A ministra Rosa Weber, relatora no Supremo Tribunal Federal das ações de inconstitucionalidade movidas pela OAB e pelos partidos PSBPSOL e PSDB, deu na última terça-feira, 21, dois dias para que a AGU e o IBGE se posicionem sobre as ações que questionam a Medida Provisória 954/2020. A MP obriga as empresas de telecomunicações a entregarem ao IBGE “nomes, números de telefone e endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas” que serão utilizadas  “direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares”. Na última segunda, dia 20, a Anatel havia se manifestado em relação à Instrução Normativa trazida pelo IBGE para regulamentar a MP, recomendando “extrema responsabilidade” com o tratamento dos dados e propondo medidas adicionais de controle.

Interessante notar que a Procuradoria Federal Especializada da Anatel, que é vinculada à AGU, assim como a Consultoria Jurídica do MCTIC, também ligada à Advocacia Geral da União, já se manifestaram pela legalidade do compartilhamento, mas quando o fizeram a perspectiva era de uma utilização específica para a realização da PNAD Contínua, não se falava em dados de endereço dos usuários e que os dados compartilhados seriam aqueles de que a Anatel dispõe para a realização da Pesquisa de Satisfação dos usuários, que inclusive foram compartilhados com o IBGE. No parecer, a PFE da Anatel escreveu:

“Esta Procuradoria Federal Especializada se manifesta pela viabilidade jurídica de compartilhamento de dados pessoais de pessoas naturais consumidoras de serviços de telecomunicações, referentes ao nome, número de telefone, CPF, município e Unidade da Federação, para o fim específico de realização da PNAD Contínua, nos termos solicitados pelo IBGE, observadas as disposições que constam da Lei Geral de Proteção de Dados e do Decreto nº 10.046/2019, bem como os seguintes fundamentos legais, requisitos específicos e procedimento decisório:

  • (a) o tratamento dos dados pessoais na hipótese em questão se fundamenta nos incisos III e IV do art. 7º da LGPD, segundo os quais o tratamento de dados pode ser realizado pela Administração Pública, quando necessário à execução de políticas públicas e para a realização de estudos por “órgão de pesquisa”, expressão esta que abrange o IBGE;
  • (b) o presente compartilhamento de dados pessoais atende, ainda, aos quatro requisitos específicos estipulados nos arts. 23 e 26 da LGPD:
  • (b.1) finalidade específica, isto é, a realização da PNAD Contínua;
  • (b.2.) vinculação às atribuições legais do órgão ou entidade pública, demonstrada, no caso, ao se considerar as competências legais do IBGE para realizar pesquisas estatísticas e estudos correlatos, conforme previsto na Lei nº 5.878/1973 e no Decreto nº 4.740/2003;
  • (b.3.) interesse público no compartilhamento, evidenciado por meio da necessidade de assegurar a realização da PNAD Contínua, o que somente pode ser viabilizado por meio de entrevistas por telefone, haja vista as restrições, ora em vigor, para a coleta presencial, decorrentes da pandemia do vírus Covid-19;
  • (b.4) vedação de transferência dos dados pessoais a entidades privadas, ressalvadas as hipóteses previstas na LGPD, requisito este atendido em face da previsão de que o tratamento dos dados ocorrerá exclusivamente no âmbito do IBGE, sem qualquer operação de transferência para entidades privadas;
  • (c) quanto ao procedimento a ser observado para a operacionalização do compartilhamento, o Decreto nº 10.046/2019 dispensou a assinatura de instrumento contratual entre as partes, demandando, em substituição, que seja proferida decisão administrativa pela autoridade competente, da qual conste, além da demonstração de atendimento aos fundamentos legais e requisitos específicos
    acima mencionados, definição quanto à categorização do nível de compartilhamento e quanto às condições para o acesso;
  • (d) no caso dos autos, recomenda-se a categorização dos dados como de compartilhamento específico, na forma dos arts. 4º, III e 31, § 2º, todos do Decreto nº 10.046/2019;
  • (e) no que concerne às condições de compartilhamento e acesso aos dados, entendemos que a decisão administrativa deve incorporar, ao menos, as seguintes:
  • (e.1.) Transparência e dever de informação . Divulgação da existência do presente compartilhamento e demais informações pertinentes nos meios de divulgação oficial da Anatel e do IBGE, em conformidade com o disposto no art. 10 do Decreto nº 10.046/2019 e no art. 23, I, da LGPD;
  • (e.2.) Objeto e extensão do compartilhamento. Autorização para o acesso integral à base de dados da Pesquisa de Satisfação e Qualidade Percebida de Usuários de Serviços de Telecomunicações, composta por nome, número de telefone, CPF, município e Unidade da Federação de pessoas naturais consumidoras de serviços de telecomunicações;
  • (e.3.) Duração. Autorização para o tratamento dos dados pessoais enquanto perdurarem as restrições de mobilidade decorrentes da pandemia associadas ao Covid-19 ou até 31/12/2020, o que ocorrer primeiro, período após o qual os dados devem ser eliminados, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 16 da LGPD;
  • (e.4.) Vedação de compartilhamento e retransmissão dos dados . O IBGE não poderá proceder à transferência, comunicação, retransmissão ou qualquer forma de uso compartilhado dos dados pessoais com entidades privadas ou com outros órgãos e entidades públicos;
  • (e.5.) Ônus financeiro. Ressalvada a hipótese de existência de custos operacionais, que devam ser ressarcidos pelo IBGE, na forma do art. 6º do Decreto nº 10.046/2019, sugerimos que o compartilhamento dos dados seja efetuado sem ônus para o IBGE e sem qualquer transferência de recursos financeiros entre as partes;
  • (e.6.) Mecanismo de compartilhamento dos dados. Considerando que se trata de definição estritamente técnica, sugerimos que a área responsável verifique a melhor e mais segura forma de efetivar o compartilhamento, inserindo a descrição correspondente na decisão administrativa a ser proferida pela autoridade administrativa competente;
  • (e.7.) Medidas de segurança e prevenção. Além dos requisitos de segurança da informação específicos que a área técnica considere necessário explicitar na hipótese, entendemos que deve ser exigido que o IBGE adote todas as medidas de prevenção e segurança necessárias à preservação da confidencialidade, disponibilidade e integridade dos dados pessoais, bem como dos direitos à privacidade e à intimidade de seus titulares, observado o disposto nos arts. 46 a 49 da LGPD e no art. 3º, II, do Decreto nº 10.046/2019;
  • (e.8.) Ciência e responsabilidade do recebedor dos dados. Considerando que não haverá assinatura de qualquer instrumento contratual entre as partes, o efetivo compartilhamento dos dados deve ser condicionado à ciência e ao “de acordo” do IBGE com as condições definidas pela Anatel, o que pode ser efetivado por uma das seguintes opções: (i) assinatura de um “Termo de Ciência e Responsabilidade” pela autoridade competente do IBGE, do qual conste todas as condições definidas pela Agência; ou (ii) simples manifestação do IBGE – por ofício assinado pela autoridade competente, por exemplo – expressando a sua adesão e concordância com as referidas condições”.