|Mobile Time Latinoamérica| No dia 1º de julho entrou em vigor no México o programa piloto que obriga as plataformas digitais a registrarem no IMSS (Instituto Mexicano de Seguro Social) os entregadores, motoristas e trabalhadores independentes que ultrapassem determinado limite de renda, como um passo inicial para sua inclusão no sistema de seguridade social.

Nesta entrevista à Mobile Time Latinoamérica, Guillermo Malpica, diretor executivo da Alianza In México — entidade que reúne as principais plataformas tecnológicas, como DiDi, Uber, Rappi, LalaLove e Mensajeros Urbanos — explica como essa reforma inédita está sendo implementada e quais desafios técnicos e administrativos ela implica para as empresas.

Mobile Time – Vimos que alguns entregadores não estão satisfeitos com esse projeto piloto, mas as plataformas também têm um papel fundamental. Qual é a posição de vocês, como entidade que representa as plataformas digitais no México?

Guillermo Malpica – Nós já vínhamos trabalhando nessa questão da seguridade social para as pessoas que se conectam às plataformas há bastante tempo, desde o ano passado, antes mesmo da apresentação da proposta de reforma da Lei Federal do Trabalho no México. Já tínhamos um trabalho interno de preparação de propostas e, ao observar experiências internacionais, entendemos que poderia ser uma regulação interessante para oferecer seguridade social às pessoas que atuam em plataformas.

Contudo, em outubro, a Secretaria do Trabalho nos apresentou uma proposta própria. Tivemos a oportunidade de nos reunir com eles várias vezes, num processo rápido, e a reforma foi publicada no Diário Oficial do México em 24 de dezembro, com um prazo de 180 dias para entrar em vigor.

Nesse período, de 24 de dezembro a 22 de junho, tínhamos diversas tarefas a cumprir. As disposições transitórias previam várias incumbências para o governo, e nós queríamos trabalhar junto com eles em todas essas etapas. Uma das tarefas pendentes — das quatro principais — é justamente este programa piloto que começou em 1º de julho.

Era necessário definir as diretrizes desse programa nos 180 dias, em conjunto com o IMSS e a Secretaria do Trabalho. Tivemos muitas reuniões, agradecemos essa abertura e reconhecemos que houve espaço para o diálogo, às vezes mais apertado, às vezes mais flexível, mas sempre ouvindo nossas opiniões e propostas.

Vale ressaltar que essa reforma se aplica a uma definição muito ampla de plataformas digitais. Não envolve apenas mobilidade ou entrega, mas qualquer plataforma digital que inclua presença física para prestação do serviço. Então entram passeadores de cães, plataformas que conectam enfermeiras, serviços de manutenção residencial, entre outros.

Nesse processo de conciliação da lei com o governo, também houve participação de sindicatos ou grupos de entregadores e motoristas?

Não existem sindicatos no sentido estrito, pois não há uma relação formal de subordinação — eles não eram empregados das plataformas, logo, não poderiam estar sindicalizados. Mas há muitas comunidades organizadas, como associações ou grupos informais de entregadores e motoristas.

As autoridades federais se reuniram com esses grupos e continuam se reunindo. Inclusive com câmaras empresariais, como o Conselho Coordenador Empresarial, que reúne diversas confederações setoriais.

Também houve reuniões do governo com a Alianza In, com plataformas que não fazem parte da Alianza In e com as comunidades de entregadores e motoristas.

No plano piloto, busca-se justamente vincular esses trabalhadores às plataformas, que precisam se registrar como empregadores e mapear quantas pessoas realmente trabalham. Como será esse processo técnico e administrativo?

Desde o primeiro dia, todas as plataformas já deveriam ter enviado ao IMSS um pré-registro com a base de dados de todas as pessoas cadastradas em suas plataformas.

Começamos este mês, e ao final veremos quantas pessoas ultrapassaram o limite de renda. O critério adotado não foi o número de horas, mas o valor recebido.

Foi definido que o limite é o equivalente ao salário mensal da Cidade do México — cerca de 8 mil pesos mexicanos, aproximadamente 400 dólares. As pessoas que superarem esse valor devem ser registradas pelas plataformas como trabalhadores subordinados descontínuos.

Até o fim do mês, veremos quem se enquadra. As plataformas têm 5 dias para informar: “Essas pessoas ultrapassaram o limite e são trabalhadoras subordinadas.” O IMSS, por sua vez, tem até o dia 10 de cada mês para consolidar essa informação e comunicar às plataformas o valor a ser pago pela seguridade social dessas pessoas. As plataformas têm até o dia 17 para realizar o pagamento das contribuições.

São contribuições chamadas de “quotas obrero-patronales”, pagas majoritariamente pelo empregador (cerca de 90%) e em menor parte pelo trabalhador (cerca de 10%).

Isso será mensal. Um trabalho administrativo e técnico considerável, pois a cada mês será preciso calcular quantas pessoas são subordinadas e quantas permanecem independentes. Um trabalhador pode ser subordinado em um mês e, no seguinte, não alcançar o limite e pagar a contribuição como trabalhador independente.

Esse é um grande desafio técnico, que estamos avaliando durante o piloto, para buscar formas de tornar o processo mais eficiente, claro e com o menor impacto administrativo possível.

Isso pode gerar aumento de custos ou gastos para as plataformas?

Sem dúvida, é um custo adicional pelas contribuições à seguridade social, além das adaptações tecnológicas necessárias para compartilhar informações mês a mês: admissões, saídas, ajustes de trabalhadores. Cada plataforma decidirá individualmente como lidar com esse novo custo.

Não podemos ainda afirmar se haverá impacto nos preços, na disponibilidade ou na conduta dos entregadores e motoristas — só teremos uma avaliação mais clara depois dos primeiros meses. Sabemos que, segundo dados da CANIRAC, aproximadamente 20% das receitas dos restaurantes dependem hoje dos canais digitais, e muitas micro e pequenas empresas dependem das entregas. Vamos ver qual será o impacto final.

Há estimativas de quantas pessoas trabalham nessas plataformas no México?

É difícil precisar, pois muitos trabalhadores estão cadastrados em várias plataformas, o que geraria duplicidade se somássemos todos os registros.

Internamente, na Alianza In, não compartilhamos esses números entre as empresas por questões de concorrência.

Mas há um estudo da Buendía & Márquez, de alguns anos atrás, que apontava cerca de 2,5 milhões de pessoas usando canais digitais para prestar serviços ou entregar mercadorias (não apenas plataformas, mas também redes sociais). Por outro lado, segundo dados da Secretaria do Trabalho, o regime fiscal especial para trabalhadores de plataformas tinha cerca de 678 mil registrados.

Portanto, o universo pode variar de 600 mil a 2,5 milhões. Se muitos se enquadrarem como subordinados descontínuos, como disse um jornalista mexicano, poderíamos ter “uma das maiores empresas do país” em termos de empregados.

Sobre os custos operacionais do entregador ou motorista, como é calculado?

Não é o próprio trabalhador quem calcula ou informa para desconto individual. Por ser muito complexo, decidiu-se não fazer assim.

Durante as discussões, ficou estabelecido que a contribuição à seguridade social não incidiria sobre o rendimento bruto, mas sobre um rendimento líquido. Para chegar a esse valor, subtrai-se do bruto apenas o custo do uso da plataforma.

Foram definidos três percentuais máximos de dedução:

  • Categoria A: veículos motorizados de quatro ou mais rodas, até 6% do bruto;

  • Categoria B: veículos motorizados de duas rodas, até 50%;

  • Categoria C: veículos não motorizados ou a pé, até 15%.

Ainda assim, acreditamos que a discussão segue aberta. Queremos usar o piloto para avaliar a inclusão de outros elementos no cálculo da renda líquida, garantindo a sustentabilidade da regulação.

No caso de acidentes, quem assume os riscos?

Independentemente de o trabalhador ser considerado subordinado ou independente ao fim do mês, se tiver um acidente enquanto presta serviço via plataforma, ele tem direito a atendimento médico pelo IMSS, como acidente de trabalho.

Caso ao final do mês ele seja classificado como subordinado, a plataforma paga as contribuições, e a cobertura fica a cargo dela. Se for independente, poderá pagar como trabalhador autônomo para continuar o atendimento.

Isso representa uma cobertura superior à que outros setores têm, onde, sem registro no IMSS, o trabalhador teria de arcar com custos hospitalares em valor cheio.

E como está sendo garantida a transparência desse processo piloto?

As plataformas são obrigadas, desde 1º de julho, a apresentar um documento de transparência algorítmica, explicando de forma clara como funcionam seus algoritmos em pontos-chave: tipos de descontos, incentivos, como são atribuídos os serviços e os motivos para eventuais suspensões ou exclusões.

Mas não precisam entregar o algoritmo ao governo, pois isso é propriedade intelectual. Apenas devem gerar o documento de gestão algorítmica e incluí-lo no novo contrato de trabalho registrado no Centro Federal de Conciliação e Registro Laboral.

E o que acontecerá ao término desse piloto?

O programa piloto dura, por norma, 180 dias (6 meses). Mas a primeira fase definida pelo governo tem 3 meses. Após esse período, serão avaliados dados e poderá ser ajustado o restante do piloto.

IMSS e Infonavit poderão fazer alterações normativas se julgarem necessário. Esse período é uma oportunidade para revisar adequações, inclusive na própria Lei Federal do Trabalho, visando a um marco legal mais claro e funcional a partir do próximo ano.

A ilustração no alto foi produzida por Mobile Time com IA

 

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