A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve iniciar um trabalho de preparação de uma auto-regulamentação para o uso de inteligência artificial, incluindo ferramentas de bots (robôs virtuais), no exercício do Direito. E o setor de telecomunicações capitaneará esse processo. Esta semana, o presidente da OAB nacional, Cláudio Lamachia, criou uma coordenação de inteligência artificial e o presidente que coordenará os trabalhos é José Américo Leite Filho, diretor jurídico da Febratel (Federação Brasileira das Empresas de Telecomunicações).

A questão do uso de inteligência artificial e bots no exercício do Direito é especialmente preocupante para o setor de telecomunicações pelo risco de industrialização de processos, sobretudo no campo do direito do consumidor. Segundo José Américo Filho, hoje já existem várias startups dedicadas ao uso de inteligência artificial e de robôs virtuais para arregimentar potenciais causas contra as empresas prestadoras de serviço e construção de peças iniciais que são depois agenciadas para advogados que entram com as ações. Em uma destas plataformas, que funciona via Facebook, o usuário fica com 70% do valor da causa, e a plataforma, com 30%.

“O uso de inteligência artificial é muito importante para o Direito e uma tendência global, mas é preciso assegurar que isso não represente uma industrialização do uso da Justiça em detrimento da possibilidade de ajustes e acordos que não sobrecarreguem os tribunais e as empresas”, diz. O risco decorre do fato destes robôs virtuais atuarem nas redes sociais como conselheiros, “conversando” com pessoas e pesquisando reclamações que potencialmente indiquem a possibilidade de uma disputa jurídica. A partir daí, naqueles casos em que foi identificado um potencial, estas plataformas negociam o direito sobre estas ações e agregam centenas e milhares de casos semelhantes em ações coletivas. As peças iniciais são geradas automaticamente e são então “uberizadas” para advogados reais que possam assinar as ações e comparecer às audiências. “Isso gera um uso indevido da Justiça, ferindo o código de ética da OAB e as regras para exercício do Direito no Brasil. Essas plataformas funcionam na prática como captadora, agenciadoras e divulgadoras de serviços jurídicos. É preciso regulamentar o uso dessas ferramentas”, diz.

As plataformas virtuais, se de um lado facilitam a vida de consumidores descontentes que queiram ir à Justiça, ao mesmo tempo tiram a possibilidade de acordos e ajustes nas relações de consumo, ignoram especificidades da causa e transformam problemas que podem ser pontuais ou sem gravidade em grandes ações na Justiça, avalia o diretor jurídico da Febratel. “Essa industrialização é ruim para vários setores que lidam com milhões de consumidores, como o setor de telecomunicações, setor de energia e setor bancário, por exemplo”. Hoje, com mais de 300 milhões de contratos (total de clientes de serviços de telecomunicações nos múltiplos serviços oferecidos), as empresas de telecomunicações já administram grandes contenciosos, principalmente de pequenas causas, fora o atendimento aos órgãos de defesa do consumidor e à Anatel.

O problema do uso intensivo de inteligência artificial já é relevante nos EUA, onde as plataformas de bots para causas jurídicas são mais difundidas, mas no Brasil os primeiros casos agenciados por estas plataformas começaram a aparecer contra o setor de telecomunicações nos últimos meses. A OAB quer regulamentar a questão antes que a prática se massifique. “Queremos usar intensamente a inteligência artificial para agilizar e tornar mais eficiente o processo judicial, e criar mecanismos que facilitem a realização de acordos e melhoria dos serviços”, diz José Américo Leite.