As manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho perderam força na maior parte do país, mas não no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, os protestos prosseguem, com pautas diversas, do transporte coletivo à segurança pública, passando pelos direitos indígenas, a opressão policial, o caso Amarildo, e, mais recentemente, a educação. É nesse contexto de ebulição da participação popular que surgem diversas iniciativas individuais e coletivas de mídia independente que usam a tecnologia móvel para transmitir fotos e vídeos ao vivo dos protestos, oferecendo uma narrativa diferente daquela provida pelos meios tradicionais. É uma cobertura feita pelos próprios manifestantes, de dentro dos atos, que, não raro, confrontam as versões propagadas pela grande mídia. A cada nova manifestação é possível encontrar diversos links de transmissão ao vivo, muitos deles usando smartphones conectados à rede 4G e o aplicativo Twitcasting, nos moldes do Mídia Ninja. MOBILE TIME conversou com representantes de um desses coletivos, o Rio na Rua, que chegou a transmitir por quase oito horas seguidas o protesto de 7 de setembro e alcançou 3,2 mil pessoas assistindo simultaneamente a sua cobertura do protesto dos professores na Cinelândia no dia 1 de outubro.

O Rio na Rua é composto por jovens voluntários, alguns deles formados em jornalismo, com o objetivo de fazer uma cobertura independente e bem apurada das manifestações. Usam um smartphone coletivo com plano 4G para transmitir os protestos e contam com o apoio de aparelhos 3G individuais dos integrantes para complementar o trabalho. Para garantir energia durante todo o protesto, levam baterias externas extras. A transmissão é feita preferencialmente pelo app Twitcasting ou pelo Bambuser. O grupo também usa um app de bate-papo para trocar mensagens sobre a cobertura em tempo real. Os custos com hardware e com o tráfego de dados são divididos entre os membros, não havendo qualquer apoio financeiro de fontes externas.

O Rio na Rua usa uma página no Facebook e um site próprio para publicar suas matérias, assim como o Twitter e outros canais digitais. Além da cobertura ao vivo, de dentro dos protestos, há sempre alguém apoiando na base, escrevendo textos a partir do material bruto transmitido ao vivo. A audiência varia de acordo com o tamanho e a importância de cada evento. O recorde até agora foi no dia 1 de outubro, quando 18 mil visitantes únicos acessaram o link de transmissão. A página do grupo no Facebook já ultrapassou 13 mil fãs.

Tecnologia

O smartphone se tornou instrumento de trabalho de grupos como o Rio na Rua, ajudando inclusive quando surgem pautas repentinas. "Como somos cidadãos e circulamos pela cidade, algumas pautas "não previstas" também costumam surgir e ter o celular à mão permite a cobertura de casos assim, como quando parte da equipe foi surpreendida, enquanto desfrutava de um chopp com amigos, por um protesto "espontâneo" na praça são salvador. A cobertura foi realizada através dos celulares pessoais dos colaboradores", relata um dos representantes.

Mas há muito o que pode ser aprimorado na tecnologia para melhorar a cobertura da mídia independente: "A rede de transmissão de dados é ainda muita instável no Brasil. Sofremos com perda de sinal e variações inesperadas na rede. Além disso, o 4G ainda não funciona em muitas áreas do Rio. Quanto aos smartphones, o que mais atrapalha é o rápido consumo da bateria durante as transmissões ao vivo. Além disso, a qualidade da imagem não é das melhores. Mas isso está atrelado ao fato de que a transmissão de dados não é muito boa. Talvez, em breve, seja possível transmitir em alta qualidade", comenta outro membro do coletivo.

Narrativa

Sempre houve iniciativas de mídia alternativa na cobertura de movimentos sociais, mas talvez nunca tenham alcançado a dimensão atual, no Brasil e no mundo, em boa parte graças à Internet e às redes sem fio. Os representantes do Rio na Rua reconhecem o papel da tecnologia, mas destacam que ela não é um fim em si mesmo, preferindo ressaltar a consequente transformação da narrativa jornalística. "O maior ganho do uso destas tecnologias não está, obviamente, na tecnologia em si, mas no potencial narrativo que elas introduzem na comunicação em rede", analisa um dos membros. E prossegue: "Ainda há uma grande lacuna, no debate social que emergiu nos últimos meses, a respeito de linguagens e narrativas introduzidas por estas tecnologias, quando apropriadas por cidadãos, na disputa política. Já conversamos, por exemplo, sobre as características narrativas do streaming ao vivo, uma espécie de "rádio com imagens", já que alia características típicas do rádio tradicional, como a cobertura ao vivo, in loco, focada na figura do narrador e que conta fatos ainda não terminados."