A chegada de novos meios de pagamentos usando o smartphone ou mesmo outros aparelhos conectados, como carros e geladeiras, não são uma ameaça para a indústria financeira. Na opinião de executivos de bancos reunidos em painel sobre o tema na Ciab, nesta quarta-feira, 22, em São Paulo, não se pode confundir a chegada de novas tecnologias com a necessidade de uma mudança no modelo de negócios do setor de pagamentos.

"Não vejo (a chegada dessas novas tecnologias) como uma ameaça estrutural. Por trás de uma compra com cartão de crédito ou de débito, mesmo que seja de valor baixo, há uma infraestrutura complexa que o consumidor não vê. São redes de aceitaççao, garantias, alocação de capital, redes de distribuição, tecnologia de segurança, interoperabildiade em nível mundial etc. Não podemos confundir a chegada de novos devices com a mudança do modelo de negócios", disse Raul Moreira, vice-presidente de negócios de varejo do Banco do Brasil. Ou seja, por mais que surjam novos devices para pagamentos por cartão de crédito ou débito, seja uma pulseira ou um automóvel, continuará sendo necessária toda essa estrutura por trás para viabilizar a operação.

"O cartão é a ponta do iceberg de todo um processo. O consumidor pode ter uma conta e acessá-la de devices diferentes. Ou várias contas em vários devices. Não tenho certeza se será conveniente pagar o leite pela geladeira, só o tempo dirá. Mas vamos criar capacidade para isso", completou Marcelo Noronha, presidente da Abecs e vice-presidente do Bradesco.

O presidente da Elo Serviços, Eduardo Chedid, reconhece que o celular terá um papel cada vez mais central na indústria de pagamentos, mas acha dificil o cartão de plástico desaparecer no curto prazo, pois isso demandaria uma mudança cultural muito grande. Quanto à integração da Internet das Coisas com a indústria de pagamentos, o executivo revela uma preocupação em relação à segurança: "Somos uma indústria acostumada a garantir segurança em poucos devices. No caso dos cartões, precisamos garantir que sejam produzidos de forma segura e que sejam utilizados de maneira segura. Em um cenário com IoT em que isso explode para 50 bilhões de aparelhos, precisaremos continuar garantindo segurança e experiência de uso. É aí que a indústria precisa evoluir".

Apple Pay

Sobre o Apple Pay, serviço de pagamento por aproximação com iPhones, o presidente da Elo admite que sua facilidade de uso chacoalhou o mercado. Porém, entende que o Apple Pay ainda não decolou nos EUA porque falta um parque amplo de terminais que aceitem NFC nas lojas. "Não basta focar na experiência, tem que ser relevante ao longo da jornada diária do usuário", comentou. Em outras palavras: não é suficiente funcionar em uma ou outra compra, tem que estar disponível em qualquer lugar. No Brasil o problema é outro. Ao contrário dos EUA, o Brasil tem uma enorme base de terminais de POS que aceitam NFC, a segunda maior do mundo, atrás apenas da China, mas a penetração de iPhones é pequena, abaixo de 5% – nos EUA chega a 40%.

Segundo fontes do mercado, um dos motivos para o Apple Pay ainda não ter sido lançado no Brasil é a exigência da Apple em ficar com uma participação sobre as vendas feitas com seu serviço. Mas seu concorrente Samsung Pay deve chegar a tempo das Olimpíadas, porque a fabricante sul-coreana não vai cobrar nada dos bancos, conforme adiantou MOBILE TIME no mês passado.

Moreira, do Banco do Brasil, enxerga que há grande oportunidade para o pagamento por aproximação substituir o dinheiro nas compras de baixo valor. "O Brasil ainda tem a cultura de utilização do papel moeda para compras até R$ 10", comentou. Vale lembrar que o Banco do Brasil estará dentro do Samsung Pay mas tem também seu próprio serviço de pagamento por aproximação, através do app do Ourocard para Android, que já está funcionando.

Números do mercado

O uso de cartões de crédito e de débito vem crescendo continuamente no Brasil. No primeiro trimestre deste ano foram transacionados R$ 270 bilhões por esses meios de pagamento, o que representa um aumento de 7,2% em relação ao mesmo período de 2015, quando foram movimentados R$ 251 bilhões. Estima-se que 28,4% do consumo das familias brasileiras aconteceu através de cartões entre janeiro e março deste ano. Para efeito de comparação, essa participação supera 40% nos EUA.

O avanço dos cartões e o declínio dos cheques ficam mais claros quando se analisa um período mais longo. No primeiro trimestre de 2007, o volume transacionado por cartões no Brasil foi de R$ 57 bilhões. Ou seja, em nove anos o crescimento foi de 370%. Já o volume transacionado em cheques no País caiu 12,2% no mesmo intervalo, passando de R$ 243 bilhões para R$ 213 bilhões.