A indústria de telecomunicações enfrenta um desafio existencial: o risco de ser relegada ao papel de uma provedora de utilidade de baixa margem, um mero “cano de dados” (dumb pipe). Operadoras realizam investimentos massivos em infraestrutura para suportar um crescimento exponencial no tráfego de dados, tornando-se fundamental capturar o valor gerado sobre essas redes. Para sobreviver e prosperar, operadoras de telecomunicações precisam urgentemente se reposicionar na cadeia de valor.
A convergência da IA com a IoT oferece às operadoras de telecomunicações uma oportunidade única para reverter essa tendência: alavancar seu ativo mais exclusivo (a rede) e usar a IA para transformá-lo em uma plataforma inteligente, programável e geradora de valor. Isso envolve uma mudança de mentalidade e de modelo de negócio, que podem ser exploradas a partir das seguintes estratégias:
- Vender conectividade como um serviço dinâmico. A abordagem pode evoluir da venda de planos de dados estáticos para a oferta de Acordos de Nível de Serviço (SLAs) dinâmicos, impulsionados pela orquestração de rede baseada em IA. Isso permitiria a criação de produtos premium, como o network slicing, que aloca uma “fatia” virtual e garantida da rede para um cliente que necessita de latência ultrabaixa para suas operações críticas. Outro exemplo pode ser a oferta de roteamento de custo otimizado para uma empresa de logística com centenas ou milhares de rastreadores, onde a plataforma de IA seleciona dinamicamente a rede que oferece o melhor custo-benefício para cada transmissão de dados, sem comprometer a confiabilidade.
- Segurança como diferencial. Em um mundo com bilhões de dispositivos conectados, o alvo de ataque para ameaças cibernéticas se expande dramaticamente. A segurança se torna uma preocupação primordial para qualquer projeto de IoT. De fato, o mercado de segurança de IoT na América Latina está projetado para atingir US$ 2,67 bilhões em 2030, impulsionado por requisitos rigorosos de proteção de dados e cibersegurança, conforme relatório da Mordor Intelligence. As operadoras estão em uma posição privilegiada para oferecer serviços de segurança integrados que cobrem toda a cadeia, desde o dispositivo (através de tecnologias como SIM/eSIM seguro) até a nuvem, passando pela própria rede (onde podem monitorar o tráfego para detectar anomalias e ameaças). Oferecer um ambiente de conectividade intrinsecamente seguro e confiável é um poderoso diferencial competitivo.
- Fomentar o ecossistema através de Plataformas e APIs. Em vez de tentar desenvolver internamente todas as soluções verticais para os diversos setores do mercado, as operadoras podem se posicionar como facilitadoras de inovação. Ao abrir suas plataformas de rede inteligente através de APIs, elas podem capacitar o vibrante ecossistema de startups de IoT do Brasil. Este modelo tende a criar um ciclo virtuoso: as startups ganham acesso a uma conectividade de alta qualidade e gerenciável, e a operadora participa da receita gerada por essas novas aplicações.
Embora empresas da América Latina atinjam altos índices de sucesso com a IoT, com 91% reportando vantagem competitiva e 90% relatando conquistas na tomada de decisões, a conectividade permanece como o maior entrave para a adoção em larga escala. A pesquisa da Viasat, publicada no Mobile Time, revela que 89% dos entrevistados latino-americanos enfrentaram problemas para ter acesso a uma conexão de qualidade. Os desafios para a expansão em setores como agronegócio e mineração não se limitam apenas à falta de estabilidade da rede móvel; eles também incluem a escassez de integradores que ofereçam a solução completa, incluindo uma plataforma eficiente de gestão de dados de equipamentos. A matéria ressalta que é essencial buscar alternativas, como a conectividade via satélite, que está ganhando espaço para viabilizar projetos em regiões remotas.
Conclusão e Perspectivas
O mercado brasileiro de IoT está bem-posicionado para um crescimento exponencial, sustentado pela convergência tecnológica (5G, IA, edge computing), investimentos públicos estruturantes e uma demanda setorial robusta. As operadoras de telecomunicações estão evoluindo de meros provedores de conectividade para se tornarem catalisadores da transformação digital, desenvolvendo ecossistemas integrados de soluções IoT.
O sucesso, no entanto, dependerá da capacidade de superar os desafios. Isso exigirá uma colaboração contínua e estratégica entre o setor privado, o governo e a academia. Para empresas e profissionais do setor, o momento demanda um posicionamento proativo em tecnologias convergentes, a formação de parcerias estratégicas e o desenvolvimento de soluções que combinem conectividade, inteligência artificial e análise de dados. A janela de oportunidade que o mercado brasileiro oferece na próxima década é única, e aproveitá-la será fundamental para liderar a nova economia digital.