A Nokia tem orgulho dos celulares de gama baixa que fabrica. Isso fica claro ao se conversar com Dirk Didascalou, vice-presidente sênior de pesquisa e desenvolvimento de telefones celulares da companhia. O executivo vive em Beijing, onde comanda o principal laboratório da Nokia dedicado a "mobile phones", termo pelo qual a companhia chama seus produtos de gamas baixa e média. "Sempre trabalhei com low end. Amo o low end. Prefiro fazer algo que alcance centenas de milhões de pessoas do que algo para poucas pessoas ricas", disse o executivo, em entrevista exclusiva para MOBILE TIME durante o Mobile World Congress, em Barcelona.

Didascalou relata que o perfil de uso de conteúdo móvel em celulares low end não é muito diferente daquele em smartphones, especialmente agora que todos acessam a Internet. O Facebook, por exemplo, é o site mais acessado do low ao high end, conta o executivo, que está satisfeito com o trabalho realizado pela Nokia em torno da família Asha e do sistema operacional S40. Com 1,6 bilhão de downloads registrados no ano passado na Nokia Store e 9 milhões por dia atualmente, a S40 é a segunda maior no mundo de smartphones, se desconsiderado o mercado da América do Norte, compara Didascalou.

MOBILE TIME – Por que a Nokia escolheu a China para sediar seu centro de desenvolvimento de celulares de gama baixa?

Dirk Didascalou – O desenvolvimento de mobile phones é feito principalmente em Beijing. Isso não significa que fazemos produtos chineses, mas sim produtos concebidos e criados na China, mas vendidos no mundo todo. A escolha de Beijing é porque a maior parte dos fornecedores de componentes está na Ásia. Temos também um centro na Finlândia e outro menor em Oslo, na Noruega. E também fazemos pesquisas em Taiwan.

A Nokia é especialmente forte em telefones de gama baixa na Índia e no Brasil. A empresa estuda abrir laboratórios de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nesses mercados?

Temos, sim, alguns pesquisadores na Índia e o desenvolvimento do Nokia Life (conjunto de serviços de valor adicionado nas áreas de saúde e educação) está na Índia. Infelizmente, não podemos botar laboratórios em todos os países onde atuamos. Vale lembrar que para inovação de longo prazo temos o Instituto Nokia de Tecnologia (INdT), em Manaus. O time lá é pequeno mas é 100% comprometido em pensar como será o futuro e se reporta diretamente ao nosso CTO.

Uma das funcionalidades em mobile phones que está fazendo grande sucesso é o dual SIMcard. A Nokia tem o "Easy Swap", que permite a troca dos chips sem desligar o aparelho. Que novas funcionalidades você acredita que serão demandadas pelos usuários de celulares de gama baixa em um futuro próximo?

Nós dividimos mobile phones em três categorias: primeiro telefone, feature phone e smartphone. O primeiro telefone é aquele em que o preço é bem acessível, como o Nokia 105 (aparelho de 15 euros anunciado durante o Mobile World Congress). Nos feature phones o preço não é tanto uma questão: são produtos dedicados a uma determinada função, que pode ser fotografia ou mensagens, no caso de terminais com teclado Qwerty. Quatro anos atrás um feature phone de hoje seria considerado um smartphone. Agora chamamos de smartphone aqueles que são full touch, como alguns da família Asha. São aparelhos com diversas funcionalidades. Uma questão atual é a dificuldade de se encontrar o conteúdo desejado. O nosso Xpress browser, navegador presente nos feature phones, tem como foco baratear a transmissão de dados, pois comprime os dados em até 90%. Analisando o tráfego no nosso navegador, descobrimos o que as pessoas mais acessam pelo celular. Você faz ideia de qual é o site mais acessado pelo celular?

Google? Facebook?

É o Facebook. É três vezes maior em mobile phones que o Google. O Google pesquisa a web, mas a web se tornou tão grande, tão difícil de pesquisar… Então o que as pessoas fazem? Elas confiam nos seus amigos, nas recomendações deles. Você vai para o Facebook e seus amigos lhe dizem o que é importante. No Xpress browser mostramos o que pode ser interessante na web e isso varia de país para país. E temos o Nokia Here, que não é apenas sobre mapas, mas recomenda lugares. "Discoverability" pode ser uma diferenciação na gama baixa. Podemos antecipar o que o consumidor quer, sem desrespeitar sua privacidade. Não vendemos seus dados. Mas esse não é o único ponto. Outro é o conteúdo multimídia. Se você tem apenas um aparelho, se não tem um PC ou um tablet, o celular precisa ser bom para entretenimento. Serviços que oferecemos no high end queremos levar para o low end. E, por fim, as coisas precisam ser simples. No Asha temos uma home screen personalizada. O consumidor recebe um SMS e vê diretamente. Se quer trocar de SIMcard, troca imediatamente. Não precisa percorrer cinco ou seis passos pelo menu para chegar até lá como antigamente. Essa é uma diferenciação da Nokia: tornar as coisas mais funcionais.

Os apps ou sites mais acessados por usuários de smartphones são diferentes daqueles preferidos por usuários de aparelhos de gama baixa?

Depende… Se alguém compra um primeiro telefone ou um feature phone porque não tem dinheiro para comprar um smartphone, essa pessoa tende a usar o aparelho como usaria um smartphone. Por isso temos em alguns dos nossos modelos de gama baixa o Xpress Browser. Nele, verificamos o mesmo perfil de uso que vemos em smartphones. Oferecemos Internet para pessoas que de outra forma não conseguiriam acessá-la, pois esse é o único telefone que elas podem comprar. São pessoas que não têm dinheiro para comprar um Windows Phone, nem um Android e talvez nem um Asha. Então eles compram um dos nossos modelos de primeiro telefone. É gente que quer ter tudo nessa tela pequena: navegador, entretenimento, vídeo, YouTube… Mas há outro tipo de usuário, até em países desenvolvidos, que, apesar de ter um tablet ou dinheiro para comprar um smartphone, prefere ter um telefone adicional que seja simples. Um aparelho para falar, que seja pequeno e que não precise recarregar a cada 16 horas e nem mesmo a cada 16 dias! Temos um telefone, o X101, cuja bateria dura 60 dias em stand-by. Você pode sair de férias e não recarregar. As funcionalidades mais usadas em aparelhos assim são telefone, mensagens e música.

A duração da bateria é uma das maiores reclamações dos consumidores hoje em dia. Além dos esforços em torno da recarga por indução e da otimização dos chipsets, há alguma nova tecnologia em desenvolvimento para substituir a velha bateria de lítio?

A tecnologia de baterias está se desenvolvendo o tempo todo. A maior necessidade entre baterias é conseguir no mesmo espaço armazenar mais energia. Há algumas novidades vindo para os aparelhos high end. Em mobile phones é diferente. Sabe por que nos telefones da Nokia a bateria dura mais?

No caso dos celulares de gama baixa a tela é menor, o que demanda menos energia…

Mas e no caso do Asha, que tem modelos full touch? Um aparelho Android dura um dia e o nosso dura uma semana. Como pode? Temos baterias melhores? Não. Peguemos o exemplo dos carros: alguém sai por aí dizendo orgulhoso que seu carro é melhor porque consome mais combustível?

Talvez no Texas…

Mesmo no Texas: eles podem se orgulhar do motor do carro, mas não do fato de consumir mais combustível. Curiosamente, na indústria de telecomunicações, talvez por influência dos PCs, algumas pessoas falam em GigaHertz, dual core, quadcore… E isso não traz nenhum valor. A receita secreta para os nossos aparelhos não consumirem tanta energia é porque usamos motores menores, que otimizam o uso do hardware e do software. Consumimos menos energia e dirigimos tão rápido quanto os outros e vamos mais longe. Serve de exemplo o lançamento do Asha 308. Um jornalista de um renomado site de avaliação de terminais testou o produto e publicou uma resenha antes que nós lhe enviássemos as especificações. Ele escreveu no site que o telefone rodava em um processador de 800 MHz, porque provavelmente era o que lhe parecia. Mas a verdade é que se tratava de um processador de 312 MHz. As pessoas olham na caixa e leem: dual core, GigaHertz etc, e pensam que é melhor. Isso diz apenas: preciso de mais combustível para ter a mesma experiência. Por isso que temos um time tão grande de pesquisa e desenvolvimento. Nossa meta é conseguir aproveitar o máximo do hardware que temos. Esse é o nosso segredo em mobile phones. No high end o jogo é diferente.

Sobre sistemas operacionais, a Nokia ainda está usando o Symbian para aparelhos de gama baixa?

Não. Muita gente confunde isso e é importante esclarecer. O "S" é de "Series", não de Symbian. Temos o S30, que está em produtos como o 105, e o S40, que está no 301. São sistemas operacionais que não têm nada a ver com o Symbian.

Mas havia o Symbian S60…

Exato. Mas o S30 e o S40 não são Symbian, são sistemas completamente proprietários da Nokia. Não há uma única linha comum de programação entre eles. S30 e S40 são da Nokia como o iOS é da Apple e o Android é do Google. Para apps usamos basicamente a linguagem Java.

Gostaria de saber se a Nokia avalia a possibilidade de adotar o Firefox OS (sistema operacional da Mozilla que está sendo apoiado por diversas operadoras ao redor do mundo para integrar smartphones de baixo custo)?

Claro que avaliamos muitas cosias, mas não temos planos por enquanto de adotar o Firefox OS. Entendemos que nossas operadoras parceiras estão engajadas em desenvolver um ecossistema competitivo contra Android no low end e acho que é uma demanda razoável e justificável. Nós acreditamos que atendemos a essa demanda com a família Asha. Lançamos a Asha há pouco mais de um ano. Os primeiros modelos eram feature phones e qwerty phones. Tomamos uma decisão no último verão (no hemisfério Norte) de levar à família Asha as especificações de smartphones. Lançamos em julho passado o primeiro Asha full touch. Em seis meses vendemos 16 milhões de unidades. A Asha é a plataforma de smartphone com crescimento mais rápido da história. iOS e Android, quando foram lançados, não conseguiram vender tantos aparelhos em tão pouco tempo. Segundo a GfK, a família Asha conseguiu em seis meses sair do zero e se transformar na plataforma número 1 em market share em 25 mercados. E não se trata da liderança apenas na gama de smartphones de entrada, mas no geral, em qualquer faixa de preço. Essa lista não se limita a países do Oriente Médio ou da África, mas inclui mercados como Alemanha e França. Entendemos que temos um plano consistente para um plataforma de smartphones de gama baixa, independentemente de como as pessoas prefiram chamá-la: smartphone ou smartphone light… O fato é que as pessoas estão comprando e estão usando como smartphone. E vamos evoluir essa plataforma para sua segunda e terceira gerações…

Alguns analistas ainda não consideram os aparelhos da família Asha como smartphones. O que tem a dizer para eles?

Não interessa como os analistas chamam. Você pode chamar isso de "schnitzel phone" (telefone de bife à milanesa), eu não ligo. O que importa é o que entregamos ao consumidor. Com Asha você tem acesso dois planos de dados, uma bateria que dura mais tempo, vários apps, Facebook e Twitter… Chamem como quiser, para o consumidor é um smartphone. Para algumas pessoas um aparelho Qwerty é um smartphone, para a gente não mais. Os analistas têm o direito de chamar como quiserem.

Quanto dinheiro os desenvolvedores estão fazendo com apps para S40?

Não tenho esse número, mas posso dizer que 320 desenvolvedores já ultrapassaram a marca de 1 milhão de downloads na S40. E alguns passaram a marca de 100 milhões. É sabido que o iOS é a plataforma na qual os desenvolvedores mais ganham dinheiro. No Android, poucos têm lucro. E a razão para isso é que no Android o consumidor não consegue pagar. Neste ponto somos melhores que o Android porque temos acordos para uso da plataforma de billing de mais de 150 operadoras em mais de 50 países. Você não precisa informar o seu cartão de crédito, pois paga pela conta telefônica. Isso é muitas vezes mais que qualquer outra plataforma. As outras talvez tenham vinte e poucas operadoras em 10 ou 15 países…

Há algum outro ponto que gostaria de acrescentar?

Sobre o ecossistema, registramos mais de 1,6 bilhão de downloads no ano passado para S40 pela Nokia Store. Se excluir América do Norte, somos o segundo maior ecossistema móvel do mundo. Registramos 9 milhões de downloads por dia. E as pessoas ignoram isso. Tivemos 120 milhões de downloads no Brasil ano passado. E temos 70 milhões de usuários do Xpress Browser no mundo. Se tirar os nomes mais conhecidos, como Twitter, Facebook, Google, nós estamos exatamente no meio do ranking das 10 aplicações mais usadas em telefones móveis. Foursquare tem menos usuários únicos por dia que o nosso navegador. Isso é realmente significativo e está crescendo massivamente todo dia. É o novo bilhão de internautas. A gente se preocupa com a maioria da população, não apenas com os 500 milhões mais ricos que podem comprar smartphones. Estamos aqui para todo mundo. Queremos popularizar o uso de dados móveis. Claro que fazemos dinheiro, mas quando pergunto para nossos funcionários por que trabalham na Nokia e não produzindo papel higiênico, eles dizem: eu não faço apenas tecnologia, faço tecnologia que tem um impacto (social). Sempre trabalhei com low end. Amo o low end. Prefiro fazer algo que alcance centenas de milhões de pessoas do que algo para poucas pessoas ricas.