O setor imobiliário é a bola da vez no processo de transformação digital que vivenciamos. Essa é a aposta da netspaces, startup gaúcha que desenvolveu uma plataforma para “digitalizar” imóveis. Não se trata de criar versões virtuais de apartamentos dentro de um metaverso, mas criar um token não fungível, ou NFT, que represente a propriedade de um imóvel. A empresa, que se classifica como uma PropLegalTech, já digitalizou a propriedade de 30 imóveis, todos em Porto Alegre, que juntos valem cerca de R$ 9 milhões. Em 2022, planeja chegar a 500 imóveis, no valor de R$ 300 milhões. E, para 2023, a ambição é somar R$ 1 bilhão em propriedades digitalizadas dentro da sua plataforma.

“Decidimos digitalizar transações do mercado imobiliário porque, apesar do movimento nessa direção de empresas como Quinto Andar e Loft, a propriedade continuava velha, num papel armazenado no cartório. A primeira coisa que fizemos foi olhar para esse documento e para a lei atual. Pela legislação, a escritura é sagrada. Então resolvemos colocar tecnologia nesse papel. Botamos dentro da escritura os códigos de blockchain chamados de NFT (tokens não fungíveis)”, descreve Andreas Blazoudakis, CEO da netspaces e empreendedor com longa experiência em inovação digital, estando à frente de empresas como Yavox, Movile, iFood, Playkids e Delivery Center.

Sua plataforma, portanto, não alija os cartórios do processo. As escrituras continuam sendo lavradas e armazenadas em papel dentro dos cartórios. A novidade é que a propriedade em questão é permutada por um criptoativo, representado por um NFT, cujo código é informado na escritura. A partir daí, a gestão desse criptoativo é feita pela plataforma da netspaces. “Somos considerados uma exchange de cripto”, comenta Blazoudakis.

A vantagem de se digitalizar uma propriedade imobiliária está na facilidade de fracioná-la para compra, venda, aluguel e investimento. Um comprador que porventura não tenha dinheiro para adquirir 100% de um apartamento pode comprar uma parcela menor e se mudar imediatamente, pagando um aluguel proporcional ao restante. Ou então, pode fazer dessa compra parcial um investimento, botando em seguida o imóvel para alugar e recebendo o equivalente à sua participação na propriedade. Neste processo, o comprador não precisa se endividar com um financiamento para comprar 100% do imóvel. A tecnologia também ajuda quem gosta de investir em imóveis. Em vez de comprar 100% de um apartamento para alugar, o investidor poderia comprar 20% de cinco imóveis, diluindo seu risco, exemplifica Blazoudakis.

Neste primeiro momento, a netspaces está vendendo no mínimo 20% de cada imóvel digitalizado. E a venda está restrita a uma única pessoa – ou seja, o token não poderia ter outros proprietários. A propriedade digital aparece em uma wallet da netspaces, na forma de um aplicativo no smartphone do comprador. A qualquer momento, o comprador pode adquirir novas parcelas do imóvel, dentro de suas possibilidades financeiras. Mas há prazos com marcos a serem cumpridos. Por contrato, o comprador precisa adquirir pelo menos 50% da propriedade dentro de 10 anos; 75%, em 15 anos; e 100% em 20 anos. Se não o fizer, o dono do restante do imóvel tem direito de recompra. O valor do imóvel é periodicamente corrigido por uma firma de avaliação independente.

“As possibilidades no futuro são enormes. Poderíamos fracionar em vários proprietários, e em participações menores que 20%. Mas se a gente fizer isso agora vai confundir a cabeça de todo mundo”, justifica o empreendedor.

A plataforma da netspaces está integrada a apps de aluguel de imóveis, como Quinto Andar, facilitando o processo de locação. O próximo passo será a integração com credtechs, para viabilizar também o financiamento para compra de mais participação na propriedade.

Em seu modelo de negócios, a netspaces substitui a figura do originador, nome dado ao corretor que leva a propriedade para venda. A netspaces fica com 1% do valor do negócio, a mesma taxa que costuma ser paga ao originador. No caso de aluguel, recebe entre 20% e 30% da taxa de locação.

Todos os 30 primeiros imóveis digitalizados pertencem à própria netspaces. Foi criado um veículo para gerir essas propriedades. Mas a ideia é fechar acordos com construtoras para que utilizem a plataforma para digitalizar seus imóveis para venda. Neste caso, a netspaces não será a proprietária, mas receberá a comissão de originador.

“Estamos abertos por enquanto somente para construtoras, pois estas vão trazer lotes maiores para educar o mercado. Precisamos que as construtoras abracem esse modelo. Vamos abrir para o público individual a partir do ano que vem”, explica Blazoudakis.

Primeira venda

Dos 30 primeiros imóveis digitalizados pela netspaces, 15 foram postos à venda no site Imovelweb. Em outubro, foi feita a primeira venda. Uma senhora de 82 anos de Porto Alegre adquiriu 20% de um apartamento no edifício Praça Nilo, localizado no bairro Petrópolis, na capital gaúcha. O valor total do imóvel é de R$ 700 mil. A compradora pagou R$ 140 mil via Pix e agora tem acesso à propriedade digital e pode geri-la através do app da netspaces, em seu smartphone.

netspaces

Lenita Ruschel, de 82 anos, foi a primeira pessoa a comprar um apartamento com NFT, usando a plataforma da netspaces (Foto: Pedro Antonio Heinrich/divulgação)