internacionalização do Line.

O que exatamente é adaptado para a cultura local? Os stickers?

Sim. Podemos usar personagens populares no Brasil, times de futebol… Podemos também mudar o app, de acordo com pesquisas de mercado. Se os brasileiros gostarem mais de certa funcionalidade, podemos destacá-la, enriquecê-la. Nosso app já está em Português do Brasil. Teremos também contas oficiais de empresas e celebridades brasileiras, para que possam conversar com seus consumidores e seus fãs. A Coca-cola na Espanha, por exemplo, tem uma conta oficial no Line.

Já escolheram alguma celebridade brasileira?

Estamos conversando com várias. Em breve vamos anunciar.

A receita do Line vem toda da venda de stickers?

A receita vem principalmente de stickers, de jogos e de contas oficiais. Os stickers representam 30% do total. Os jogos, 50%. E 20% vêm de contas oficiais e de merchandising. Os jogos são gratuitos, mas dentro deles há venda de bens virtuais. Nosso modelo de negócios está comprovado. E nossos usuários são muito fiéis. Eles amam o conteúdo que oferecemos. Nós pesquisamos o que eles querem. Quando veem que um app é do Line, sabem que é conteúdo bom. É como se fosse um certificado.

Dos 260 milhões de usuários do Line, quantos já compraram stickers ao menos uma vez?

Posso dizer que hoje o nosso tráfego é de 1 bilhão de stickers enviados por dia. A receita está crescendo rapidamente. No segundo trimestre deste ano, o faturamento total foi de US$ 100 milhões. No mesmo período do ano passado era de US$ 3 milhões. Ou seja: cresceu mais de 3.000%.

O Line utiliza carrier billing em algum país? (N.E.: Carrier billing é a cobrança através da conta telefônica)

Sim. Fazemos isso na Ásia. E estamos conversando com as operadoras brasileiras sobre o tema. Somos muito abertos a conversar com as teles. As operadoras estão entendendo a importância dos apps de mensagens: sua receita com dados vai crescer se as pessoas usarem mais o Line. Alguns anos atrás as teles e os apps de mensagens não se davam bem, porque as operadoras achavam que estávamos tirando a sua receita com SMS. Agora percebem que a receita de dados cresce. Estamos nos tornando mais amigos que inimigos.

Qual a sua opinião sobre o Joyn, serviço de mensagens instantâneas das operadoras? (N.E.: Joyn é uma iniciativa internacional das operadoras móveis de criar um serviço interoperável de mensagens multimídia, lançado originalmente na Espanha. No Brasil, a Claro foi a primeira e única até agora a adotá-lo).

As teles entenderam que as mensagens são o futuro, senão não teriam investido tanto dinheiro nisso. Mas é muito difícil gerenciar um app de mensagens, se isso não for o centro de seu negócio.

Jeanie Han, CEO da Line para Europa e Américas