Roger Solé é um raro caso de profissional que deixou o mercado brasileiro de telefonia móvel para se tornar um alto executivo de uma operadora de grande porte em uma economia madura, no caso, na norte-americana Sprint. Depois de uma experiência de muitos anos na Vivo e na TIM, tendo sido CMO desta última, Solé ocupa agora o mesmo cargo na operadora dos EUA. Em entrevista para MOBILE TIME, ele compara as diferenças entre os mercados brasileiro e norte-americano, especialmente no que diz respeito ao consumo de conteúdo móvel e às parceiras com empresas over the top (OTT). Um dos seus focos agora na Sprint é justamente costurar parcerias com essas companhias. Ele acredita que a ampla rede de lojas próprias da operadora pode atrair as OTTs, pois estas sentem falta de presença física. Para as teles brasileiras que desejam estender por mais tempo a sobrevida do segmento de serviços de valor adicionado (SVAs) white label, o executivo aconselha o foco em qualidade e em nichos de mercado que as OTTs não enxergam por serem globalizadas.

MOBILE TIME – Quais as maiores diferenças que você pôde perceber no mercado norte-americano de telefonia celular quando comparado com o brasileiro?

Roger Solé – Os EUA são um mercado pós-pago predominantemente: mais de 80% da base é pós-paga. São clientes que se assemelham àqueles de alto valor do Brasil. O comportamento é parecido, quando consideramos o que o consumidor espera da operadora quanto a tipos de planos e de aparelhos. Então o que aprendi no Brasil com clientes de alto valor na TIM e na Vivo é muito parecido. É também um mercado que não responde tanto a promoções: o churn aqui é muito menor. Tem muita inércia. E a Sprint é uma operadora que precisa crescer. É difícil quebrar essa inércia, fazer as pessoas te escutarem. Isso também acontece no Brasil, mas em menor escala, porque o brasileiro tem menos fidelidade com a operadora.

E como é o mercado pré-pago dos EUA?

Na Sprint temos uma marca pré-paga chamada Boost Mobile. Porém, o que chamamos de pré-pago aqui é o plano controle no Brasil. Aqui não tem pré-pago de recarregar quando pode, ficar 70 dais para falar, usar vários chips, e recarregar dependendo da promoção de uma ou outra operadora. O que chamam de pré-pago no Brasil quase não existe nos EUA. O pré-pago daqui tem 3 GB mensais, texto e chamadas ilimitadas para qualquer operadora e custa US$ 35 por mês, o que seria R$ 120 no Brasil. Ou seja: mesmo o mercado pré-pago tem muito valor e aqui funciona como controle.

Outra diferença importante entre os dois mercados é a relevância do papel da operadora no financiamento do handset. É uma grande diferença entre pré e pós aqui. O sistema financeiro funciona muito azeitado com uma base de dados de crédito de cada americano muito bem desenvolvida. É muito claro quem é prime e quem não é. Oferecemos financiamento de aparelhos para quem sabemos que podemos oferecer. Para as outras pessoas a opção é o pré-pago, porque não tem compromisso.

De quanto é o churn aí?

No pós-pago da Sprint é de 1,6% ao mês. Na Verizon e na AT&T é 1,2% ao mês. O nosso chegou a 2% no ano passado, mas conseguimos melhorar. No pré-pago está em 4%.

E quais as diferenças entre os dois mercados quando comparado o consumo de serviços de valor adicionado (SVAs)?

O mercado de SVA dos EUA é o que teremos daqui a alguns anos no Brasil. É um mercado que está em phase out. Aqui não existe foco grande mais em serviços white label das operadoras, com diferentes fornecedores de SVA. Ainda existem alguns serviços de SMS, mas não tem tanto interesse do consumidor, em parte porque o mercado de over the tops (OTTs) tem os serviços que todos conhecemos. Os SVAs de verdade aqui são Uber, Google, Netflix, Facebook. E cada um tem seus modelos de negócios, em geral independentes das operadoras. Aqui não se segue mais essa lógica de walled garden com serviços gerenciados pelas operadoras, algo que fazia sentido no Brasil. Esses serviços dependem de cartão de crédito. E  muitas das OTTs são americanas e não aceitam cartão de crédito brasileiro. Isso é uma barreira que abre espaço para se fazer white label no Brasil, ou seja, empacotar SVAs pelas operadoras. Além disso, as teles brasileiras podem vender pacotes por dia ou semana, o que as OTTs daqui não estão acostumadas.

Há muitas parcerias entre teles norte-americanas e OTTs?

As grandes OTTs daqui não precisam das teles para crescerem, mas enxergam oportunidades nos ativos das operadoras, como o billing de dezenas de milhões de clientes, a rede 4G, a rede de lojas físicas… A Sprint tem 5 mil lojas. Nossa base pós-paga requer grande capilaridade de lojas físicas. A possibilidade de trabalhar marketing e vendas em espaços físicos é algo que abre os olhos das OTTs, porque elas são todas digitais e não têm presença física. São coisas que colocamos na mesa de negociação. E também temos muita presença na mídia. Isso sem falar nos canais de contato que temos: SMS, faturas, rede de dados, rede de lojas. As OTTs, por sua vez, trazem outros atrativos: sua capacidade de inovar no meio digital, seus serviços com maior engajamento. No mundo antigo de SVA havia sempre as grandes operadoras lidando com parceiros pequenos. Agora é uma relação mais de encontrar sinergias entre os dois mundos. É um território que ainda é pouco explorado, mesmo aqui nos EUA.

A Sprint tem alguma parceria com OTTs?

Ainda não temos nenhum acordo, mas estamos conversando com muitas. O grande ponto até agora desde que cheguei era o turn around da empresa. A Sprint estava perdendo milhões de clientes. Finalmente, no quarto trimestre do ano passado pela primeira vez em um ano e meio a Sprint foi a operadora com maior crescimento em adições líquidas. Era o momento da virada. O foco estava na rede e em quais eram nossas ofertas e propostas de valor. Agora chegou a hora de pensar em parcerias.

Suas concorrentes já têm parcerias do gênero?

Não exatamente. Me surpreendi com o Go90 da Verizon, um serviço de conteúdo de entretenimento que compete com YouTube e Netflix. É curioso porque não vemos muitas grandes operadoras em nenhum lugar do mundo fazendo isso. Estão investindo pesado, comprando conteúdo, direitos exclusivos de gravadoras  e fazendo curadoria. A AT&T por sua vez parece muito focada em desenvolver internamente o mundo de Internet das Coisas (IoT), como carros e casas conectadas.

Há espaço para acordos de zero rating de apps nos EUA?

Zero rating aqui é bem mais delicado porque a lei de neutralidade de rede é muito rígida. Não podemos privilegiar nenhum app ou serviço com nossa tarifação de dados. Bom, há controvérsias, não é preto no branco, mas o entendimento é que não podemos oferecer zero rating, a não ser que seja zero rating para toda uma categoria, em vez de um app específico. A T-Mobile fez isso com apps de música. Mas vale lembrar que os clientes aqui têm planos muito altos de dados. Nosso plano de entrada é de 1 GB. E o que vende mais é o de 3 GB. Então não há necessidade de oferecer zero rating. Esse modelo faz mais sentido em países emergentes.

O ecossistema de SVA da forma como existe no Brasil, com provedores de conteúdo white label para as operadoras, tende a se extinguir no futuro?

Acho que ainda tem um espaço no Brasil por causa da grande massa de consumidores pré-pagos que não têm acesso a serviços financeiros. Conforme vai diminuindo essa base pré-paga e avança a inclusão financeira, vai diminuindo essa necessidade. E o fato de terem pacotes maiores de dados também vai reduzir essa demanda por conteúdo white label. Outro fator será a crescente chegada de OTTs estrangeiros ao Brasil.

O consumidor latino nos EUA é muito diferente do consumidor latino na América Latina?

O mercado hispânico é o que mais cresce nos EUA. É um dos grandes focos de marketing de toda a indústria. É um mercado mal atendido e que ao mesmo tempo é o que mais cresce demograficamente e em poder de compra. São 57 milhões de hispânicos nos EUA. E respondem por mais da metade do crescimento da população dos EUA. Na prática, são pessoas totalmente integradas à sociedade americana: 75% são bilingues e têm consumo parecido com aquele do norte-americano médio. Compram muito em família, o que é parecido com o brasileiro. Tem PIB per capita próximo ao do americano, mas culturalmente estão mais próximos da América Latina: gostam de futebol, da família, da música latina, da gastronomia latina. Economicamente são mais americanos e culturalmente continuam latinos.

Para concluir, que conselhos você daria para seus colegas do mercado de SVA no Brasil?

Em vez de focarem na aquisição e na manutenção indiscriminada de clientes com marketing agressivo, o que precisam agora é focar na qualidade dos serviços prestados. Têm que dar valor ao cliente, senão vai sumir o interesse por esse mercado. Senão vão todos migrar para as OTTs. Quem vai ganhar serão Spotify, Netflix. Têm que procurar nichos e segmentos que essas grandes OTTs não enxergam porque são globalizadas. Têm que explorar o fato de estarem mais próximas dos brasileiros e de entenderem as necessidades de pequenos segmentos. E continuar explorando um empacotamento mais acessível para o pré-pago. Se conseguirem usar esses elementos, o mercado de SVA ainda vai durar muitos anos.