Às vezes, para "pensar fora da caixa" é preciso ter vindo de fora da caixa. É o caso do executivo Flávio Lang. Ele comandava até meados do ano passado a operação do TIM Fiber, serviço de banda larga em fibra óptica da TIM, e agora trocou as redes fixas pelas móveis: é o novo diretor de serviços inovadores e handsets da operadora celular. Tendo vindo de fora do segmento de serviços de valor adicionado (SVA), ele percebeu que muita coisa precisava mudar na estratégia da companhia, a começar pela sua própria estrutura interna, agora dividida em quatro áreas (core SVA; entretenimento; inovação; e serviços financeiros móveis). Além disso, com o fim da era dos múltiplos SIMcards, entende que chegou o momento de focar no valor do ciclo de vida do cliente, priorizando SVAs de maior qualidade. Com isso, pretende enxugar o portfólio e aumentar o seu controle com a adoção de uma plataforma única para a ativação de serviços, que será gerenciada internamente.

A crise econômica, por sua vez, não o assusta. Pelo contrário: ele enxerga no mercado de entretenimento móvel um potencial anticíclico, herdando parte do orçamento que os consumidores antes gastavam com lazeres mais caros, como cinema e restaurantes.

Em entrevista para este noticiário, Lang falou também sobre a negociação de uma parceria com Netflix, novos serviços de IoT e o desejo de aproveitar o inventário da TIM para a recomendação de apps.

MOBILE TIME – Quais as prioridades da TIM em SVA para 2016?

Flávio Lang – Tenho uma visão de fora do mundo de VAS (sigla em inglês para "serviços de valor adicionado"), pois não venho dele. Estruturei essa área dentro da TIM dividida da seguinte forma: 1) core de VAS (serviços 1.0, parcerias de white label mais simples etc), que concentra hoje metade da receita; 2) inovação, área dedicada à prospecção; 3) mobile financial services; e 4) serviços de entretenimento (vídeo, música e jogos). Essa separação é a mesma que acontece na Itália. É importante porque cada área lida com interlocutores diferentes. Enquanto o executivo que cuida de entretenimento fala com Netflix e gravadoras, o de core de SVA trata com integradores e provedores locais de conteúdo. A área de serviços financeiros, por sua vez, é até regulada de forma diferente. E a parte de inovação eu separei porque seria difícil dar a devida atenção e ainda cuidar de produtos existentes.

O que podemos esperar da área de entretenimento?

Música está crescendo fortemente. Hoje temos uma parceria com a Deezer no TIMmusic. Agora buscamos uma forma de universalizar o serviço de streaming musical também no pré-pago, cuja penetração ainda é baixa pelo valor de R$ 3,90/semana. Falta massificar. Estamos buscando soluções para criar um bundle de serviços para universalizar o TIMmusic.

Quais os planos para a área de vídeo?

Temos uma concorrência aberta para uma solução de vídeo sob demanda (VOD, na sigla em inglês). Queremos uma parceria com OTTs existentes e eventualmente lançar um serviço nosso.

O Netflix poderia ser um parceiro?

Estamos conversando com o Netflix para uma parceria, sim, mas não exatamente de zero rating. Existe uma diferença no perfil de consumo de vídeo dependendo da rede, se na móvel ou na fixa. Enquanto o Netflix é o conteúdo de vídeo mais demandado na rede fixa, na móvel percebemos outro comportamento. Geralmente no smartphone são vídeos mais curtos, tipicamente do Facebook e do YouTube. O uso prolongado de vídeo na tela pequena não é tão comum. Para ver um vídeo de duas horas geralmente a pessoa prefere a sua casa e uma tela grande.

Também estudamos o que acontece no mundo, como o caso da T-mobile. Não digo que vamos fazer o mesmo, mas a T-mobile fez o seguinte: ela dá vídeo ilimitado dentro do plano, mas faz traffic shaping, limitando a standard definition (SD), por exemplo. Com isso, conseguiu reduzir o consumo de vídeo na rede móvel. É um fenômeno interessante. Queremos buscar parcerias win-win-win.

E games?

É impressionante como o segmento de jogos se revela uma linha com forte crescimento. Temos parceria com a Bemobi para o nossos Games Club. Queremos replicar esse modelo para outras áreas. A ideia é oferecer um clube de assinatura com zero rating para um conteúdo específico. Queremos desenvolver uma plataforma que já venha embarcada no device e que consigamos gerenciar remotamente os apps disponibilizados. Seria um espaço para firmar parcerias com os desenvolvedores. Não seria um marketplace, mas um ambiente em que teríamos os nossos apps recomendados e sempre atualizados.

Seria como um app guarda-chuva?

Sim. Teríamos um app guarda-chuva em que o usuário encontraria as nossas recomendações. Acho que as operadoras têm uma oportunidade de ocupar esse espaço, pois dominamos toda a cadeia, desde o cliente, seu smartphone, o tráfego de dados… Queremos começar a ajudar na distribuição dos apps de forma mais inteligente, automatizada e personalizada. Seria mais do que fazer ações de embarque pontual de apps. Queremos uma plataforma em que a gente sugira os títulos e a pessoa baixe se quiser. Uma ideia que estudamos: o consumidor bota o SIMcard e no processo de autenticação recebe o app guarda-chuva, over the air, com zero rating, e aí customiza o aparelho.

Tendo vindo de fora de SVA, o que acha desse mercado no Brasil?
 
O mundo de VAS vai mudar radicalmente porque o mercado brasileiro móvel entrou em fase de saturação. Como o mercado está começando a se consolidar, o VAS vai sair desse modelo em que se vendem vários conteúdos mas com lifetime value baixo: a pessoa contrata e cancela em poucos meses. É um jogo de rouba-monte, que entrou em declínio a partir do inicio do ano passado, por conta da redução de SIMcards no País. Havia 270 milhões de linhas móveis no Brasil, mas apenas 140 milhões de usuários móveis. Essa diferença está encolhendo. Isso significa que a aquisição começa a ter menos valor do que a base. Todas as teles estão virando a atenção para melhorar a gestão de base. Hoje a grande maioria das pessoas têm mais de um chip. Se a briga é por consolidar o chip, não tem mais espaço para serviço ruim. Se o objetivo é o valor do ciclo de vida, mais do que a revenue share, quero construir parcerias de lifetime value share. Nesse contexto, a receita do primeiro ciclo de faturamento vale menos que a do décimo. Porque você está gerando dinheiro e fidelização.

Isso significaria uma mudança no relacionamento com os parceiros de conteúdo?

O que estou começando a construir passa por uma modificação na arquitetura tecnológica de integração com os nossos parceiros. Hoje a TIM tem 66 provedores de conteúdo, sendo 11 conectados diretamente e 55 através de cinco integradores diferentes. Temos certa dificuldade de gerenciar todo esse ambiente. Estamos construindo um modelo de plataforma tecnológica em que teremos um único ponto de entrada e de saída do billing e de ativação de serviços, o que vai aumentar a minha capacidade de gerir e de controlar os parceiros. Em vez de ter cinco integradores e 11 conectados diretamente, teremos uma plataforma única controlada internamente.

Não seria o caso de adotar acordos de revenue share dinâmico, nos quais a participação do provedor de conteúdo aumenta conforme a duração do ciclo de vida do assinante? Uma das maiores reclamações dos desenvolvedores é que a participação deles na receita é pequena.

Concordo com você. E eu quero pagar mais.  Mas como equilibrar essa conta? Precisamos de modelos de remuneração mais sofisticados. Só que aí tenho que aumentar o meu nível de controle. Se quero valorizar um provedor de conteúdo que desenvolveu um aplicativo, é certo remunerá-lo de forma melhor. A contrapartida é que esse conteúdo ou serviço gere um valor percebido pelo meu cliente. Queremos trabalhar com um modelo que equilibre um pouco mais essas diferenças e vamos separar o joio do trigo, reduzindo a quantidade de serviços de valor adicionado.  Buscamos um processo de racionalização do portfólio.

Hoje somos viciados em canais de push eletrônico (para vender SVAs). Em alguns mercados da América do Sul isso não comporta mais, muito menos na Europa. É intrusivo demais. De forma geral, estamos queimando parte desse canal. Só metade da minha base tem opt-in. Se a gente seguir estressando demais o cliente pelo modelo de push eletrônico e não acharmos outras formas menos intrusivas de converter, vamos ficar em situação complicada.

Você se refere a broadcast de SMS?

Sim. SMS, smart message ou qualquer outro canal eletrônico de push. Temos que migrar para um caminho mais pull. O mundo de VAS é viciado em canais push. Precisamos encontrar outras mídias e formas de se relacionar.

Com o cenário de redução de SIMcards e lembrando que só metade da minha base tem opt-in, minha área de atuação vai encolher. Então tenho que racionalizar aquilo que será oferecido. Por outro lado, tem uma parcela significativa da base que eu não consigo de forma ativa oferecer serviços, o que representa uma enorme oportunidade.

Resumindo: vamos buscar um portfólio mais enxuto e mais relevante atrelado a um modelo de remuneração com interesses mais alinhados, valorizando o lifetime value. E a oferta se divide entre mundo push e o mundo pull, sendo que este último é pouco explorado em VAS. E no mundo push precisamos trabalhar mais inteligência e segmentação.

Já puderam sentir algum impacto da crise econômica brasileira no consumo de SVA?

O feed de recarga é menor. É um fenômeno sentido por toda a indústria. E como o mundo de VAS tem peso grande no pré-pago e a crise ataca primeiro a base da pirâmide, houve uma redução de recarga e, consequentemente, uma queda no billing rate de alguns segmentos. Mas não está tendo erosão da receita de VAS. Seguimos crescendo forte. Apesar de todos os prognósticos, o ano começou bem. Janeiro e fevereiro apontam para um resultado acima do ano passado. Estamos otimistas dentro de um cenário pessimista. Na verdade, acho que a crise pode ajudar o segmento de conteúdo móvel. Uma parte grande dos gastos das pessoas é com entretenimento… Vimos um efeito parecido na TIM Fiber: quando a crise aperta, a primeira coisa que se corta são os entretenimentos caros: cinema, comer fora etc. Esse é o primeiro corte que a população faz. E aí o entretenimento mobile e a Internet passam a ter uma relevância maior na vida das pessoas porque são uma alternativa mais econômica. Acho que seremos anticíclicos.

A realidade virtual foi a grande estrela do Mobile World Congress, em Barcelona, duas semanas atrás. Qual a sua opinião sobre o potencial dessa tecnologia para os negócios das operadoras?

Realidade virtual está em seu estágio inicial, especialmente para o mercado brasileiro, com o atual cenário recessivo. Mas enxergo muitas aplicações para VR no âmbito B2B.

A Claro fez um teste de LTE Broadcast em fevereiro. A TIM está interessada nessa tecnologia também?

Sim. Mas não sei dizer se já temos algum teste marcado. Isso está com o pessoal de rede.

E quais os planos para Internet das Coisas (IoT)?

Buscamos soluções na linha de rastreamento e de carros conectados. Vamos lançar algo este ano nessa área.

Mais alguma novidade que gostaria de destacar?

Na área advertising queremos juntar o mundo da publicidade tradicional com  o mundo das operadoras, que tem um inventário muito rico mas mal explorado pelas agências. Temos conversado com agências para expandir as parcerias com desenvolvedores de apps e para criarmos novos modelos nesse ecossistema. A parceria com o Netshoes é um bom exemplo.

Flávio Lang, diretor de serviços inovadores e handsets da TIM