A entrada de novas tecnologias no universo do trabalho é um tema cada vez mais em voga nos dias atuais. A realidade da aplicação de inteligência artificial, aprendizado de máquina, robótica avançada e genética já começa a interferir no nosso dia a dia a ponto de nos questionarmos se os nossos empregos estão ameaçados. No entanto, essa conversa ainda está nos primeiros passos no Brasil.

“O mundo começou a falar de indústria 4.0 (automação e inteligência artificial na manufatura) em 2014. No governo ninguém sabia nada. Então conversamos com o setor privado, e ficamos chocados. Tirando multinacionais, a maioria não conhecia ou considerava ‘modinha’”, disse Marcos Vinícius de Souza, secretário de inovação do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio. “Tirando poucas companhias que são multinacionais ou estão na ponta de seus setores, nós vimos o desconhecimento dos empresários sobre o potencial de impacto geraria agora, não daqui a 20 anos”.

O problema do atraso de uma discussão por parte dos brasileiros – considerando todo o ecossistema com empresas privadas e governo – também foi levantado por Patrícia Ellen, sócia da McKinsey & Company no Brasil e coordenadora do consórcio técnico do Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT). Para a executiva, as conversas realizadas sobre o futuro do emprego no Brasil estão 20 anos atrás de Europa, Estados Unidos e Ásia.

“Eu sinto esse atraso aqui. O tema sobre o futuro do trabalho só pegou esse ano no Brasil. A sensação é que estou no filme ‘De volta para o futuro’, mas na versão em que o filme acontece no passado”, disse Ellen. “Aqui falamos sobre os próximos 20 anos, e lá fora isto é realidade em Davos (Fórum Econômico Mundial)”.

José Carlos Cavalcanti, sócio-fundador da Criativante e professor da UFPE, acredita que falta uma discussão de narrativa para o Brasil. Para ele, o atraso no desenvolvimento de um projeto de estratégia nacional dificulta o  entendimento do Brasil e dos brasileiros ante o resto do mundo. Já para Eduardo Magrani, professor de direito digital na FGV, outro problema é o fato de a capacitação não acompanhar o mesmo passo da tecnologia, além de não entendermos as soluções que temos em mãos nos dias atuais.

Educação

Pelo lado da indústria, Victor Teles, gerente executivo da multinacional alemã Festo, acredita que tanto as indústrias como os profissionais devem mudar de comportamento. As companhias devem focar em mais individualização e customização dos seus consumidores. Os trabalhadores, por sua vez, precisam se adaptar às mudanças da indústria. Como exemplo, ele explicou que está trabalhando junto à CNI para mudar a grade dos estudantes de engenharia com foco nas necessidades do setor no futuro.

Para o secretário do MDIC, o problema de capacitação do trabalhador pode ser resolvido com a inserção de matérias socioemocionais nas escolas. Citou como exemplo um projeto piloto feito pelo MDIC com o MEC no Pronatec, programa nacional do ensino técnico. Eles reduziram a evasão de 70% para 20% após a inclusão das matérias socioemocionais na grade de cursos técnicos. Para criar o projeto, que teve apoio do Instituto ProA, Souza usou como base um estudo apresentado no Fórum Econômico Mundial em 2016. O documento revelou a necessidade das 380 maiores empresas do mundo de encontrarem funcionários com este tipo de capacidade para desenvolverem o seu futuro.

Homens x Robôs

Com a aceleração da tecnologia no setor, um outro ponto foi levantado na discussão: a velocidade que as máquinas vão substituir os homens em âmbito mundial. Para Fábio Maia, líder de engenharia de sistemas avançados do CESAR, faltam pelo menos 33 anos para isto acontecer, em especial pela distância entre a capacidade de processamento e armazenamento de informações que um cérebro tem ante as máquinas.

“O cérebro humano tem capacidade de 1 exaflop. Um smartphone top está em 1 GB, três ordens de grandeza abaixo. Se você pegar o maior supercomputador, um chinês com 40 mil processadores risks, ele tem pico de 97 petaflops. Até 2020 deve chegar a exaflops. Mas ele consome 100 MHW. Para chegar em 1 exa de processamento seria preciso 1 GhW, o equivalente à cidade de São Paulo. Ou seja, isso não vai tirar meu sono. Não tem como isso disputar com o nosso cérebro”, explicou Maia. “Para os robôs chegarem na escala humana, isso só deve acontecer em 2050. Por outro lado, você já tem várias iniciativas em inteligência artificial, aprendizado de máquina, linguagem natural e reconhecimento de imagem, sendo que IA é a mais avançada. Então existem motivos para preocupação”.

Mesmo com a inteligência artificial avançando a cada instante nas novas vidas e nos negócios, como os chatbots, Patricia Ellen ressaltou que o impacto não deve ser tão forte no todo, mas afetará mais as funções de trabalho operacional. Ela lembrou-se do estudo da McKinsey feito no começo do ano que revelou que 55% das profissões vão ser automatizadas, mas apenas 5% dos empregos vão sumir.

“A mudança para as novas tecnologias vai se concentrar em alguns lugares, como postos operacionais”, explicou Ellen. “Essa grande confusão é uma oportunidade para nós tentarmos resgatar a nossa humanidade. A tecnologia pregou uma peça na gente. Mesmo sem querer a gente está se integrando e isso acontecerá mais rapidamente daqui em diante”.