Na semana em que ficaram evidentes muitos dos problemas decorrentes da falta de regulação das empresas de Internet, com o histórico depoimento de Mark Zuckerberg ao Congresso norte-americano, um movimento importante aconteceu em Genebra, na reunião do SG3 da União Internacional de Telecomunicações (UIT), grupo de trabalho que trata de questões políticas e econômicas do birô de padronização da entidade (UIT-T). O SG3 aprovou uma recomendação (D.262) para a questão dos serviços OTT, ou seja, dos serviços prestados pelas redes de banda larga. É por si só emblemático que a UIT, tradicionalmente focada nas questões de telecom, dê um passo em estabelecer diretrizes de referência para o ambiente de Internet. Os debates contaram com participação de governo e membros do setor privado, tanto empresas de infraestrutura quanto empresas provedoras de conteúdos de Internet.

O conteúdo destas diretrizes é considerado como um grande avanço por alguns dos participantes do encontro, pois conciliam muitas das demandas históricas das teles (como a necessidade de criação de modelos de negócios alternativos) com posições das empresas OTT, como estímulos à inovação e liberdade de iniciativa. Além destas recomendações, o SG3 ainda aprovou uma proposta da Índia, com a concordância dos EUA e forte articulação da delegação brasileira, para incluir como item de estudo a questão do tratamento dos dados pessoais.

Confira uma tradução livre do texto da recomendação D.262 aprovada:

“1 – Tendo em conta a evolução do ambiente das telecomunicações, os Estados-Membros são incentivados, em coordenação com as partes interessadas, a promover a concorrência e incentivar a inovação e o investimento no ecossistema internacional das telecomunicações.

1.2 Para promover competição justa, inovação e investimento em uma indústria altamente dinâmica e veloz, os Estados Membros devem avaliar os impactos econômicos, políticos e de bem-estar do consumidor dos serviços OTT em todas as áreas críticas afetadas, incluindo suas estruturas regulatórias e incentivos econômicos existentes com relação ao provisionamento e uso de OTTs.

1.3 Os Estados-Membros são encorajados a considerar e desenvolver políticas e / ou arcabouços regulatórios favoráveis para fomentar a concorrência justa entre os operadores de rede e os provedores OTT. Os Estados-Membros são também encorajados a examinar, se necessário, a redução da carga regulatória sobre as redes tradicionais e os serviços de telecomunicações.

1.4 Um elemento importante da política e regulamentação em matéria de concorrência é a identificação e definição de mercados relevantes e, neste contexto, os Estados-Membros devem considerar as diferenças fundamentais entre os serviços tradicionais de telecomunicações e os serviços OTT, incluindo a natureza transfronteiriça e global das OTTs, barreiras de entrada de OTTs e integração dos mercados, entre outros fatores.

2 – Relação entre OTT e operadores de rede:

2.1 No novo ecossistema de comunicações, conectividade e serviços, embora não estejam mais mutuamente atrelados, permanecem criticamente interdependentes. Dado que os operadores de rede e provedores OTT fazem parte do mesmo ecossistema, os Estados Membros devem considerar as interdependências entre eles, inclusive como a demanda do consumidor por serviços OTT pode levar a um aumento na demanda por dados de provedores de serviços de telecomunicações, bem como diminuição da demanda por serviços tradicionais de telecomunicações.

2.2 Os Estados-Membros devem incentivar a cooperação mútua, na medida do possível, entre OTTs e operadores de redes, com vista a fomentar modelos de negócio inovadores, sustentáveis e viáveis, e o seu papel positivo na promoção de benefícios socioeconômicos.

2.3 Os Estados-Membros devem continuar a estimular o empreendedorismo e a inovação no desenvolvimento de infraestruturas de telecomunicações, especialmente o desenvolvimento de redes de alta capacidade, tendo em conta o poder disruptivo e o impacto social e econômico da ampliação de acessos banda larga.

3 – Promover a inovação e o investimento

3.1 Os Estados-Membros devem continuar a promover o espírito empresarial e a inovação nas aplicações OTT, incluindo a sua criação, disponibilização e utilização, que beneficiam os usuários e incentivam investimentos sustentáveis em infraestrutura.

3.2 No espírito de disponibilidade e acessibilidade dos serviços, os Estados-Membros devem promover a criação de ambientes legais e normativos e desenvolver políticas justas, transparentes, estáveis, previsíveis e não discriminatórias; e que promovam a concorrência, fomentem a inovação tecnológica e de serviços e incentivem o investimento do setor privado, a fim de garantir o crescimento e a adoção contínua de serviços OTTs.

3.3 Os Estados Membros e Membros do Setor devem participar e contribuir com esforços de padronização por meio de organizações globais e regionais de desenvolvimento de padrões, a fim de garantir serviços e aplicações abertos, interoperáveis, portáteis, seguros e acessíveis aos consumidores, em qualquer lugar e a qualquer hora, quando viável.

3.4 De um modo mais geral, os Estados-Membros são encorajados a considerar não só as oportunidades e os benefícios que os OTT proporcionam, mas também os desafios que surgem com o seu crescimento exponencial. Os Estados-Membros devem promover o acesso e o crescimento destes serviços através, destacadamente, do apoio à inovação, estímulo à demanda, colaboração com a indústria e parcerias público-privadas.

4 Defesa do consumidor e colaboração internacional

4.1 Devido aos volume cada vez maior de dados trocados globalmente pela Internet, bem como pelos serviços de telecomunicações tradicionais, os Estados-Membros e os reguladores devem tomar medidas apropriadas para encorajar todos os participantes do mercado a manter a segurança das redes internacionais de telecomunicações que transportam esses dados, ajudando a proteger os consumidores.

4.2 Dada a natureza global de muitos serviços OTT, a colaboração entre vários Estados-Membros e membros do setor deve ser fortemente encorajada.”