A Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) tem alertado que a baixa presença feminina no setor deixou de ser uma questão de representatividade e se tornou um entrave econômico estratégico. A avaliação converge com as conclusões do Prêmio Nobel de Economia de 2025, concedido a Philippe Aghion, Ufuk Akcigit e Rachel Griffith, que demonstraram que o crescimento sustentado depende da ampliação da base de inovadores. Ecossistemas heterogêneos produzem mais inovação disruptiva e fortalecem a produtividade agregada.

Essa leitura se aplica integralmente ao Brasil. O país projeta uma lacuna superior a meio milhão de profissionais de tecnologia até 2029. Em um cenário em que as mulheres são mais da metade da força de trabalho, sua sub-representação em tecnologia restringe a expansão das competências necessárias para inovar. Sem mulheres, o ecossistema de software perde pluralidade cognitiva, reduz sua capacidade de formular soluções mais completas e limita o ritmo da evolução tecnológica. O resultado é direto: o Brasil segue desperdiçando uma parcela decisiva do seu capital humano justamente no setor que mais define o futuro.

O Brasil avança para uma economia cada vez mais digital e tem diante de si uma oportunidade estratégica: ampliar a presença das mulheres no setor de tecnologia, fortalecendo sua competitividade. Um estudo publicado em 2025 — Overcoming Obstacles: Challenges of Gender Inequality in Undergraduate ICT Programs (Superando Obstáculos: os desafios da desigualdade de gênero em cursos de graduação em TIC) — mostrou que mulheres representam menos de 18% das estudantes de cursos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no ensino superior brasileiro. O dado ganha outra dimensão quando se observa que a evasão não decorre de falta de interesse, mas da combinação de fatores que limitam a permanência: ambientes desestimulantes, estereótipos persistentes e ausência de modelos de referência. Isso limita tanto as trajetórias individuais quanto a formação ampla da força de trabalho digital.

E não é apenas um fenômeno brasileiro: o relatório Unfinished Business: The Ongoing Tech Gender Gap in Latin America (Assuntos Pendentes: A Persistente Disparidade de Gênero no Setor Tecnológico na América Latina), da McKinsey & Company, revela que, mesmo após mais de uma década de expansão digital na região, o gap de gênero voltou a crescer em 2022 — o primeiro retrocesso desde 2016. É um sinal claro de que, sem políticas estruturais, não avançar significa retroceder. Cada ano que passa aprofunda não só um atraso social, mas um atraso competitivo.

No mercado, a desigualdade se agrava. A pesquisa Perfil das Mulheres em TI, da Serasa Experian, mostra que apenas 0,07% das mulheres brasileiras trabalham com tecnologia, contra 0,33% dos homens. A análise da  SOFTEX reforça esse cenário: segundo o relatório W-Tech: Panorama da Participação Feminina no Setor de TICs (2024), em 2021 as mulheres representavam apenas 24,95% da força de trabalho em tecnologia no Brasil e recebiam, em média, 15,6% menos que os homens em cargos gerenciais. E o impacto não se limita ao emprego.

A desigualdade também aparece na inovação. O levantamento The Global Gender Gap in Innovation and Creativity (A Disparidade Global de Gênero em Inovação e Criatividade: Uma Comparação Internacional da Disparidade de Gênero no Registro Global de Patentes ao Longo de Duas Décadas), da World Intellectual Property Organization (WIPO), indica que apenas 13% dos inventores listados em pedidos de patente no mundo são mulheres, e que o Brasil não foge dessa média. No caso dos dados nacionais, segundo análise da GLIPA (Global Intellectual Property Alliance) e do CAIINNO, publicada na WIPO Magazine, 5,8% das patentes brasileiras foram concedidas apenas a mulheres, e pouco mais de 21% tiveram ao menos uma inventora em suas equipes. Essa discrepância na autoria da inovação evidencia que o problema vai além da formação ou da contratação — ele se estende até os espaços onde as ideias se transformam em propriedade intelectual e valor econômico.

A narrativa de que faltam mulheres interessadas em tecnologia tampouco se sustenta. O relatório da McKinsey & Company indica que 31% das mulheres entrevistadas migraram para tecnologia vindas de outras áreas — o dobro dos homens (16%). Contudo, elas são apenas um terço dos candidatos às vagas técnicas, o que revela que o funil começa antes da porta de entrada do mercado.

Esses números deixam claro que a ausência de mulheres na tecnologia não é uma questão de escolha individual — é resultado de um sistema que falha em oferecer condições iguais. Cada vez que uma mulher é desencorajada a seguir carreira em tecnologia, o país perde em inovação, diversidade de perspectivas e capacidade competitiva. Equipes compostas por diferentes perfis são comprovadamente mais criativas, produtivas e lucrativas.

Por isso, trazer mulheres para o centro da tecnologia deixou de ser exclusivamente uma pauta de inclusão: é uma estratégia nacional de desenvolvimento. Iniciativas como as promovidas pela ABES — que articulam formação em ciência de dados, desenvolvimento e segurança da informação, e ampliam a presença feminina em sua própria governança — são fundamentais, mas precisam de escala. É necessário um pacto entre empresas, universidades e governo para superar o problema desde a educação básica até a liderança executiva. O Brasil pode avançar muito mais ao aproveitar integralmente sua força produtiva no desenvolvimento do futuro digital. Incluir mulheres não é gentileza. É economia, é inovação e é condição para que o Brasil se torne competitivo em uma economia guiada pelo conhecimento. Não se trata de incluir por incluir — trata-se de decidir que país o Brasil quer ser nos próximos anos.

 

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