A Feira de Frankfurt acontece desde a idade média (sim, você leu certo). As histórias dizem que os primeiros manuscritos de Shakespeare foram negociados por lá. Então faz bastante tempo que esse evento reúne a indústria de publishing por alguns dias no velho mundo.

Mas diferente das feiras que estamos acostumados no Brasil, focadas na venda de livros e no público em geral – a Bienal do Livro de São Paulo recebe em média 700 mil pessoas em 10 dias de evento – Frankfurt é uma feira de negócios. Ela acontece entre quarta-feira e domingo, e apenas a partir de sexta-feira existe a possibilidade do público geral adentrar os pavilhões, mas com um detalhe interessante: não se vendem livros. Ou seja, você pode ir assistir uma palestra, conhecer um autor, mas se quiser comprar um livro precisa ir até uma livraria próxima (e fora) da feira.

Algumas coisas mudaram ao longo do tempo: a feira não foi sempre em Frankfurt, mas acontece por lá nos últimos 75 anos, antes era em Colônia, outra cidade alemã. Além disso 75 anos atrás não existia a internet, os ebooks, o TikTok e a IA. 

Em compensação, outras coisas permanecem: a feira continua sendo um grande momento de compra e venda de direitos autorais, ou seja, é onde os grandes autores, representados por seus agentes literários começam a ganhar outros horizontes, países, idiomas e $$$ para serem publicados além da sua terra natal. 

Outra característica bem interessante (e delicada) é a questão (geo) política. A feira reúne pensadores e publicadores de conteúdos de mais de 100 países, o que automaticamente traz para o evento tudo que está acontecendo no mundo ano a ano. Esse ano não poderia ser diferente: houveram saias justas entre editores israelenses e palestinos, um alemão levantando e subindo ao palco para discordar do poeta esolveno que fazia o discursos de abertura da feira e muitas e muitas conversas de corredor sobre o impacto dos conflitos no mundo do livro e da leitura.

Como disse o diretor geral da Feira, Juergen Boss “Pessoas de todo o mundo vêm aqui porque sabem que uma presença em Frankfurt é indispensável para o seu negócio”. Ou seja, se você trabalha ou pensa em trabalhar com livros, Frankfurt precisa estar no seu radar.

Mas vamos a alguns números:

  • Aumento de quase 20% no número de visitantes profissionais;
  • 105 mil profissionais da indústria do livro passaram por lá;
  • 130 países tiveram representantes;
  • Mais de 4 mil expositores;
  • Mais de 7 mil representantes da mídia cobriram os mais de 2,6 mil eventos que aconteceram durante os dias da feira.

Lembra que eu falei sobre a compra e venda de direitos na feira? Pois é, existe um espaço, chamado de “Centro de Agentes Literários e Scouts” onde você pode comprar uma mesa para comprar e vender direitos e que tem sua entrada mais controlada que a imigração no aeroporto quando você chega na Alemanha.

Esse espaço também bateu recorde, foram 548 mesas reservadas, que contaram com 324 agências literárias (as empresas que representam autores) e mais de 35 mil inscrições.

E depois de uma semana por lá, uma média de 12.000 passos por dia e alguns pretzels no estômago, aqui vão minhas percepções e o que mais me chamou atenção:

  • Se fala muito sobre IA, com a mesma intensidade com a qual ainda existem dúvidas sobre legislação. Uma questão do tipo: ok, já entendemos que isso veio pra ficar e pode por exemplo facilitar – e escalar – muitos processos dentro da produção de um conteúdo, mas como ficam protegidos os direitos autorais e os IPs (propriedades intelectuais) nessa equação?
  • O ebook já é parte do mercado, já não se discute mais sobre a presença ou não desse formato, sobre a disputa entre físico e digital. É ponto pacífico, ousaria até dizer que o ebook já virou commodity no mercado: publica um livro em papel, sempre tem o ebook junto;
  • Entra ano e sai ano e eu continuo me espantando com a perenidade de mídias antigas no mundo do livro. Vou dar 2 exemplos: existem editores de calendários físicos na Feira (isso, aquele de pendurar na parede) e a Alemanha ainda vende e consome muitos audiobooks em CD-Rom; 
  • O audiobook é o formato da vez, o talk of the town, e isso vem sendo uma constante desde 2018. Existe um espaço só para o formato na feira e muitas e muitas programações ou falam do formato ou são totalmente dedicadas a ele;
  • A autopublicação e as iniciativas fora do radar do mercado tradicional, como por exemplo o Wattpad e iniciativas de apps vindos da Índia e da China começam a ganhar relevância e terem seus números (e comportamentos de consumo) mapeados, discutidos, e o mais importante: inseridos na indústria;
  • O TikTok continua tendo um stand na feira e sendo citado em muitas falas, com o fenômeno dos BookTokers como grandes drivers de venda e consumo de livros no mundo.

Muitas outras coisas aconteceram por lá, mas é impossível mapear e acompanhar tudo, Frankfurt traz uma sensação constante de FOMO…então é preciso sempre escolher no que focar e ficar em paz com o que você não vai conseguir assistir.

Mas, cada ida minha pra Frankfurt – vou à feira desde 2014 – é sempre uma reconexão com esse universo e o reforço de uma crença que me traz uma certeza que só cresce a cada edição da feira: o livro pode não ser a mídia mais mainstreaming, mas ele sempre está lá, levando histórias e bons conteúdos para bilhões de pessoas ao redor do mundo!