[Matéria atualizada em 18/07/2025 para contextualizar fala de executivo] O hype sobre data centers faz muitos apontarem o Brasil como um país ideal para a instalação desses grandes centros de armazenamento de dados, principalmente por conta de sua matriz energética limpa. Mas, para Alessandro Lombardi, CEO da Elea Data Centers, o Brasil é um dos países menos atrativos para tal, pelo menos até o momento.

“Entre 65%-70% dos dados dos brasileiros estão residentes na Virgínia, Estados Unidos”, afirmou o executivo durante sua participação no CPDP Latam, evento organizado pela FGV Direito Rio, nesta quarta-feira, 16, e que segue até sexta. “Não conseguimos ter autonomia digital. O país não conseguiu desenvolver um sistema capaz de alcançar uma economicidade de manutenção do dado local”, resumiu. De acordo com o executivo, o Brasil cobra tarifas de importação de equipamentos de armazenamento de dados superiores ao tarifário do Trump, avaliada pelo executivo em um total de 52,7%.

Para este noticiário, Lombardi se disse otimista com o ReData, política voltada à atração de investimentos em data centers no Brasil que está sendo formulado pelo Ministério da Fazenda. “Do ponto de vista de infraestrutura, não temos um arcabouço regulatório minimamente favorável. Por isso, vemos com bons olhos a Política Nacional de Data Centers, ReData, do Ministério da Fazenda, que prevê isenção de impostos sobre equipamentos por cinco anos e contrapartidas sustentáveis das empresas, com o potencial de atrair até R$ 2 trilhões de investimentos”.

O executivo se disse preocupado com a questão do tarifaço do presidente dos Estados Unidos porque o Brasil já cobra taxas altas para os serviços vindos dos Estados Unidos. “Não sei o que pode acabar acontecendo com esse aumento (com a possível implementação da Lei de Reciprocidade). Hoje, por causa das tarifas, um telefone celular (premium) custa, aqui, o dobro do que na Europa. O computador também. Pensando se vai aumentar ainda mais, assusta”.

Dados brasileiros nos EUA

Desde o início da implementação da LGPD, uma parte dos dados começou a ser armazenada no Brasil – empresas americanas, apesar das cargas tarifárias, começaram a fazer investimentos locais. “Mas essa é uma parte pequena. Quando acessamos nossas fotos na nuvem, dificilmente estão armazenadas aqui, mas nos Estados Unidos. Dependemos disso por causa da falta de uma política de data centers”, resumiu.

“Eu, que sou italiano e vivo no Rio há um tempo, não entendo como um país, com a matriz energética verde, o único do mundo, com tarifas energéticas competitivas, precisa importar energia – provavelmente a carvão, dos Estados Unidos – para armazenar os próprios dados”, disse.

Para Lombardi, o Brasil tem 20% do potencial que poderia ter de data center. “E 92% da computação brasileira é baseada em software americano. Estamos falando com a Marilia (Maciel, por videoconferência) e é a infraestrutura da Oracle que estamos usando. Todos aqui usamos Excel, e todos usamos as plataformas da Amazon (AWS) quando estamos fazendo transação bancária. Essa é a realidade do Brasil”, explicou.

“Defendemos que o Brasil seja economicamente viável com o resto do mundo. Imagina o custo de armazenar os dados na Virgínia e transportar os dados em cabos submarinos diariamente para servir o mercado brasileiro?”, questiona.

O CEO da Elea atribui o momento à política tarifária do Brasil.

De acordo com os cálculos de Lombardi, o Brasil possui 700 megawatts disponíveis reservados à computação “funcionando”. Seria menos de 1% da energia do país. E tem 1,5 gigawatts de capacidade de energia americana servindo o mercado brasileiro.

O executivo lembra que o Google vai construir um data center voltado para os dados brasileiros no Uruguai. “As grandes empresas não pensam em construir data centers no Brasil”.

Lombardi lembra que os data centers, dependendo de sua tecnologia, não consomem água. “É como o ar-condicionado de um carro. Tem água dentro, mas em circuito fechado. Consome energia, mas o Brasil tem excesso de energia. A Eletrobras tem 15 gigawatts de energia verde jogada fora todos os dias. E não se pode armazenar. É jogada fora. E tem os americanos gastando energia processando os nossos dados”.

É preciso extrair valor dos data centers e não ser meros repositórios

data centers

Marília Maciel, diretora comercial da Diplo Foundation (na tela) e Alessandro Lombardi (quarta pessoa da esq. para a dir.). Crédito: Isabel Butcher/Mobile Time

Marília Maciel, diretora comercial da Diplo Foundation, citou em sua fala um estudo recente que mostra que, entre 2014 e 2025, o Brasil gastou mais de R$ 23 bilhões na compra de serviços digitais de fora do país, de fornecedores em sua maioria dos Estados Unidos. “E somente R$ 10 milhões foram gastos com pagamentos de serviços de armazenamento na nuvem”, comentou.

A especialista vê como uma pressão na América Latina para servir de localização de infraestrutura física de data centers. “Mas olhando para a América Latina, o que que a gente pode ter em mente nesse cenário? Data center presta um serviço, um serviço de armazenamento e de processamento de dados. Mas na economia digital, o verdadeiro valor se encontra nos dados”. Em seu raciocínio, Maciel aponta a importância de se ter essas estruturas na região – como redução de latência, contribuir para melhorar a balança comercial de serviços – mas se o país não extrai valor dos dados armazenados, vira um simples hospedeiro de empresas hospedeiras, então, lucro e inteligência vão para fora da região. “E o ganho real do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico pode ser muito baixo em comparação com o investimento”, resume.

A proposta de servir de base para data centers, permitirá a exploração das riquezas como água e energia renovável para exportar um serviço “e não alterando a concentração de poder que a gente vê hoje na economia digital. Ou seja, o país fica numa situação de não ter soberania cognitiva. E isso é algo que coletivamente a gente precisa evitar”, diz.

 

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