Transformação digital há muito deixou de ser um termo associado ao futuro. Ele já é o presente para organizações públicas, privadas e, é claro, para a sociedade como um todo. Até em países menos desenvolvidos, como o Brasil – onde há grandes desafios de infraestrutura de conectividade, de letramento digital, entre outros – podemos observar uma intensiva presença na internet.

De uma forma mais ampla, mais de 90% dos lares já possuem acesso à internet, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, publicada pelo Governo Federal em 2022. Já somos 149 milhões de brasileiros conectados à internet, a maioria em celulares, segundo o estudo TIC Domicílios 2022. Ou seja, trocamos informações e geramos consumo de dados várias horas por dia – todos os dias.

O poder dos dados em um mundo cada vez mais digital é (quase) incalculável. A abertura e o compartilhamento de informações representam a essência da transformação digital. São eles que permitem de forma tão rápida e radical o surgimento de novas soluções digitais, de modelos de negócios disruptivos e de experiências cada vez mais simples e personalizadas no consumo de informações e serviços na internet. 

Um mundo de inovação se abre para empresas e para o setor público. Mas como nem tudo são flores, acompanha este “novo mundo” um grande desafio de proteção da privacidade de cidadãos e usuários que navegam, consomem e interagem em ambientes virtuais. Sabe-se que o impacto do vazamento e mau uso de dados privados é percebido em contextos individuais, como no caso de fraudes, roubo de identidade e até de discriminação online, mas também coletivos a partir de ameaças à própria segurança nacional. Quantificar esses impactos é parte do trabalho de mobilização da consciência de todos acerca do tema. Apenas em 2022, o Brasil teve um aumento significativo nos custos de violações de dados, de acordo com um relatório da IBM que abrange 17 países. O custo médio de uma violação de dados no país atingiu o valor recorde de US$ 4,35 milhões (equivalente a R$ 22 milhões).

Na disputa entre oportunidades de inovação e os riscos do compartilhamento, precisamos buscar o difícil equilíbrio. Atualmente, no entanto, minha sensação é a de que a corda está muito mais tensionada para o lado dos medos e desafios relacionados ao uso e compartilhamento de dados que das oportunidades que eles trazem para os indivíduos, empresas e governos. 

Talvez porque tem sido mais fácil e frequente quantificar os prejuízos e nem tanto os benefícios, que podem ser múltiplos: mais inovação na veia, melhoria da tomada de decisão baseada em dados e evidências, maior eficiência operacional, melhor personalização de serviços e ampliação da cidadania digital. 

Por isso, neste contexto, precisamos recuperar o equilíbrio. E o maior poder de todos para alcançá-lo está nas mãos de quem mais importa: o usuário/cidadão. Em um mundo em que se fala tanto – e cada vez mais – de experiência do usuário, é ele quem deveria ser capaz de decidir quando, como e onde compartilha, armazena e usa seus dados, a partir de um juízo sobre benefícios, inclusive monetários, advindos deste compartilhamento. 

É disso que trata a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Ela é, com certeza, um marco significativo no cenário legal e tecnológico brasileiro para a proteção dos direitos individuais em um mundo cada vez mais digital. Entre as funções da Lei, está o estabelecimento de princípios e regras, incentivando a responsabilidade corporativa e a transparência no tratamento de dados, o que fortalece a confiança dos consumidores nas marcas e no governo. 

Entretanto, não nos esqueçamos de que a base fundamental dela, para além da proteção da privacidade, é também a autodeterminação informativa (o direito básico que temos de controlar nossas próprias informações pessoais), o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação. Portanto, a Lei deveria ser também um instrumento de viabilização destes fundamentos para uma sociedade verdadeiramente digital. 

Não deveríamos transformar uma Lei que é sobre proteção de dados em uma Lei sobre proibição de dados. Privacidade combina com autonomia. E esta combinação significa dizer que as pessoas têm o controle final sobre quais informações pessoais desejam compartilhar, com quem e para quais finalidades. 

Isto tudo é essencial para respeitar a vontade e as escolhas individuais. Bem como é fundamental a educação do usuário sobre o tema. Neste caso concreto, devemos lutar para que tenhamos cada vez mais conhecimento disponível, maior comodidade, simplicidade e clareza na adoção de práticas e no entendimento das políticas de privacidade. E, é claro, sermos sempre mais explícitos e intencionais sobre os benefícios deste compartilhamento.

A privacidade de dados não é apenas uma questão técnica, jurídica e ética; é uma questão sobre o futuro da sociedade. O mundo já é digital e, com a atualização diária das tecnologias à nossa disposição, atualizam-se também os desafios à nossa frente. Que sejamos conscientes e sábios para decidir sobre nossos caminhos como sociedade, gerando efeitos positivos na forma como organizações públicas e privadas operam, mas, acima de tudo, na forma como nos construímos como indivíduos em sociedade.