Não basta ter uma boa ideia e passar meses trabalhando na programação e no design de um jogo de alta qualidade. Um dos maiores desafios dos desenvolvedores de games móveis começa depois que o produto está pronto: fazer com que ele seja encontrado dentro das lojas de aplicativos. O cenário existente hoje na App Store e na Google Play é o que chamam de "oceano vermelho": há uma infinidade de games competindo arduamente pela atenção do consumidor, em uma guerra em que poucos saem vitoriosos. Há vários caminhos para se vencer esse desafio. Alguns deles vão ser abordados nesta matéria, a segunda da série sobre a nova geração de estúdios brasileiros de games móveis.

"O mercado de games é muito competitivo. Não se deve entrar na loja sem pensar antes a estratégia de lançamento", alerta Ludmilla Veloso, sócia-fundadora da Eyso, empresa especializada em App Store Optimization (ASO). Antes de lançar um jogo é preciso atentar para cuidados básicos relacionados a ASO. Desde o nome do game até a sua descrição e palavras-chave, passando pelo design do ícone e pelas imagens de tela: tudo isso pode afetar a descoberta do jogo nas lojas.

É recomendado trabalhar a sua divulgação antes mesmo do lançamento, construindo aos poucos uma base de pessoas interessadas que poderão baixá-lo assim que estiver disponível. Um lançamento prévio na web pode ajudar a montar uma comunidade em torno do jogo, o que vai contribuir para o sucesso da versão móvel quando esta entrar no ar. Foi o caminho feito pelo fenômeno Agar.io, criado por um jovem desenvolvedor brasileiro e que em dois meses ultrapassou 10 milhões de downloads na Google Play.

Algumas características do próprio jogo podem contar a favor para ele ser encontrado. É o caso daqueles com marcas ou personagens famosos, pois estes trazem juntos uma legião de fãs, além de terem ajuda em divulgação em outras mídias, fora dos celulares. "Lançar um jogo sem marca é muito difícil", avalia Carlos Estigarribia, um dos mais antigos empreendedores do mercado nacional de games móveis, que hoje atua como consultor e investidor nesse segmento.

Outra possibilidade é apostar em games que sejam atraentes para um nicho específico de pessoas. É o que fez a brasiliense Behold Studios com seu maior sucesso até agora, "Knights Pen & paper", voltado para amantes de RPG de papel e caneta. Sua nova investida agora é junto ao público que curte super-heróis japoneses no estilo Power Rangers, conhecidos como Super Sentai. O novo jogo se chama Chroma Squad chegará em breve às plataformas móveis. "Preferimos apostar em nichos. Se fizéssemos um jogo para todo mundo corríamos o risco de não ter ninguém", explica Saulo Camarotti, CEO e fundador da Behold Studios.

A inclusão de componentes sociais também contribui para gerar boca a boca entre os usuários. "Não se pode pensar só no design ou no gameplay ao desenvolver um jogo. É preciso pensar em características que o tornem virais", recomenda Cesar Mufarej, co-fundador da Fanatee, criadora do Letroca.

Além disso, na opinião de especialistas, é fundamental que o jogo esteja em inglês, para que possa ser baixado no mundo inteiro – característica comum a todos os títulos de sucesso criados por essa nova geração de estúdios brasileiros destacados na primeira matéria da série. "Se focar apenas no Brasil não terá chance alguma. Até prejudica. Mesmo se fizer algo de excelente qualidade sobre folclore brasileiro vai conseguir poucas vendas. O jogo tem que estar em inglês", recomenda Moacyr Alves, presidente da AciGames.

Lançamento e CPI

O momento do lançamento é considerado crucial, porque as duas lojas dão um reforço no destaque de novos títulos nos primeiros dias em que estão no ar. É preciso aproveitar esse período para crescer rapidamente a base de usuários, recomenda Ludmilla, da Eyso.

Quem consegue figurar no ranking dos mais baixados acaba ficando mais visível dentro da loja. Chegar ao topo e se manter por lá é uma luta intensa e que pode custar muito caro. O caminho mais óbvio, porém mais dispendioso, é o de adquirir usuários. Isso mesmo: no mundo dos aplicativos é possível comprar downloads. Há diversas redes de publicidade móvel que cobram por instalação. É o chamado CPI (custo por instalação). O anunciante paga por cada download feito do seu aplicativo. O problema é que o preço do CPI para games subiu muito nos últimos anos, inflacionado pelos grandes estúdios, como Supercell e Rovio. Hoje em dia, pode chegar a US$ 10 por instalação, dependendo da "qualidade" do usuário conquistado. Um preço muito baixo de CPI pode significar um usuário de menor valor, que vai baixar o app e desinstalá-lo em seguida. Pode até ajudar no curto prazo a subir no ranking, mas não vai gerar receita e, ao fim, pode representar dinheiro jogado fora.

Pelas contas de Ludmilla, para um jogo chegar ao primeiro lugar na categoria de games da App Store nos EUA é preciso manter uma média de mais ou menos 80 mil downloads por dia durante 10 dias. Considerando um preço médio de US$ 5 por download, o custo para alcançar o topo do ranking seria de US$ 4 milhões. Na App Store brasileira, bastariam entre 30 e 40 mil downloads por dia durante o mesmo período.

"O custo de aquisição está exorbitante", reconhece Ronaldo Cruz, da Oktagon Games. Em vez de CPI, ele prefere medir o valor de tempo de vida do seu usuário (ou "lifetime value", em inglês), que consiste na receita gerada por ele enquanto for um jogador do game. Isso faz sentido especialmente para jogos freemium, com vendas in-app.

A parceria com publishers internacionais pode ser também um caminho interessante. Além de terem cacife para negociar um CPI mais barato em razão da escala, eles podem utilizar a sua própria base de usuários de outros games para divulgar os novos títulos. O problema é que essa parceria tem um custo para o desenvolvedor: o publisher costuma ficar com uma fatia que varia de 20% a 40% da receita líquida do game, dependendo do quanto tiver investido em marketing. No Brasil, a Tapps Games, que tem mais de 200 jogos lançados que acumulam 200 milhões de downloads, consegue utilizar a estratégia de cross-promotion com a sua própria base de usuários.

Ludmilla aconselha o investimento em assessoria de imprensa, que gera um retorno melhor do que a simples aquisição de usuários pelas redes de publicidade móvel. Uma resenha positiva em blogs ou sites especializados costuma trazer resultados imediatos.

Às vezes, o antimarketing também funciona. Alves, da AciGames, lembra o caso do Flappy Bird, que virou um fenômeno mundial depois que um conhecido blogueiro de games publicou um vídeo no YouTube falando para as pessoas não baixarem o jogo.

Destaque

A melhor e mais barata maneira de ter seu jogo encontrado é a recomendação por parte dos editores da App Store e da Google Play. A cada semana, novos títulos são sugeridos e ganham destaque dentro das lojas. Para ser escolhido, porém, é preciso ter um game de altíssima qualidade e, preferencialmente, com algum componente de inovação, seja nos gráficos, na jogabilidade ou no tema. A porto-alegrense Aquiris conseguiu a façanha de ter seu último lançamento, o game de corrida de carros Horizon Chase, recomendado pelos editores da App Store nos EUA. Resultado: sem qualquer investimento em CPI conseguiu figurar em terceiro lugar entre os games pagos mais baixados logo na sua primeira semana de vida.

Outro estúdio que tenta seguir esse caminho é o Ovni, de São Paulo, que está produzindo um livro infantil interativo chamado Peronio, que usa recursos de realidade aumentada e de realidade virtual. Foram dois anos de desenvolvimento e agora começou a fase de negociação com as duas lojas para conquistar o tão almejado destaque. "Para isso é necessário que o app esteja super-polido e seguir todas as recomendações. Há mais de um mês que a gente vem fazendo todos os ajustes que Apple e Google pedem", conta Tiago Moraes, fundador da Ovni Studios.

Série

Ao longo dos próximos dias, MOBILE TIME publicará outras matérias sobre a atual cena brasileira de jogos móveis. Esta é a segunda matéria da série. A primeira foi publicada na última quinta-feira, 10, destacando alguns dos novos estúdios nacionais que estão conseguindo destaque internacional.