A iTunes Store, loja virtual de música da Apple, entrou no ar em 2003. Naquele tempo, oito anos atrás, começava a febre dos mp3 players, catapultada justamente pelo sucesso do iPod criado pela fabricante norte-americana. Era uma época de migração do cd físico para a música digital. As pessoas estavam se acostumando à ideia de consumir música sem um suporte físico, sem caixinhas de acrílico para preencher estantes, sem encartes impressos para manusear e ler as letras, sem tato, enfim, apenas audição. Afinal, música é para os ouvidos, certo?

Para os migrantes digitais era uma mudança de hábito difícil de ser digerida. Para a nova geração, os chamados "nativos digitais", foi algo tão natural quanto comer e dormir. Logo se multiplicaram os programas de compartilhamento de arquivos na Internet e pessoas comuns construíram acervos gigantescos com milhares de horas de músicas em seus HDs. Surgiu a discussão sobre a capacidade do ser humano de consumir tanto conteúdo: havia gente com mais horas de música arquivadas em seu PC do que tempo de vida. As pessoas queriam "ter" todo aquele conteúdo, pelo bel prazer da disponibilidade, de saber que poderia ouvir a qualquer momento, quando bem entendesse, ou quando tivesse tempo, aquele álbum obscuro daquela banda desconhecida do underground de um país distante.

A indústria fonográfica, em pânico, revidou com tecnologia para a restrição ou proibição de cópias, o chamado DRM (Digital Rights Management). Toda música vendida legalmente passou a conter esse código para evitar sua distribuição "ilegal". A Apple, com a iTunes Store, por exemplo, usava um padrão próprio de DRM. Paralelamente, os tribunais do mundo inteiro foram acionados para combater os programas de troca de arquivos P2P (peer to peer), que contribuíam para espalhar as músicas sem DRM pelo mundo. Ficou notório o processo movido pela banda Metallica contra fãs (!!) que copiaram suas músicas para os amigos.

Naquele tempo, quando a iTunes ainda não estava oficialmente disponível no Brasil, o consumidor brasileiro que quisesse comprar música "legalmente" na loja da Apple precisava usar métodos eticamente questionáveis, como criar um cadastro falso com endereço nos EUA e um cartão de crédito internacional, ou simplesmente gift cards adquiridos no exterior.

Bom, a iTunes Store ganhou finalmente esta semana uma versão brasileira. O problema é que seu modelo é do passado. Oito anos de vida pode parecer pouco, mas no mundo da tecnologia, onde o tempo passa mais rápido, vale como um século inteiro. A experiência com música mudou radicalmente de 2003 para cá. Uma nova revolução está em curso agora e diz respeito à mudança do conceito de "posse" para o de "acesso" à música. Começam a surgir serviços de streaming de conteúdo digital por preços fixos que dão acesso a um catálogo enorme, como Spotify e Rdio (este último lançado recentemente no Brasil). Em vez de guardar as músicas em pastinhas coloridas no desktop ou nos mp3 players, as pessoas as escutam as através da rede. Isso vale para quantas músicas quiser, quantas vezes quiser, na hora que quiser e por um preço fixo. Talvez seja algo que a primeira geração de nativos digitais ainda terá dificuldade de entender. Mas a segunda geração, que podemos chamar de "nativos das nuvens", entenderá muito bem.

O modelo de negócios de cobrar por música também soa antiquado. Com a mensalidade de um serviço de streaming (R$ 14,99 no Oi Rdio, por exemplo) compra-se apenas um álbum por mês no iTunes. Quem vai pagar por isso?

De qualquer forma, nesse mesmo mundo da tecnologia em que o tempo passa rápido, uma verdade parece incontestável: a Apple (quase) nunca erra. Aguardemos os primeiros meses para ver a reação do consumidor latino-americano à novidade.