Ao longo desta semana, Brasília sediou debates sobre as políticas públicas voltadas para data centers, ouvindo o ponto de vista de quem está à frente da infraestrutura, saindo da teoria, e agregando cases e dados. A visão geral é de otimismo em relação aos planos do governo e do Legislativo de atrair investimentos, mas desde que não se perca a janela de oportunidade de desenvolvimento de sistemas de IA e a regulação não seja um obstáculo. 

Marcos Peigo, cofundador e CEO da Scala Data Centers, destacou que a estratégia do governo pode suprir demanda gerada por assimetria implementada no setor energético. “Se todos os projetos que estão em andamento pelos incentivos que foram dados nos últimos anos para criação de energia limpa e renovável forem executados até o fim, no final de 2026 a gente tem 6 GW sem cliente para consumir”, disse, durante painel no 5º Congresso Brasileiro de Internet, promovido pela Abranet. 

Há também outros números estimados nos Plano Decenais de Expansão de Energia elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). Estima-se uma expansão de aproximadamente 11,8 GW para a fonte eólica e de 7 GW para a fonte solar-fotovoltaica em 2026. A mais recente projeção calculada aponta um acréscimo total – do ano 2024 a 2034 – de aproximadamente 55 GW,  dos quais cerca de 45% da capacidade instalada seria composta por fontes renováveis, incluindo eólica e solar. 

Falar das estimativas de fontes renováveis é importante porque é a medida utilizada para analisar a capacidade dos data centers. O Plano do EPE dá destaque a dados da IEA (Agência Internacional de Energia) que apontam que enquanto uma busca no Google consome 0,3 watt-hora de eletricidade, uma solicitação ao ChatGPT consome 2,9 watt-horas, ou seja, cerca de 10 vezes mais energia. Portanto, processos de treinamento e aplicação de modelos de IA exigem ampla capacidade e é aí que entra o que o governo e o setor entendem que é a vantagem do Brasil. 

“Cerca de 30% das cargas de IA podem rodar em qualquer lugar do mundo. Então, a gente passa a ser aqui um competidor global”, afirmou Peigo, lembrando que algumas da grandes empresas internacionais têm compromissos públicos de sustentabilidade e de carbono zero nos próximos anos. 

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Marcos Peigo, cofundador e CEO da Scala Data Centers, no no 5º Congresso Brasileiro de Internet | Foto: Paulo Victor Lago

O governo entende que a política de data centers poderia atrair R$ 2 trilhões. Atualmente, há críticas por parte de entidades da sociedade civil sobre qual seria a base de cálculo. O Estado ainda não apresentou a referência dos números. Já o mercado anuncia parâmetros com base em suas expectativas.

“[Pelas próximas décadas], só a Scala AI City – região de data centers da empresa – representa cerca de US$ 50 bilhões de investimentos nossos. Você multiplica isso por 2 a 3 naquilo que o meu cliente investe, multiplica por mais 2 a 3 conforme o ecossistema, infraestrutura, sistema… [seriam] US$ 250 bilhões de investimento direto”, disse o CEO.

Para isso, defende-se uma regulação favorável. O CEO da Scala Data Center possui visão semelhante à do diretor geral da AWS Brasil para o setor público, Paulo Cunha, que reforçou a necessidade das desonerações serem aplicadas também ao âmbito estadual, para além do federal, o que fica garantido na Medida Provisória em fase de finalização no governo. Peigo acredita que os governadores “vão abraçar” a medida por viabilizar uma receita que antes não tinham.

Por outro lado, eles também compartilham a preocupação com a segurança jurídica das operações. Cunha, da AWS, citou a regulação de IA. Peigo, da Scala, foi além, chamando atenção também para a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). 

“A gente não pode ter a LGPD se aplicando a um dado que não é nosso. A LGPD foi criada com o conceito de proteger os dados brasileiros e proteger os agentes brasileiros que tratam informação. Então, a visão do Brasil ser um hub global passa por ser um hub isento, neutro, que permite que dados internacionais possam vir para cá, ser processados aqui e devolver informação para mercados internacionais. A gente não tá advogando de forma alguma que ‘O gringo vem aqui, explora aqui, consome aqui, gera receita aqui’. Não é isso. É trazer o dado dele, que não era nosso, processar aqui e devolver a ele”, exemplificou. 

Transferência de dados

No Legislativo, outros representantes do setor de data centers participaram de audiência pública também nesta semana, desta vez, dividindo a mesa de debate com a ANPD, representada pela diretora Míriam Wimmer. Na ocasião, ela destacou que já há um normativo aprovado pela autoridade especificamente para transferência de dados internacionais, observando diretrizes de interoperabilidade, como “cláusulas-padrão” contratuais recomendadas por organismos internacionais. Trata-se da Resolução CD/ANPD nº 19/2024, que entra em vigor em agosto deste ano. 

“É claro que quando falamos de um ecossistema digital, estamos falando também de um ambiente essencialmente transnacional, em que há fluxo de dados provenientes de outros países e também dados que saem do Brasil em direção a outras nações. […] A gente busca simplificar e descomplicar os fluxos globais de dados, criar mecanismos que sejam simples, interoperáveis, que dialogam com os sistemas jurídicos de outros países. […] Estamos à disposição para continuar dialogando”, afirmou Wimmer. 

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Debate sobre data centers no Senado | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Ocorre que o Legislativo segue discutindo novas mudanças na lei, por isso a preocupação com regras que ainda podem ser implementadas. A audiência pública desta semana, por exemplo, foi para discutir o PL 3018/2024, que aguarda análise da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara,  que propõe um marco legal de data centers especificamente voltados para inteligência artificial. A recomendação apresentada pela diretora da ANPD foi a atenção aos termos que já estão previstos na LGPD, para que não ocorra insegurança jurídica. 

Gleysson Araújo, CEO da Everest Digital destacou que a política pública em construção, aliada ao projeto de lei, podem contribuir para o ambiente favorável de investimentos, desde que deixe regras claras. 

A proposta estabelece entre as obrigações “auditorias energéticas periódicas para identificar oportunidades de redução de consumo de energia”. Para ele, é preciso deixar métricas pré-definidas e sugere que sejam graduais, para transformar a fonte em renovável dentro dos próximos dez anos.

Fomento à pesquisa

Espera-se que a política e a lei a ser implementada no Brasil voltada para data centers vincule desonerações ao investimento em pesquisas em ciência e tecnologia. Araújo entende que esse ponto não pode ficar para trás. 

“Precisamos fomentar junto ao crescimento de data centers no Brasil a pesquisa e desenvolvimento aqui no nosso país. Se esse investimento vier de fora, não tem problema, mas que também deixe um legado de pesquisa e desenvolvimento nas universidades e instituições de ensino, senão seremos uma colônia digital”, afirmou.

Araújo também chama atenção para a necessidade de descentralizar as instalações. “Há regiões com energia em abundância e também temos regiões com colapso de energia ou um consumo maior”, disse.  

A Everest, especificamente, instalou data center em Goiás. “Sabemos da dificuldade de subir essa robustez de uma infraestrutura responsável.  Hoje nós colocamos em Goiás um data center que tem certificações respeitadas internacionalmente, porque é importante para grandes empresas, por exemplo, empresas que estão buscando inovação e querendo empenhar desenvolvimento em inteligência artificial”, disse. 

Renan Lima Alves, presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), acrescentou que a exploração de novas regiões vem sendo implementada com infraestrutura de borda.

“Hoje realmente grande parte dos data centers estão localizados no Sudeste, mas a gente tem agora um movimento que […]  eu não diria que é descentralização, mas é a combinação de data centers de pequeno, médio e grande porte, que vão trazendo valor agregado para toda a nação”, afirma.

Sobre a atração de empresas de fora, ele reforça a visão de outros atores do setor de que o “o mercado só vem para o Brasil em função da nossa energia renovável […] As empresas e operadores de data center só conversam se tiver garantia de disponibilidade energética”. 

Também em consonância com os demais, Alves entende que um dos pontos mais importantes será a agilidade. “Tem que aproveitar o timing”, concluiu.

 

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