A Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) retirou seu nome da lista do Manifesto em prol da Lei Geral de Dados Pessoais. De acordo com seu presidente, Francisco Camargo, a regulamentação é necessária e muito bem-vinda, porém, ao ler os detalhes do texto aprovado no Senado em meados de julho, Camargo disse que há muitas armadilhas. “A gente apoiou o movimento porque o Brasil precisava de uma lei de proteção de dados porque senão as empresas que exportam serviços para o exterior ficariam muito prejudicadas, em especial para a Europa. Mas nos pareceu que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem poderes excessivos. Além do mais, há uma prerrogativa de que é o Executivo o responsável por criar agências regulatórias e, neste caso, foi o Legislativo quem criou. Ou seja, a primeira empresa multada por conta de vazamento de dados pode recorrer, questionando a legalidade dessa agência reguladora. Isso pode deixar o País numa insegurança jurídica e não queremos isso. Saímos do manifesto porque estamos pedindo o veto à criação da autoridade”, explicou Camargo. O presidente da Abes disse ainda que a ANPD poderá ser criada pelo Executivo por meio de um projeto de lei.

Na semana passada, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, recomendou ao presidente da República o veto a parte da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (PL 53/2018). Michel Temer tem até o dia 14 de agosto para sancioná-la ou vetar seu texto. Segundo Jardim, a lei apresenta vícios de iniciativa ao criar um Conselho Nacional de Proteção de Dados, uma vez que o Poder Legislativo não pode criar despesas para o Executivo.

Relativizando

Já a Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), que também assinou o manifesto, preferiu manter seu nome, acreditando que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais inicia seu ciclo e que, com o tempo, deverá ser aprimorada. “O mundo no qual vivemos é dependente de dados. Hoje, temos serviços que usamos por conta da coleta desses dados. Mas sabemos que isso vem com um ônus grande à sociedade e temos exemplos disso, como o escândalo do Cambridge Analytics”, explica Rafael Pereira, presidente da ABCD.

Ainda de acordo com Pereira reunir as leis que estão no Marco Civil da Internet ou na lei de proteção ao consumidor será bastante positivo. “Às vezes uma lei conflita com a outra. Ter uma lei única, que regulamente isso parece fazer sentido. Agora, da forma como foi feita, vamos ter que ver os impactos de como ela será interpretada. Qualquer coisa escrita dá margem a interpretações. No caso da lei atual, usando o senso comum, não teríamos maiores problemas. Mas em situações extremas ela pode significar a interrupção de serviços essenciais, por exemplo. Vamos supor que dados pessoais de uma fornecedora de energia elétrica vazem. Como a lei está escrita, uma das interpretações é que o juiz pode mandar interromper esse serviço. E isso não faz nenhum sentido e acredito que nenhum juiz em sã consciência vá mandar parar o serviço de energia elétrica”, exemplifica.

Conversa de bastidor

Para o advogado Renato Leite Monteiro, sócio do escritório Baptista e Advogados , que acompanhou de perto as discussões do PL 53/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais deveria ser sancionada na íntegra. De acordo com o advogado, até pouco tempo ele acreditava que Michel Temer vetaria alguns pontos da lei. No entanto, depois de algumas conversas nos bastidores, sua esperança é de que a lei seja sancionada na sua integralidade. “Até semana retrasada, pelas conversas que tive, haveria um veto ao Conselho Nacional de Proteção de Dados. Só não estaria claro se essa autoridade seria criada por meio de decreto, medida provisória, ou outras possibilidades. Só que, para minha felicidade, parece que a maré está mudando. E existe uma pequena possibilidade da sanção integral da lei. São conversas de bastidores, pressão de alguns juristas que até então não tinham se manifestado sobre o projeto de lei. Mas, agora, como estão atacando uma questão de legalidade, de formalismos, sobre vício de uma interpretação da própria constituição e do processo legislativo, esses atores resolveram se manifestar a favor da lei”, explica Leite Monteiro.

O Comitê Gestor da Internet (CGI.br) também recomenda a aprovação da lei sem vetos. Em nota publicada nesta segunda-feira, 6, o CGI.br realça a importância da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados como apresenta reportagem do Teletime News.

Debate

No dia 16 agosto, o evento “Data Privacy: A Nova Lei de Proteção de Dados no Brasil” vai debater a nova Lei Geral de Proteção de Dados, em São Paulo. Entre os convidados estão Ronaldo Lemos (Pereira Neto Advogados e ITS Rio), Vitor Magnani (Associação Brasileira Online 2 Offline), Renato Leite Monteiro e Renato Opice Blum (Opice Blum Advogados).