A semana começou agitada com a notícia da compra da Nextel por US$ 905 milhões pela América Móvil, grupo mexicano que controla a Claro, Embratel e Net no Brasil. A transação tem como objetivo a captura da base pós-paga da operação da Nextel, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas a questão principal é o espectro. Como o fortalecimento da AMX na capacidade móvel, a empresa visa as ofertas convergentes com os serviços fixos da Net. Para as concorrentes Vivo, Oi e TIM, restam diferentes estágios de competição para dar o troco. Além disso, na análise de fontes do mercado ouvidas por este noticiário, a companhia do bilionário Carlos Slim estaria aproveitando uma oportunidade de investimento, mas também mostrando mais uma vez que não quer um leilão de 5G para tão cedo.

“O Slim foi Slim, ele viu o negócio sangrando e foi para cima”, disse uma fonte em condição de anonimato. A avaliação é que a América Móvil observou a queda no preço das ações da Nextel, bem como o momento de vencimento da dívida, que deixaria a empresa em vias de entrar em uma recuperação judicial no Brasil se não conseguisse ser vendida. E ganhando mais espectro com a aquisição, a AMX também estaria “procrastinando o leilão” de 5G da Anatel, previsto para março de 2020 – na quinta-feira, a agência incluiu na agenda regulatória do biênio 2019/2020 a possibilidade de mais frequências no mesmo certame, incluindo ondas milimétricas. A própria iminência do certame foi citada pela controladora da Nextel, a Nii Holdings, como um dos motivos para a venda.

Assim, o grupo mexicano observou a oportunidade de se fortalecer na móvel, mas de olho na convergência. “Não ache que ela está fazendo isso só para o serviço móvel, quem está sob pressão é a Net. A Vivo e os players regionais estão ganhando fibra, e como ela se defende? Com capacidade na móvel”, explicou a fonte de mercado, referindo-se à possibilidade de oferecer mais 4G para o usuário, enquanto o levaria também para o serviço fixo.

O entendimento é que a Vivo já conta com bastante espectro em São Paulo e no Rio, onde a estratégia tem se focado mais no serviço fixo em fibra, avançando nesse mercado de maior retorno de receita. Por isso, não seria a mais afetada.

Já para a TIM, a incorporação da Nextel pela Claro poderia ser mais preocupante. A operadora estaria agora mais pressionada a decidir se pretende permanecer na móvel “e ficar refém de fusões e aquisições de espectro dos outros; e de um eventual leilão 5G”, ou se iria enfim procurar avançar na estratégia no serviço fixo. A companhia adquiriu em 2011 a rede ótica da AES Atimus, o que a permitiu preparar o backhaul para 4G e aproveitar a infraestrutura para oferecer a banda larga FTTx da TIM Live, mas desde então não promoveu outras aquisições do porte. “Tem a Copel Telecom, tem a Sumicity, que acabou de ser comprada; tem a Alô Telecom. Tem um monte dessas empresas que têm telefonia fixa, mas têm fibra”, afirma fonte do mercado. “A movimentação de Slim coloca mais pressão nela, mas ainda há alternativas, tem tempo ainda”, declara. “Mas se a TIM quiser continuar a só ter a Atimus e comprar mais espectro, boa sorte.”

O impacto na Oi, por outro lado, seria diferente, uma vez que a companhia não teria condições mesmo de comprar a Nextel: o mercado móvel exige maior capital de giro, e seria necessário um fôlego que a companhia ainda não tem, mesmo após o aumento de capital no contexto da recuperação judicial. Mas a transação também pressiona a empresa a selecionar os investimentos em direção à convergência. “Se eu fosse a Oi, não gastaria mais um centavo na móvel, colocaria tudo na fibra. Uma vez que você conecta o cliente na fibra, ele é teu por um prazo longuíssimo”, avalia. Outra opção, sugere a fonte, seria a de vender o espectro em São Paulo para a TIM, passando a atuar na região apenas como uma operadora móvel virtual (MVNO). Com isso, poderia passar a investir na infraestrutura ótica.

Impacto em pós

A analista do Itaú BBA, Susana Salaru, entende que, além das faixas de 1,8 GHz e 2,1 GHz (além da frequência de 800 MHz, embora ainda não esteja sendo utilizada para LTE), o principal ativo da Nextel é a base pós-paga, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.

No caso paulista, há uma possibilidade de mexer com a dinâmica da líder, a Vivo, que tem participação de 36% no mercado e seria a “maior prejudicada” com a transação. A Claro tem 25%, enquanto a TIM conta com 24%, e a Nextel, 3,1%. “Mas se for analisar o market share em pós-pago em São Paulo, isso muda: a Vivo tem 41%, a Claro 26%, a TIM 18%, e a Nextel, 5%. Comprando a Nextel, a Claro reforça o posicionamento em São Paulo, e a Vivo passa a ter um competidor mais robusto”, declara Salaru. “Acho que vai ficar mais difícil atrair novo cliente, o custo de aquisição em pós vai ficar mais alto.”

No Rio de Janeiro, a Nextel também tem uma presença ainda mais significativa. Em geral, o mercado de pós-pago fica dividido em 33% para a Vivo, 25% para a Claro, 15% para a TIM,  14% para a Nextel e 10% para a Oi. “Junto com a Nextel, a Claro fará frente à Oi de forma mais robusta e aumentará a concorrência”, declara a analista, ressaltando que a estratégia da Oi ainda é primariamente em pré-pago, apesar de ter procurado fortalecer a base pós.

Para a analista, a TIM perdeu oportunidade de aumentar a participação em São Paulo ao não comprar a Nextel, mas não teria sido “diretamente impactada”. Por outro lado, entende que a Telecom Italia teria problemas para executar um investimento deste porte, uma vez que a TIM Brasil não poderia abrir mão de caixa a ser consolidado pela controladora.

Acordos Vivo/Nextel

A impressão do mercado, segundo as pessoas consultadas por este noticiário, é que os acordos de roaming e compartilhamento de espectro entre a Vivo e a Nextel deverão ser mantidos após a aquisição da América Móvil. Ao final desses contratos, o tráfego seria migrado para a rede da Claro normalmente. Uma judicialização poderia ser prejudicial para a prestação do serviço e acabar sendo onerosa para o grupo mexicano. “Não tem razão para não continuar. Talvez tenha alguma repactuação do valor, mas acho que RAN Sharing é bom para todas as operadoras, elas não querem ter de construir rede sobreposta. Do ponto de vista operacional, faz sentido em continuarem a dividir a rede”, analisa Susana Salaru.