Os jogos para celulares surgiram junto com os primeiros aparelhos digitais que acessavam redes de segunda geração (2G), cerca de quinze anos atrás. A interface era bastante limitada. Havia jogos em WAP, que era o protocolo da Internet móvel naquela época, e também jogos em Java, que podiam vir embarcados ou baixados para o celular. Um pouco depois surgiu o Brew, uma plataforma para games móveis em CDMA criada pela Qualcomm. Nessa era pré-smartphone, foram fundados alguns estúdios de games móveis no Brasil, como LocZ, M1nd, Nano Games e Wiz. A convite de MOBILE TIME, Carlos Estigarribia e Peter Hansen, dois desenvolvedores dessa primeira geração, analisam a cena atual de mobile gaming no Brasil e dão conselhos com base na experiência que tiveram nessa indústria.

Estigarribia foi um dos fundadores da LocZ, que começou produzindo jogos em CD-ROM e depois em Flash para sites web, entre 1997 e 2000. O estouro da bolha da Internet fez a LocZ migrar para o mundo mobile, onde passou a desenvolver jogos para WAP, Java, Brew e até SMS (sim, havia jogos através de mensagens de texto!). "Crescemos pegando jogos de fora e portando para os aparelhos brasileiros, pois o parque nacional era diferente, com problemas únicos de memória e outras especificidades. E fizemos alguns jogos para marcas no Brasil, como o jogo da Kelly Key para a Warner Music", relembra Estigarribia. Em 2006 ele vendeu a LocZ para a sul-coreana SkyZone, que queria entrar no País através da compra de um player local. Mais tarde, foi contratado pela EA para cuidar do time de desenvolvimento de jogos móveis no Brasil, já na era pós-smartphone. Hoje, Estigarribia atua como investidor e consultor nesse mercado.

Hansen, por sua vez, começou mais tarde. Primeiro trabalhou dentro da Wiz no desenvolvimento de jogos para Brew. Quando essa plataforma perdeu força e parte da equipe foi desfeita, ele decidiu criar seu próprio estúdio de games móveis, a Nano Games, em 2007, ano de lançamento do primeiro iPhone nos EUA. Seu foco inicial era Java, mas também produziu títulos em Symbian, iOS e Flash. Foram mais de 30 games lançados, inclusive alguns para marcas da MTV, como a dupla de humor Hermes e Renato. O empreendimento, contudo, não deu o retorno esperado e a Nano foi fechada em 2013. Hansen se mudou para Inglaterra onde hoje trabalha no Relentless Software, um estúdio de games em Brighton, que produz para Android, iOs e PS4.

"Hoje o desenvolvedor tem acesso a ferramentas e plataformas mais baratas. A parte técnica não é algo com a qual se preocupar tanto", compara Estigarribia. Hansen concorda: "Há disponibilidade de ferramentas muito melhores, mais sólidas e mais flexíveis do que tínhamos na nossa época, como Unity, Unreal e algumas especificas para Android."

Outro ponto positivo dos tempos de hoje é o interesse de investidores em apostar em estúdios independentes, destaca Hansen. No seu tempo, o acesso a capital de risco era mais difícil. A Nano segurou as pontas durante sete anos com capital tirado do próprio bolso pelos sócios. A experiência serviu de aprendizado para Hansen: "Não se deve pôr a carroça na frente dos bois. É melhor dar passos menores, porém mais sólidos. Saí contratando gente antes da hora. Entre fechar um contrato de boca e ter o contrato assinado, leva um tempo. E entre o contrato assinado e o dinheiro efetivamente entrar, leva mais tempo. Quando assinamos com a MTV, saímos contratando gente, e o dinheiro não entrou de imediato", recorda.

Estigarribia recomenda que os desenvolvedores não foquem apenas na parte técnica. É preciso dar atenção também à área de negócios. "Vejo hoje algumas empresas muito fechadas: fazem o jogo e acham que magicamente alguém vai comprar. É importante ter alguém dentro da companhia que esteja 100% focado nos negócios", aconselha.

Outra dica do agora consultor e investidor do mercado de games é aproveitar a alta do dólar para exportar a prestação do serviço de desenvolvimento, gerando caixa para a empresa. "Com a moeda americana nesse patamar, estamos 40% mais em conta do que estávamos seis meses atrás. É uma boa hora para quem quer vender tecnologia ou horas/homem para produzir jogos para fora. O Brasil estava caro até 2014 e agora estamos com preço compatível com o que é pago na China e na Índia", compara.

Hardware e distribuição

Por fim, a chegada dos smartphones trouxe outras mudanças para o mercado de games móveis que podem parecer óbvias mas valem a menção. Entre elas estão melhorias no hardware, com maior capacidade de processamento, mais memória e melhor resolução de tela, por exemplo. Tudo isso junto permitiu a criação de jogos cada vez mais atraentes graficamente. Outra mudança diz respeito ao modelo de negócios: a distribuição passou por uma revolução. Antes dos smartphones, ela ficava a cargo das operadoras móveis, que controlavam o acesso a conteúdo por parte de seus usuários, seguindo uma estratégia que ficou conhecida como "jardim murado" ("walled garden", em inglês). Havia alguns agregadores independentes e publishers internacionais, mas nada que pudesse acelerar o desenvolvimento desse ecossistema. A mudança radical veio com a criação das lojas de aplicativos da Apple e do Google, que não apenas permitiram a distribuição internacional instantânea, como também melhoraram a divisão da receita a favor dos desenvolvedores, que passaram a ficar com 70% do faturamento. As teles, por sua vez, perderam a hegemonia nesse mercado.

Série

Esta é a terceira matéria da série produzida por MOBILE TIME sobre a nova geração de desenvolvedores de games móveis no Brasil. Veja abaixo o link para as outras publicadas até agora.