Os ciborgues existem e estão entre nós. Cresce aos poucos no mundo a quantidade de pessoas que possuem chips implantados em seus corpos. Em geral são chips para comunicação RFID e/ou NFC dentro de uma cápsula cilíndrica de vidro, com poucos milímetros de comprimento e largura. O implante subcutâneo costuma ser feito na mão, entre o polegar e o indicador – área considerada prática e segura para essa finalidade. Os biochips, como são chamados, podem ser programados para funcionalidades diversas, como, por exemplo, servir de chave de acesso. Têm pouca memória para armazenamento, não precisam de bateria e podem durar a vida inteira de uma pessoa. Um dos pioneiros no uso de biochips é Amal Graafstra, fundador da Dangerous Things, fabricante norte-americana desse produto. Em seis anos de existência, a empresa já vendeu mais de 100 mil biochips para o mundo inteiro e agora busca por parceiros no Brasil para distribuição local. Mobile Time conversou por Skype com Graafstra sobre tendências desse mercado e sobre sua relação com essa tecnologia.

Mobile Time – Quando você implantou seu primeiro biochip e o que te levou a fazer isso?

Amal Graafstra – Implantei meu primeiro chip em 2005 e o motivo foi a preguiça. Eu trabalhava na área de TI para uma clínica médica e meu escritório era em um porão cuja porta era como essas portas de emergência que não abrem por fora, a não ser com chave. Eu trabalhava até de madrugada e volta e meia saía para fazer alguma coisa do lado de fora, como pegar algo que esqueci no carro. E era comum eu fechar a porta sem ter levado a chave comigo, ficando trancado do lado de fora. Aconteceu várias vezes. Eu queria que a porta soubesse que era eu e abrisse para mim. Então procurei por soluções de biometria. Mas essas tecnologias eram caras e difíceis de gerenciar. Eu precisava de algo robusto e barato. O RFID era barato e me parecia confiável. Mas não resolveria o meu problema trocar a chave por um cartão RFID. Então lembrei que cachorros e gatos usam chips de RFID. Consegui um chip feito do mesmo material daquele para animais de estimação. Construí um sistema de controle eletrônico para a porta. E pedi para um dos meus clientes médicos implantar o chip na minha mão esquerda. Tenho esse chip até hoje.

Quantos chips você tem no seu corpo? E para que servem?

Tenho seis chips. Três na mão esquerda, dois na mão direita e um no antebraço esquerdo. Estou sempre testando novos produtos com eles. Quando criamos algo, eu testo em mim. O objetivo principal da maioria deles é identificação. Pode ser acesso a uma porta, a um site, ou a um computador, por exemplo. Eu tenho uma arma inteligente que só atira se for com a minha mão.

Ao longo desses 14 anos em que você lida com biochips, quais foram os principais avanços da tecnologia? Os chips ficaram menores? Ou mais poderosos?

Os chips não ficaram menores, mas ficaram mais poderosos. E o NFC virou a grande novidade. Em 2005 o NFC não era popular. A tecnologia muda com o tempo. O NFC hoje abre portas para aplicativos móveis, tornando possível a comunicação e o compartilhamento de dados entre biochips e smartphones. Além disso, surgiram chips capazes de realizar transações criptografadas, substituindo o telefone como elo entre a Internet e o biochip. Neste caso o biochip pode servir como segundo fator de autenticação.

Outra novidade é a combinação de RFID e NFC em um mesmo chip. A tecnologia RFID é muito ampla e um chip não funciona em todos os sistemas, pois há questões de compatibilidade. Por isso juntamos RFID e NFC em um chip chamado NExT. O NFC é compatível com mais leitores.

Raio-x das mãos de Amal em 2006, quando ele tinha dois chips implantados. Hoje têm seis

Qual é o uso mais popular de biochips no mundo?

Controle de acesso é o mais popular. As pessoas querem entrar no computador, ou no escritório ou em casa (com seu biochip). É uma forma de identificação. O telefone hoje em dia virou um computador, mas não foi desenhado pensando em segurança. Isso pode ser um problema se você perdê-lo. O telefone tem que ser tratado como interface de comunicação, mas não para o armazenamento da sua identificação.

Sua empresa tem vários modelos de chips. Qual vende mais?

O NExT, que combina RFID e NFC, é o que mais vende hoje em dia. Em segundo lugar é o Vivokey Spark 2.

A Dangerous Things tem uma fábrica própria?

Não. Preferimos contratar uma fábrica para a produção, mas a gente gerencia todo o processo. Se você não gerenciar, corre o risco de a fábrica usar matéria prima mais barata e pouco segura. Tivemos problemas no passado com contratos ‘turn key’ de terceirização da produção. Então preferimos gerenciar do começo ao fim. Somos nós que compramos a matéria prima e entregamos na fábrica, por exemplo. Tem outros competidores que não fazem isso: vão para a China e trazem os chips.

Amal Graafstra, fundador da Dangerous Things

Vi no site da Dangerous Things que há uns chips com formato novo, parece uma fita, em vez de um cilindro de vidro. São chamados de flexDF e flexNT. Qual a diferença deles?

Os biochips tradicionais vêm dentro de um cilindro de vidro. Só que o formato de sua antena não é o ideal para alguns leitores. Isso gera um campo magnético diferente, o que dificulta a leitura. O usuário tem que encontrar um lugar exato para posicionar o implante de forma a melhorar a leitura. Algumas pessoas podem levar tempo até descobrir onde fica, não é fácil. E se a antena estiver muito no fundo do equipamento, não vai ler  seu implante. Nos chips novos o formato da antena é diferente, fica em uma superfície plana, tornando a leitura mais eficiente. No flexNT o chip consegue ser lido a uma distância de até três centímetros, enquanto naqueles em cilindros de vidro o mesmo chip precisa estar a no máximo a três milímetros.

Tem algum novo lançamento previsto para este ano?

Estamos testando um produto chamado VivoKey Flex1. Ele está em beta privado porque seu chip é mais avançado e permite escrever software. Selecionamos alguns desenvolvedores que vão trabalhar nele.

Existe o risco de o cilindro de vidro quebrar dentro da mão em caso de choque?

Tecnicamente é possível. Mas fizemos muitos testes e nunca aconteceu. Preenchemos ao máximo o espaço dentro do vidro para reduzir o ar e proteger os componentes. E usamos um vidro reforçado. Fora do corpo ele parece frágil, mas dentro do corpo a pressão necessária para quebrá-lo é maior. A pele acaba amortecendo o impacto. Testamos bastante e nunca quebrou.

Qual foi o uso mais estranho de um biochip que você teve conhecimento?

Um sujeito botou um GIF animado na memória do biochip e disse que é sua tatuagem digital. E soube de uma pessoa que queria botar o chip na bunda para ser reconhecida quando sentasse numa cadeira.

Quantos biochips a Dangerous Things já vendeu?

Entre 100 mil a 150 mil.

Qual o seu maior mercado?

Os EUA representam metade das vendas. Em segundo lugar acho que vem a União Europeia.

Vocês vendem muitos biochips para o Brasil?

O Brasil é um grande país na América do Sul. Estamos fazendo muitas vendas para Equador, Venezuela e Argentina no momento. Procuramos distribuidores qualificados para os nossos produtos no Brasil, preferencialmente na área médica.

O que podemos esperar de novidades no mercado de biochips para os próximos anos?

Segurança criptográfica é a nova tendência em biochips. Um exemplo simples é um formulário de acesso que só pode ser aberto através de um biochip. Torna possível criar serviços que somente quem tem o chip acessa.

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No Brasil, faltam números sobre pessoas com chips implantados

Não há números oficiais de quantas pessoas têm biochips implantados no Brasil, mas acredita-se que não sejam muitas. Cerca de duas centenas delas se encontram em um grupo de discussão no Telegram sobre o tema. Mobile Time conversou com dois brasileiros que fizeram implantes. Ambos atuam na área de tecnologia e trabalham na mesma empresa, a New Space. Os dois importaram chips da Dangerous Things.

“Em geral o profissional que realiza o implante são pessoas que aplicam body piercing, porque é o mesmo processo. Ou então enfermeiros. Não precisa ir a um hospital ou clínica especializada. Eu fiz dentro de um hacking space. O implante em si dura 30 segundos. Demora mais para fazer o mapeamento prévio da mão, para ver onde está o tendão, soltar a musculatura e fazer a assepsia. O biochip costuma ser vendido já com todo o material para realizar o implante”, relata Thiago Bordini, diretor de inteligência cibernética da New Space.

Bordini tem dois biochips, um de RFID e outro de NFC. O primeiro ele usa para acessar áreas restritas dentro da New Space, como o data center, em substituição ao seu crachá. E o de NFC serve para armazenar sua carteira de criptomoedas e como segundo fator de autenticação para se logar no seu computador. Além disso, Bordini realiza uma série de experiências na área de segurança com seus biochips. Um dos testes consistiu em desenvolver um dispositivo que consegue capturar os dados de acesso em crachás RFID ao encostar neles, e depois é possível repassá-los para dentro do seu biochip. “Eu poderia entrar na empresa como se fosse a pessoa”, comenta. Em outro teste de segurança, Bordini carregou seu biochip com um código malicioso escondido em uma página com seu currículo. Se lido por um celular, enquanto a página estiver carregada Bordini consegue ter acesso ao telefone em questão.

Outro funcionário da New Space que aderiu aos biochips é o analista de segurança Raul Cândido. Sua monografia de final de curso na faculdade foi sobre essa tecnologia. Ele tem um chip com RFID e NFC na mão, que já carregou com os mais diversos conteúdos. “Primeiro carreguei um poema do Augusto dos Anjos. Depois troquei pelo meu cartão de visitas. Em seguida botei o trecho de um livro de um amigo, Fábio Fernandes, autor de ficção científica. Hoje, o chip está com meus contatos de novo. É um bom motivo para puxar assunto com as pessoas”, relata.