O decreto presidencial que aprovou o Plano Nacional de Internet das Coisas (PNIoT) foi visto como positivo pelos representantes da indústria, mas demanda discussão em temas espinhosos, como a tributação via Fistel. Mobile Time ouviu seis representantes de diferentes segmentos do mercado, como provedores de rede, dispositivos conectados, analista de mercado e representantes de associações empresariais, sobre o texto que foi publicado no Diário Oficial da União nesta quarta-feira, 26.

Para o presidente da Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc), Flávio Maeda, a publicação do Plano de IoT cria um “momento positivo”, pois habilita o crescimento do setor e de suas soluções, como as redes LoRa e Sigfox, além de dar um arcabouço jurídico.

Maeda vê também como um “avanço” a entrada do Plano Nacional de Internet das Coisas na agenda de Transformação Digital do governo: “Era algo que ninguém estava esperando, mas faz sentido, pois essas coisas precisam estar conectadas. Ainda mais pelo PNIoT ser uma iniciativa interministerial”.

Olhando pela ótica de alguém fora do mercado brasileiro, o diretor da Cámara Argentina de Internet (Cabase), Anthony Harris, explica que, em sua visão “qualquer coisa do governo que promova inovação é algo positivo”. Frisou também que o Plano de IoT é algo que ainda não existe na Argentina, mas que desejam implementar algo similar em 2020, após as eleições presidenciais.

SVA

Sobre a IoT ser classificado como serviço de valor agregado (SVA), o coordenador do Comitê de IoT da Abes e representante da entidade na Câmara de IoT do MCTIC, Werter Padilha, acredita que essa classificação faz sentido para o formato de negócios pelo qual as empresas caminham.

“Eu sempre vi a IoT como um serviço pelo seguinte contexto: tudo caminha para Opex e para serviço. É uma tendência do mercado, ninguém quer ter nada comprado, todos querem usar mais serviço”, disse Padilha. “Mesmo eu, como empresário [Padilha também é CEO e fundador da Taggen], escuto do mercado que ele não quer comprar nada e ofereço soluções de acordo com os interesses das companhias”.

O ponto do representante da Abes também é defendido por Harris, da Cabase. O especialista argentino disse que um dos poucos projetos com IoT na Argentina, a instalação de 100 mil luminárias inteligentes em Buenos Aires, foi feito no formato de ‘as a service’. Para ele, o fato de a IoT ser vendido como serviço torna mais acessível o desenvolvimento de ações no setor. Em especial nos países que passam por sérios problemas financeiros e restrições de orçamento, como Argentina e Brasil.

Fistel e tributação

Por outro lado, o gerente geral da Frost & Sullivan no Brasil, Renato Pasquini, vê com ressalvas o fato de haver cobrança reduzida do Fistel. O executivo acredita que isso pode causar entrave no desenvolvimento da IoT no Brasil, em especial com projetos de empresas multinacionais.

“A aprovação do plano mostra que o governo tenta fazer uma promoção do setor. Mas me preocupa a tributação. Pode incidir Fistel em todas as comunicações, ainda que reduzido”, disse Pasquini. “Isso pode virar um problema depois, como, por exemplo, em projetos globais de IoT. Fica difícil para o provedor de solução explicar para o seu cliente a tributação habitual e mais o Fistel”.

Vale frisar: mesmo sendo uma infraestrutura de SVA que não é obrigado a pagar Fistel por não ser um serviço de Telecom, o fato de um dispositivo IoT ter conectividade paga, como um sensor com SIMCard, exige a cobrança do fundo. Desse modo, a IoT pode ganhar mais espaço em operadoras alternativas, com redes não licenciadas, ante operadoras com o espectro licenciado.

Pasquini acredita ser essencial para o PNIoT a pluralidade na Câmara e no Observatório de IoT. Não apenas com os representantes dos ministérios, mas também com os parceiros da indústria por meio de associações como Abes, Brasscom, Abinc, Abinee e Auriside.

Anatel

Sobre a regulação da IoT ficar a cargo da Anatel, Padilha vê com naturalidade que a agência seja responsável por acompanhar o setor de perto, uma vez que já acompanhavam com consultas públicas e mesmo a homologação e certificação de dispositivos. Contudo, o coordenador do Comitê de IoT da Abes pede mais atenção ao formato de aprovação dos dispositivos de IoT: “A questão é como a Anatel suportará os padrões para diversos tipos de devices, e como será o processo de homologação. Será lento? Isso não pode ocorrer, pois esse setor é muito acelerado. Um dispositivo pode virar obsoleto (se não for aprovado em tempo hábil)”.

Por sua vez, Pasquini lembrou que há outros desafios para a agência reguladora que não ficaram claros no decreto desta quarta, como as atribuições em leis de antenas, radiofrequência e espectro não licenciado e financiamento dos projetos, por exemplo. Em sua visão, o PNIoT é um bom começo, mas precisa de outros regulamentos para fomentar o mercado.

“Muitas dessas atribuições, o setor privado vai definir. Mas tem muita coisa que o governo pode ajudar a viabilizar”, completou o executivo da Frost & Sullivan, em conversa com Mobile Time. “É preciso um plano estratégico mais detalhado para o setor”.

Investimentos

Embora o plano seja visto como ponto primordial para o desenvolvimento da IoT no Brasil, os executivos do setor afirmam que não estavam parados. Eduardo Iha, diretor de novos negócios da WND Brasil, vê a aprovação da IoT como uma “chancela” de um desenvolvimento do setor. Além de ser uma pauta perene, que sobreviveu a três governos. Mas recordou que a Internet das Coisas já era uma demanda constante das empresas, principalmente para redução de custos. Cita como exemplo, o crescimento de 1 para 7 milhões a quantidade de mensagens transacionadas na rede de sua operadora, dedicada a IoT.

Daniel Laper, gerente de desenvolvimento de novos negócios na American Tower, vê o Plano Nacional de IoT na “direção correta” e como uma “ampla abertura de oportunidades” para firmas do setor. Contudo, o executivo disse que existia iniciativas de Internet das Coisas no Brasil, inclusive vindas do governo, como investimento do Finep e BNDES. Para ele, o principal avanço é no arcabouço que o decreto traz.

“A vantagem do Plano Nacional de IoT é que começamos a virar referência no exterior. Isso mostra que não estamos atrás”, disse Laper. “A cadeia da IoT no Brasil é ampla. É importante termos iniciativas, de forma que ajude a influenciar diretamente e indiretamente o setor”.