Da praia de Ipanema até as geleiras da Sibéria, é possível cruzar o mundo sem se perder, graças aos satélites que compõem o sistema GPS. Enquanto isso, pessoas continuam se perdendo dentro de aeroportos, shopping centers e feiras de eventos. Nesses lugares, seguem valendo velhas soluções analógicas, como abrir o mapa do local, seguir as placas de sinalização ou simplesmente perguntar para outra pessoa. Por pouco tempo.

O mapeamento de ambientes fechados é a próxima fronteira para serviços de localização e navegação, que começa a ser explorada por grandes players da indústria de Internet e de telecomunicações, como Apple, Cisco, Google, Nokia e Qualcomm. Abrem-se oportunidades de negócios não apenas para a navegação em si, mas para aplicações de marketing e de análise de dados. Falta, contudo, uma padronização tecnológica e ainda é necessário melhorar a precisão da localização.

O sinal de satélite perde força quando encontra barreiras físicas, como as paredes de um prédio. As antenas das torres celulares ao redor podem ajudar a ter uma ideia de onde o usuário se encontra, mas a precisão não é suficiente para oferecer um serviço de navegação indoor. A solução mais comum para esse problema é utilizar os roteadores Wi-Fi, que hoje estão por toda a parte. Na prática, o que se faz é uma espécie de triangulação dos pontos de acesso (APs, na sigla em inglês): comparando a potência com que chega o sinal do smartphone do usuário em cada AP e cruzando essa informação com o posicionamento dos roteadores e o mapa do local, é possível saber com uma precisão de cinco a sete metros a localização de uma pessoa. Neste método, basta que o smartphone esteja com o Wi-Fi ligado, não necessariamente conectado à rede sem fio local. O aparelho está sempre enviando sinais para os roteadores próximos, à procura de um conhecido: são esses os sinais usados para determinar a sua localização.

Nem sempre os APs existentes em um local para conexão à Internet são suficientes para garantir uma boa localização indoor. Fazendo um estudo da planta e acrescentando mais APs é possível melhorar a precisão a algo entre três e cinco metros. Algumas empresas preferem instalar equipamentos próprios para essa finalidade. “A cada 25 m botamos um pequeno AP Wi-Fi, do tamanho de um pacote de cigarros, que chamamos de node. Com três nodes na vizinhança, obtemos a localização”, explica Cyril Houri, fundador e CEO da Navizon, empresa norte-americana que já instalou essa solução em museus e shopping centers dos EuA.

Precisão

A precisão melhora ainda mais se forem usados equipamentos para comunicação por proximidade (NFC). Neste caso, são instalados marcadores com Bluetooth 4.0, um padrão de comunicação com baixo consumo de energia. Cada marcador é um pouco maior que uma bola de gude e sua bateria dura cerca de três anos. Com esses marcadores, é possível obter a localização de uma pessoa com precisão de aproximadamente 1 m, o que torna possível novas aplicações.

Os sensores presentes no smartphone complementam a experiência, especialmente se o serviço proposto for a navegação a pé para o usuário final. Com o acelerômetro, o giroscópio e a bússola, é possível saber para que direção o usuário está indo, se ele está andando ou correndo etc.

A coleta da localização dos APs e dos marcadores pode ser feita via software instalado no smartphone de um desenvolvedor, que percorre cada corredor e cada sala em cada andar do lugar a ser mapeado. Esta é a solução adotada por Navizon e pela francesa Pole Star, por exemplo.

As informações sobre os mapas e a localização dos APs de um determinado lugar podem ficar hospedadas em um servidor com o qual o smartphone se comunica constantemente para apresentar ao usuário a sua posição a partir da interface de um aplicativo. A troca de dados entre o terminal e o servidor, porém, pode gerar uma latência que atrapalhe a navegação a pé. uma saída é armazenar dentro do app essas informações. É o que faz a Pole Star. Assim, o usuário consegue navegar pelo mapa de um local fechado mesmo se não estiver conectado à Internet.

Mapas

Por melhor que seja a tecnologia de localização indoor, ela se torna inútil se não for acompanhada de um bom mapa. há uma corrida por parte de grandes empresas para o mapeamento dos principais locais fechados de interesse público no mundo, como aeroportos, estádios, museus, shoppings e hospitais. A Here, divisão de serviços de localização da Nokia, já mapeou mais de 50 mil edifícios em 69 países. No Brasil foram 53 até agora, entre aeroportos e shopping centers de várias capitais. A empresa trabalha para chegar a 200 à época da Copa do mundo, incluindo os estádios das cidades-sede. O Google também já começou a adicionar mapas de locais fechados em seu serviço Google maps. Entre os exemplos estão os cassinos
de Las Vegas. 

Dentro de cada mapa é preciso constar informações como a localização de saídas, elevadores, banheiros, escadas e de quaisquer outros pontos de interesse para quem visita o lugar. No caso de um shopping, as lojas e os caixas eletrônicos. Em um museu, as principais obras e exposições. Em um hipermercado, as seções de produtos.

O primeiro passo costuma ser a solicitação da planta baixa para o administrador do lugar. Ela é sobreposta ao contorno do local sobre o mapa externo existente. Os pontos de interesse são marcados dentro do mapa, mas precisam ser conferidos ao vivo, por um funcionário que vai até ao local se certificar que as indicações estão corretas. O Google oferece em sua página um canal para que qualquer administrador envie a planta do seu edifício para que ele seja incluído no Google maps. A Nokia começou abordando proativamente os administradores. “Nas primeiras negociações houve algumas barreiras. mas depois dos primeiros mapas acontece o oposto: os administradores nos procuram pedindo para que a gente mapeie seus edifícios”, relata Helder Azevedo, diretor do Here para América Latina.

Há detalhes de plantas baixas que são desnecessários para a navegação de uma pessoa, poluindo os mapas. “O raio de curva de uma porta em uma planta arquitetônica, por exemplo, é irrelevante para uma aplicação que vai rodar na pequena tela de um smartphone”, destaca Paulo Hartmann, sócio-diretor da Mapmkt, empresa brasileira que está apostando em localização indoor no Brasil.

Aplicações

A utilização mais óbvia para o mapeamento digital de locais fechados é a navegação para pedestres. Em um shopping, o usuário pode traçar uma rota até a loja desejada, por exemplo. Em um aeroporto, o caminho até o portão de embarque.

Em feiras e eventos de grande porte, a navegação indoor põe fim aos velhos mapas impressos. Em junho, a tecnologia foi usada no Paris Air Show, uma das maiores feiras de aviação da Europa, usando a solução da Pole Star, que mescla localização interna e externa (neste caso com GPS).

Outra aplicação que começa a ser explorada é a análise de fluxo de pessoas em ambientes fechados. O
aeroporto de Copenhague, na Dinamarca, adotou a solução de localização indoor da Cisco com essa
finalidade. Assim, perceberam que, depois do check-in, havia um fluxo grande de pessoas por uma área do
aeroporto onde não havia lojas. munido dessa informação, o administrador mudou o layout do aeroporto. Outro benefício foi poder monitorar quanto tempo os passageiros perdiam na fila do raio-X, o que permitiu aferir o cumprimento do nível de serviço exigido da empresa terceirizada responsável pelo processo. A análise de fluxo de pessoas pode ser aplicada em diversos outros locais, como um museu, para saber que salas receberam mais visitantes ou em quais delas as pessoas passaram mais tempo.

Mobile marketing é outra área que tem muito a ganhar com localização indoor. uma primeira ideia consiste na criação de cercas invisíveis que, uma vez ultrapassadas, geram o envio de um cupom promocional. Obviamente, é preciso respeitar regras mínimas de privacidade, obtendo previamente a autorização do consumidor e procurando enviar apenas mensagens que sejam relevantes para aquela pessoa, naquele contexto. Sobre isso, Aidoo Osei, gerente de desenvolvimento de negócios da Qualcomm, alerta: “Geralmente, quanto menor a área da cerca, mais eficiente será a comunicação. Cercas de 100 m de perímetro geram três vezes mais resultados que uma com mil metros”.

Dependendo do objetivo, em vez de cercas virtuais, é melhor usar os marcadores de proximidade, aproveitando sua maior precisão. Eles podem transmitir para o smartphone do consumidor, via Bluetooth, uma promoção de um produto específico quando a pessoa estiver de frente para a vitrine de uma loja, por exemplo. A Qualcomm tem uma solução nesse sentido chamada Gimbal, que está em teste com alguns varejistas na Ásia. A Apple, por sua vez, apresentou recentemente o iBeacon, que seguirá uma proposta similar.

Os marcadores também podem auxiliar a visita a um museu, enviando informações sobre uma determinada obra assim que o visitante se aproxima dela. E em uma loja de grande porte, pode servir para chamar um vendedor até o local onde um consumidor precisa de atendimento.

“As possibilidades vão muito além de um ponto azul no mapa. Navegar é interessante, mas é só o começo da história”, resume Christian Carle, CEO da Pole Star.

Mercado

O modelo de negócios na oferta de soluções de localização indoor varia tanto quanto as tecnologias adotadas. A Cisco, por exemplo, vende um serviço fim-a-fim, que inclui os seus roteadores e controladoras Wi-Fi. A proposta, neste caso, é agregar valor à infraestrutura de operadoras e de grandes clientes corporativos. “O Wi-Fi deixa de ser apenas uma rede para se transformar em uma ferramenta de negócios”, comenta o engenheiro consultor da Cisco, Igor Giangrossi. A Qualcomm vende a solução do Gimbal como um serviço e cobra pela quantidade de usuários. A Navizon faz o mesmo, mas o preço varia de acordo com a quantidade de nodes instalados. Para um local com 200 nodes, por exemplo, o preço mensal é de US$ 25 por node. A Nokia e a Pole Star, por sua vez, preferem licenciar o uso de suas plataformas para terceiros. E o Google segue sua estratégia tradicional de oferecer o serviço de graça, provavelmente aproveitando as informações coletadas do usuário para publicidade no futuro.

O mercado de localização indoor está nascendo no mundo. Aindam falta padronização e interoperabilidade entre as variadas soluções. Uma das tentativas de resolver essa questão é a In-Location Alliance, uma associação de 98 empresas desse setor. A expectativa, nos próximos anos, é de que haja uma consolidação, com os grandes players adquirindo os menores. Parte desse processo já começou, com a aquisição da thinkSmart pela Cisco e da WiFiSlam pela Apple. Quando isso terminar, aqueles mapas em totens marcando “você está aqui” serão coisa do passado.

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Esta matéria foi publicada originalmente na edição de setembro da revista TELETIME