Quando os jornais e revistas começaram a se dissolver lá pelos anos 2010, a discussão nas salas de reuniões dos periódicos era como recuperar a venda dos impressos. Havia mil e um argumentos para tentar prorrogar o formato, tais como: o confortável hábito de leitura; a necessidade de consumo linear de conteúdo para aprofundamento; ou, até mesmo, o crescimento da classe C, que teria em jornais e revistas um símbolo de status – tal qual a Europa dos anos 90, após a queda do muro de Berlim.

A lista era diversa e, no final, todas essas estimativas se mostraram equivocadas. Não por demérito do formato revista ou jornal impresso. Mas sim pela escalada do celular – em particular do smartphone – conectado à banda larga móvel. Não eram mais os tablóides vendidos em metrô que conferiam status. No Brasil de 2010, era o smartphone o suporte de desejo. Já o aconchegante hábito de ler periódicos com notícias desatualizadas não fazia sentido para a maior parte da população, que não era impactada por revistas e jornais. Foi com o celular que dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros começaram a ler notícias diariamente.

Não deu outra. Basta visitar a sua banca mais próxima (ou ver seu cardápio de assinaturas de conteúdo) para ver que restaram poucos formatos impressos. Os que ainda existem tiveram que se reinventar. Cortaram editorias, reformataram títulos e todos, sem exceção, tiveram que se tornar relevantes na web. Muitos veículos líderes que não encontraram seu caminho pediram recuperação judicial. Da original editora Abril até o meu querido diário LANCE! – onde liderei a área digital entre 2008 a 2015.

Óbvio que essa transformação foi global. No mundo todo, publishers editoriais que não entenderam a mobilidade embutida na transição midiática ficaram para trás. Sobretudo os produtores de notícias que agora tinham na tela do celular um suporte de atualização constante, multimídia, com uma linguagem e formato que acompanhavam a necessidade de movimento do espírito humano – como escreveu Machado de Assis a respeito da imprensa do século XIX, embalada pelo telégrafo, a plataforma da transição midiática daquele tempo.

Mas a transição midiática do nosso tempo – via internet – escalou de verdade quando virou móvel. Os números, superlativos, mostram que nenhuma mídia ganhou tão grande capilaridade quanto o celular. Não só capilaridade, mas intimidade física e cognitiva com os usuários como nenhum suporte – seja livro, televisão, jornal, revista, rádio ou computador – foi capaz de promover.

Essa dinâmica modificou tudo, do meio à mensagem. Desde o conceito de profundidade, quanto à forma de distribuição, busca ou recebimento de notícias. Da não-linearidade de consumo de conteúdo até os critérios de qualidade e credibilidade perante um público tão novato no hábito de consumir notícias, quanto gigantesco – um contigente de milhões de pessoas que não faziam parte do business plan das editoras de revista e jornais do século passado.

Como toda ruptura, claro que existiram efeitos colaterais negativos, como as fake news através das redes sociais e sites apócrifos, bem como métodos sistemáticos de desinformação. Afinal, de uma década para outra dezenas de milhões de pessoas, sem conceitos básicos de educação midiática, estavam expostas ao dispositivo de mídia mais poderoso da história, o telefone celular.

Mas agora as primeiras duas décadas do século XXI já se passaram. O cenário está bem definido. Inclusive tivemos uma pandemia recente, que deu contornos definitivos à transição midiática, que é inexorável. E móvel, pois o gatilho da popularização da internet não foi no computador, mas sim o celular, que deve ser encarado como dispositivo de mídia. Não apenas como carteira, ferramenta de trabalho ou de comunicação. O serviço móvel que escalou mais rapidamente, em paralelo com a troca de mensagens, foi justamente o consumo de notícias. Isso gerou uma mudança de comportamentos entre séculos tão profunda entre XXI e XX, quanto o século XX e o século XIX. O século XX, aliás, já virou filme de época. Vide o Irlandês, do Martin Scorsese. 

Eis, portanto, o objetivo dessa coluna que, de muito bom grado, topei escrever para o Mobile Time. Afinal, tenho trabalhado com grandes marcas de diversos setores, como energia, finanças, real estate, educação, agribusiness etc, no desafio de elas ocuparem espaço como publishers, assumindo a liderança editorial enquanto autoridade em seu setor. Sempre com a mentalidade voltada para o celular como dispositivo de mídia, responsável por 80% da audiência de qualquer grande portal (apelando para o Pareto velho de guerra).

Mas, assim como o princípio de Pareto, essa transformação não vem de hoje. Vem lá dos anos 2000, quando comecei minha carreira na Compera (atual Movile), onde conheci o Paiva, ainda na Teletime. Naquela época ainda éramos garotos prodígios do mercado de mobile. Enquanto ele desenvolveu sua carreira cobrindo o setor, eu atuei no ramo de notícias através da telinha: desde o meu mestrado na ECA-USP de 2005 (“Notícias no Celular: uma introdução ao tema”) até projetos editoriais de grande escala. Agora, mais do que nunca, na Barões Digital Publishing, onde temos a liberdade total de pensar no celular como o dispositivo mais potente para a comunicação editorial de toda e qualquer organização.

Essa será a tônica da minha coluna aqui no Mobile Time. Um espaço para reflexão, observação e estímulo para profissionais e organizações encararem o celular como dispositivo de mídia editorial, que já escalou e agora se torna a mídia protagonista de uma nova década. Década que carrega consigo desafios como educação midiática em escala e o resgate da credibilidade e da origem de conteúdo – sob uma nova “galáxia de publishers” (parafraseando Castells), que agora também conta com as marcas no jogo do jornalismo especializado.

Esses serão alguns dos temas dos próximos meses. Portanto, obrigado Fernando e equipe Mobile Time pela abertura. Às leitoras e leitores, espero que lhes sejam úteis as futuras colunas, inclusive, fiquem à vontade para me dar feedback.

E que a gente encare todos os desafios e potencialidades com muito bom ânimo, pois a mídia com maior capilaridade da história humana tem pouco mais de 10 anos em escala absoluta. Estamos apenas no início da nossa transição midiática. Que é móvel e definitiva. Façamos bom uso dela.