Na última quinta-feira, dia 7, foram divulgadas duas importantes consultas públicas (CPs) com o objetivo de fomentar a conectividade em rodovias do país: uma, pelo Ministério das Comunicações, com término em 21 de setembro; e outra, pela Anatel, com término em 29 de setembro.
A CP da minuta de Resolução da Anatel faz parte da Agenda Regulatória para o biênio 2023-2024, que propõe a reavaliação da regulamentação sobre roaming, com foco específico no atendimento às rodovias e nos compromissos de investimento estabelecidos nos Editais de Licitação para autorização de uso de radiofrequências. Objetiva-se eliminar lacunas na conectividade móvel em municípios pequenos e em rodovias federais, para garantir o atendimento aos usuários visitantes por meio do compartilhamento de rede e padronização do roaming.
Por sua vez, a CP da minuta da Portaria do MCOM instituirá a Política Nacional de Conectividade em Rodovias, que também terá como finalidade ampliar e aprimorar a cobertura do SMP, em tecnologia 4G ou superior, em rodovias brasileiras, com foco nos trechos localizados fora das sedes de municípios.
O texto da Anatel ainda se apresenta com acesso restrito no SEI Anatel por ocasião da elaboração deste artigo, mas a minuta da Portaria do MCOM dá sinais claros do alinhamento estratégico para o tema entre os dois órgãos. Com efeito, a minuta de Portaria já possui comandos atribuídos à Anatel. Dentre eles, a necessidade dos compromissos de expansão e de prestação dos serviços de telecomunicações considerarem, dentre outros, o uso de diferentes soluções tecnológicas para ampliar a cobertura, como estações de pequeno porte e repetidores de sinal, e de fontes alternativas de energia elétrica, a exemplo de painéis solares, com a elaboração de modelos de precificação específicos para cada solução (art. 3º, IV); e b) da regulamentação da oferta do SMP em regime de itinerância nas rodovias (art. 4º).
Nesse contexto, o Ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira, pontuou acertadamente que “levar internet para as estradas permitirá a otimização de serviços de alertas aos próprios motoristas sobre condições da pista, eventuais informações de acidente, acionar um serviço emergencial e até mesmo se comunicar com a família.”
Ousamos ir além. As futuras regulamentações, a serem construídas a partir das consultas públicas ora em comento, pavimentarão o caminho para o aumento da frota de carros conectados no país e, consequentemente, a atração de investimentos, sobretudo vindo de empresas que já possuem nessa indústria um business consolidado nos países tecnologicamente mais avançados.
Tais consultas, com efeito, parecem estar absolutamente alinhadas com o desenvolvimento dos carros conectados e autônomos no Brasil. Vejamos.
Como se sabe, os ADAS (do inglês, Advanced Driver Assistance Systems, ou Sistemas Avançados de Assistência ao Motorista) já auxiliam os motoristas na navegação, no estacionamento rotineiro, na detecção de pontos cegos ou no aviso de colisão, por exemplo, por meio do uso de redes de computadores para proporcionar experiências de direção mais seguras e baseadas em dados. Com efeito, dispositivos de IoT, serviços de monitoramento remoto, infoentretenimento veicular e acesso à internet por meio de Wi-Fi são tecnologias cada vez mais comuns na indústria automotiva, estando presentes inclusive no Brasil.
A crescente demanda e conscientização em relação ao conforto e segurança é chave para o desenvolvimento dessa indústria. Segundo alguns levantamentos, o tamanho do mercado de veículos conectados deve atingir até US$ 165,53 bilhões até 2029. O uso de IA, sem dúvida, proporcionará um aumento exponencial das aplicações dessas facilidades nos carros conectados e autônomos.
Na União Europeia, por exemplo, foi publicado, em março deste ano, o Plano de Ação Industrial para o Setor Automotivo Europeu. Entre seus pilares, estão inovação e digitalização, indicados como fatores essenciais para o desenvolvimento de veículos conectados e autônomos, além do estímulo à competitividade da indústria automotiva europeia. Segundo o plano, estima-se que só a tecnologia de direção autônoma agregará ao setor automotivo cerca de 400 bilhões de euros até 2035. A expectativa é de que mais incentivos a nível global sejam direcionados ao setor nos próximos anos.
Não há dúvidas de que à medida que esses serviços se expandem, surgem alguns desafios, especialmente no que se refere a possíveis barreiras técnicas impostas por alguns detentores da rede. Por isso, nesse contexto, é fundamental que o arcabouço legislativo e regulatório dos países estejam preparados para estabelecer regras e diretrizes que estimulem o crescimento deste mercado, e não barreiras ao desenvolvimento.
Embora no Brasil a discussão sobre carros conectados e autônomos ainda seja muito incipiente, já há iniciativas legislativas nesse sentido. Em 2023, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1317, alterando a Lei nº 9.503, de 23/09/1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), para regulamentar os veículos autônomos terrestres. O foco desse projeto, que chegou em julho de 2025 à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é restrito à operacionalização dos carros autônomos, eventuais infrações de trânsito e responsabilização, sem, contudo, endereçar questões de ordem técnica e de fomento à expansão dessa tecnologia.
O futuro art. 117-B. do CTB passará a conter diretriz no sentido de que o trecho de rodovia que permita circulação de veículo autônomo deverá “possuir cobertura de conectividade para fins de monitoramento da performance do veículo, bem como para detectar quaisquer falhas que possam comprometer a direção autônoma” (inciso VIII).
Por isso, iniciativas como as consultas públicas da Anatel e do MCOM são de particular importância para a composição deste ecossistema. Não se trata apenas de regulamentar a instrumentalização de cumprimento de obrigação de compromissos assumidos pelas vencedoras do leilão 5G. Trata-se de futuro e de desenvolvimento do setor automobilístico no país.
Note-se que dada a alta itinerância característica dos carros, resta implícito que os veículos precisam transitar entre a rede de diferentes operadoras nas diversas estradas trafegadas. Nesse sentido, talvez no escopo destas consultas, ou do próprio PGMC, ainda não aprovado pela Anatel, caiba (re)discutir sobre o conceito de roaming permanente, até agora proibido no Brasil.
Considerando as dimensões territoriais brasileiras e as características de cobertura dos serviços de telecomunicações em nosso país, é provável que um determinado condutor se desloque diariamente de casa para o trabalho, utilizando seu carro autônomo ou conectado durante esse trajeto, em trecho de 1 km, ou ainda menos, no qual a cobertura da prestadora de origem (demandante de roaming) não esteja disponível. O carro terá de se conectar à rede da outra prestadora (ofertante de roaming) todos os dias, ainda que por brevíssimos minutos. Essa dinâmica representará permanências diárias – talvez, mais de uma vez ao dia – na rede da prestadora ofertante, que, a depender da regulamentação vigente e das circunstâncias específicas de cada negociação, gerará penalidades à prestadora demandante, mesmo que esse perfil de uso regular do roaming seja absolutamente legítimo e necessário para o desenvolvimento dessa indústria.
Diante desses desafios, as oportunidades das presentes consultas públicas – e até mesmo do PGMC ainda em fase de aprovação na Anatel – têm de ser aproveitadas para proporcionar condições mais favoráveis ao desenvolvimento de carros conectados no Brasil.
*O artigo contou com a colaboração de Giovanna Gomes Soares, estagiária de TMT de Mundie Advogados.