A gamificação é uma questão a ser tratada quando inserida nas aplicações em que se pratica o trabalho plataformizado (ou trabalho por aplicativo) por ser utilizada como uma técnica de gestão. O uso de elementos de jogos – pontos, rankings, recompensas, metas, feedbacks instantâneos – acabam se transformando em efeitos jurídicos e sociais que moldam a relação entre plataformas e motoristas e entregadores, explicou Viviane Vidigal de Castro, professora da Unicamp e coordenadora do núcleo temático em Sociologia da Escola Superior de Advocacia, durante sua fala na audiência pública na Comissão especial sobre regulamentação dos trabalhadores por app, que debate sobre o PLP 152/25 na Câmara dos Deputados.

“Sabemos que não vamos regular o jogo [a gamificação], mas os efeitos jurídicos e sociais da gamificação, que é trazida como uma forma de gestão porque nós temos coleta e tratamento massivo de dados pessoais; monitoramento de desempenho; vigilância constante; indução comportamental; manipulação emocional; risco de discriminação algorítmica; vícios de consentimento; formas sutis de subordinação com controle algorítmico; e remuneração variável, opaca e baseada em desempenho gamificado”, enumerou em sua fala.

Transparência algorítmica

trabalho plataformizado

Viviane Vidigal de Castro, professora da Unicamp e coordenadora do núcleo temático em Sociologia da Escola Superior de Advocacia. Crédito: reprodução de vídeo

“A gente percebe um sistema em que o pagamento é feito com base em percentuais flutuantes, mas que, na prática, acaba sendo opaco. O trabalhador não sabe como o cálculo é feito. E o modo como o valor é calculado deve ser transparente para todas as partes envolvidas nessa relação trabalhista, com a transparência dos algoritmos que estruturam essas dinâmicas”, complementou.

Castro enalteceu a transparência exigida pelo PLP para determinados pontos, mas acredita que ela deveria ir além para poder mexer na estrutura gamificada das plataformas, como a proibição de recompensas enganosas, de metas inatingíveis e abusivas, até porque “pode acabar configurando em assédio organizacional, uma violação à intimidade”, exemplificou.

Castro também comentou que os trabalhadores recebem pingado e não com uma frequência determinada, o que gera angústia. “Se sou bloqueada, sei que sou bloqueada. E se sou expulsa, sei que sou expulsa, mas a plataforma resolve me punir de outra forma porque me expressei publicamente de uma forma que ela foi contrariada”, exemplifica. “E, naquele determinado dia, recebo uma corrida de R$ 10. Em outro dia, não recebo. No outro dia, ganho o valor de duas corridas, cada uma de R$ 5”, disse. “Se estou suspensa, busco alternativa, vou ao judiciário. Mas aqui não sei muito bem o que acontece. Isso acaba colocando o trabalhador em uma posição de extrema vulnerabilidade, que impacta sua saúde mental, impacta o seu bem-estar. Isso precisa ser regulado”, afirmou.

A transparência algorítmica é um pressuposto para esses direitos, já que a informação é necessária para a regulação.

Números do trabalho plataformizado

Outra participante da audiência foi Nívea Maria Santos Souto Maior, doutora em direito pela UFPE, que apresentou alguns números que coletou durante seu doutorado. A especialista também sugeriu que se criasse uma nova categoria de trabalhadores.

Entre 2015 e fevereiro de 2025, o Congresso Nacional viu tramitar 177 projetos de lei sobre trabalhadores por aplicativo. O relator do PL 152/25, Augusto Coutinho (Republicanos-PE), apensou todos eles, de modo que tramitam conjuntamente.

“Isso concentrará esforços e coletivamente se chegará mais rápido a uma aprovação legislativa”, comentou.

De acordo com sua pesquisa de doutorado, dos 177 PLs, somente 8% apoiam a adesão à CLT e a maioria evoca a figura do atípico ou autônomo.

No entanto, a especialista reforçou que o trabalho plataformizado está espraiado e 25% são de outros setores que não de motoristas e entregadores, como plataformas voltadas a serviços em geral. “O artigo 6º do PL não deveria engessar a natureza dessa relação como trabalho autônomo. Existem mais de 1,5 mil plataformas digitais de serviço e cada uma delas com seus modus operandi”, explicou.

Souto Maior sugeriu uma nova categoria para esses plataformizados. “Essa classe espera há mais de 10 anos o reconhecimento como classe perante o estado. É chegada a hora. Sugiro que o mais adequado seria estipular uma nova figura, uma figura equiparada, atípica, um instituto profissional específico para a categoria dos plataformizados. São setores de manicure até goleiro de aluguel, setores de beleza, empacotadores, e até no setor jurídico existem plataformas digitais gerenciando essa força de trabalho”, disse.

Em sua pesquisa, a especialista também avaliou a legislação de 19 países, entre eles, três da América Latina. Do total, a maioria considera como relação empregatícia ou como figura atípica.

Autônomo não tem direitos; contradições do PLP 152

trabalho plataformizado

Nívea Maria Santos Souto Maior, doutora em direito pela UFPE. Crédito: reprodução de vídeo

No entanto, o trabalhador autônomo não tem direitos essenciais por conta de uma outra lei, a de Benefícios da Previdência Social. Em seu artigo 18, contribuintes individuais estão legalmente proibidos de receber auxílio acidente, por exemplo.

“O PL 152/25 é uma contradição por conta dos artigos 11 e 13. Não é possível catalogar essa categoria como contribuintes individuais, trabalhadores autônomos e, no artigo 3º, prever uma alíquota de seguro de acidentes de trabalho para empresas de plataforma. Essa contribuição é tipicamente para a folha salarial e quem recebe salário é empregado”, explica Souto Maior.

A especialista contou ainda que 60% dos motoristas e entregadores (ou trabalhadores plataformizados) têm chances de sofrer um acidente ou terem uma doença em decorrência de seus trabalhos; de cada dez trabalhadores, três têm insegurança alimentar; e 90% não possuem planos de saúde.

“Esses custos recaem sobre a sociedade, sobre nós, menos sobre as plataformas”, lembrou. “Isso significa que esses trabalhadores não estão pela previdência social, mas assistência social. Caso a redação seja aprovada do jeito que está, haverá desconto da alíquota SAT Seguro de Acidente de Trabalho, mas os trabalhadores não serão beneficiados pelo auxílio acidente”, resumiu.

 

*********************************

Receba gratuitamente a newsletter do Mobile Time e fique bem informado sobre tecnologia móvel e negócios. Cadastre-se aqui!

E siga o canal do Mobile Time no WhatsApp!