| Mobile Time Latinoamérica| Atualmente, as operadoras móveis buscam se tornar atores-chave do ecossistema digital por meio de iniciativas como o Open Gateway, um projeto global impulsionado pela GSMA que visa padronizar e abrir as capacidades de rede por meio de APIs.

Nesta entrevista, Alejandro Adamowicz, diretor de Tecnologia e Estratégia da GSMA, explica como funciona o modelo, quais são as APIs mais demandadas — como SIM Swap ou Device Location —, qual o papel das operadoras no desenvolvimento e implantação dessas interfaces e quais são os desafios e oportunidades dessa transformação na região.

Mobile Time: Como surgiu a iniciativa Open Gateway?

Alejandro Adamowicz: A ideia surgiu em 2022, como resultado de uma busca estratégica por parte das operadoras que compõem o núcleo da GSMA — que representa todo o ecossistema, mas reflete as prioridades de um grupo de operadoras — por novas fontes de receita e formas de participar de maneira mais ativa na cadeia de valor do ecossistema digital, aproveitando o impulso gerado pela pandemia. Em Barcelona, no Mobile World Congress de 2023, a iniciativa foi lançada formalmente.

O Open Gateway consiste em monetizar, por meio de APIs, as funcionalidades de rede, conectando-as ao mundo dos desenvolvedores e das plataformas de nuvem de forma padronizada e aberta.

A ideia é que uma funcionalidade de rede desenvolvida na Colômbia seja exatamente igual à que é desenvolvida no Paquistão. Assim, o que se tem é uma universalização do uso dos recursos de rede. Qualquer operadora que tenha o Open Gateway pode, junto a qualquer desenvolvedor do mundo, unir a capacidade da rede com a da nuvem para gerar serviços. Esse é o conceito por trás do Open Gateway: escalar e universalizar.

Desde o lançamento em 2023, como tem sido a adesão das operadoras latino-americanas?

Posso te contar primeiro como está a situação no mundo e depois na América Latina. Globalmente, são 73 grupos de operadoras, o que corresponde a 284 redes. No mundo, mais de 78% dos usuários estão cobertos por ao menos uma API do Open Gateway. Na América Latina, esse número passa de 90%, o que mostra o potencial da iniciativa na região, que está acima da média global em termos de cobertura.

Das APIs mencionadas, existem 48 disponíveis em uma biblioteca chamada Cámara. Basicamente, é um repositório com o código que os desenvolvedores usam para construir serviços.

Na América Latina, como eu disse, temos mais de 90% dos acessos cobertos. lançamos em quatro países, em ordem cronológica: Brasil, Argentina, Chile e Peru. Em breve, lançaremos no México, o outro grande mercado que faltava. Depois, um roteiro para alcançar o restante dos países da região.

Houve muito entusiasmo inicial por parte das operadoras. Na América Latina, a estratégia dessas empresas é gerar novas receitas e participar de forma mais ativa e rentável do ecossistema digital. Isso é ainda mais relevante aqui, onde as operadoras enfrentam maior estresse financeiro.

Também estamos trabalhando em outros países onde as APIs ainda não foram lançadas, mas onde avanços significativos: Uruguai, Paraguai, Equador, Colômbia e, em breve, algum país da América Central.

Como as operadoras se articulam para criar essas APIs? Elas contam com o apoio da GSMA ou podem propor APIs por conta própria?

O projeto Open Gateway conta com um comitê de liderança formado por operadoras, e a GSMA se encarrega de coordenar o processo para garantir transparência e equilíbrio entre as opiniões das empresas. A participação é totalmente voluntária, tanto na criação quanto no uso das APIs.

Claro, nem todas as operadoras estão criando novas APIs — isso é voluntário, como mencionei. Funciona assim: existe um comitê técnico que avalia as propostas; as operadoras podem sugerir ideias. Se uma proposta avança, o desenvolvimento é global. A API não tem dono: o dono é o ecossistema.

Depois, o uso da API por parte de cada operadora também é voluntário. A única exigência da GSMA é a assinatura de um memorando de entendimento, que representa o compromisso de lançar ao menos uma API baseada no padrão.

Por que digo isso? Porque o conceito de API não é novo — existe mais de 30 anos. Na verdade, muitas operadoras tinham suas próprias APIs que faziam exatamente o que o Open Gateway propõe. A diferença agora é a padronização.

Por exemplo, o SIM Swap — uma das APIs mais populares na América Latina — existia na Colômbia, México, Argentina, Peru etc. Mas cada operadora tinha sua própria versão, o que dificultava muito a implementação: cada cliente precisava se integrar de forma diferente com cada operadora.

O Open Gateway propõe um modelo padronizado: desenvolve-se uma vez e tem-se acesso a todos os operadores. Essa é uma das grandes vantagens do projeto — e o motivo de tanto interesse.

Resumindo: um comitê que avalia as novas APIs e depois as operadoras decidem quais lançar comercialmente.

Até o momento, qual tem sido a API mais bem-sucedida na América Latina?

A mais bem-sucedida é a SIM Swap, pois uma demanda clara em termos de cibersegurança, especialmente por parte de aplicações financeiras, como as bancárias.

Com os roubos de celulares na América Latina, a primeira coisa que o ladrão tenta fazer é se passar pela vítima para acessar contas bancárias ou redes sociais. A SIM Swap permite que a instituição interessada em proteger seus clientes consulte, em tempo real, o operador e verifique, por exemplo: “Esta pessoa afirma ser o Alejandro e quer fazer uma transação eletrônica”.

Não estamos dizendo que isso resolve todos os problemas de cibersegurança, mas no que diz respeito à substituição de identidade via SIM, essa é a API mais demandada — não apenas na América Latina, mas em quase todas as regiões.

E depois dela, qual API tem mais destaque?

São duas: a Device Location, que permite saber a localização do telefone com diferentes níveis de precisão, e a Number Verification, que valida se o número usado em uma transação realmente corresponde ao do usuário. Até então, isso era feito com mecanismos como senhas temporárias (OTP), mas essa API permite uma verificação muito mais segura. Essas são as duas que vêm ganhando mais tração.

Acreditamos que, à medida que os operadores desenvolvam mais APIs e ganhem confiança, o mercado e os clientes corporativos começarão a demandar mais. Claro que, quanto mais específicas forem, mais específicos também serão seus usos.

Dessa forma, garantimos que os recursos de rede estejam disponíveis para todo o ecossistema. Muitas APIs também estão relacionadas ao desenvolvimento do 5G, que traz diversas novas funcionalidades de rede. A API permite que essas capacidades sejam usadas de forma simples por qualquer dispositivo.

Qual é o volume de chamadas que pode ser feito por meio de uma API e qual tem sido o ritmo de crescimento?

Esse dado pertence às operadoras. Como são concorrentes, é uma informação difícil de obter. Nós temos alguns números, mas não estamos autorizados a divulgá-los. alguns poucos dados públicos no Brasil, mas, em geral, por não serem públicos, não podemos compartilhá-los como associação.

Imagino que o mesmo se aplique à receita gerada pelas APIs. Vocês têm metas ou isso depende de cada operadora?

Depende de cada uma. Existem estimativas globais que falam em vários trilhões de dólares em valor agregado. Mas, ao falar de valor agregado, consideramos toda a indústria, não apenas as operadoras.

Por exemplo, se eu digo que a SIM Swap gera valor, parte desse valor está no prejuízo evitado com fraudes. Quem percebe esse valor são os bancos, pois são eles que arcam com o prejuízo em caso de roubo de conta. Ou seja, o valor não fica apenas no setor móvel — ele se distribui pela sociedade.

Qual é o principal desafio para o desenvolvimento do Open Gateway na América Latina?

A iniciativa foi muito bem recebida. O desafio agora é buscar clientes. Nos países onde as APIs foram lançadas, elas estão disponíveis; agora é hora de vender, fazer negócios.

É que a GSMA pode apoiar com divulgação, mas, como associação, não podemos nos envolver em questões comerciais. Agora que as operadoras têm as APIs em funcionamento, cabe a elas buscar clientes, gerar demanda e fechar negócios. A GSMA pode participar de reuniões para explicar os benefícios, mas a parte comercial é de responsabilidade das operadoras.

Essa iniciativa tem relação com a transformação do modelo de negócio das operadoras, aproximando-se mais do das tech companies, como criadoras de conteúdo?

Para nós, qualquer mudança que gere mais negócios e maior sustentabilidade para as operadoras é positiva. Também são bem-vindas as mudanças em termos de competitividade. Ou seja, se uma operadora desenvolve uma nova linha de negócios, isso representa mais valor e mais competição. Essa é a visão da GSMA: mais concorrência, mais opções para os usuários e mais incentivo à inovação.

Você mencionou o lançamento próximo no México. Quais outros mercados estão no radar para este ano ou os próximos?

México está confirmado e será lançado muito em breve. Depois temos Uruguai, Paraguai, Equador e Colômbia — embora este último esteja um pouco mais atrasado. Não posso garantir que a Colômbia seja lançada ainda este ano, mas, sem dúvida, é um mercado-chave na região. No entanto, isso depende das prioridades das operadoras. Muitas vezes, os mesmos times atuam em vários países e priorizam com base na estratégia e nas oportunidades de cada mercado.

 

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