Na semana passada, a FCC, comissão que regula as telecomunicações nos EUA, decidiu que o serviço de Internet, naquele país, não é um serviço público essencial, mas sim de interesse privado. Isso pode ocasionar no futuro, entre outros efeitos, o fim da neutralidade de rede, com as operadoras eventualmente cobrando pelo tráfego gerado pelos provedores de conteúdo (Google, Netflix, Facebook etc). A decisão norte-americana deve gerar impactos no Brasil de ordem político-regulatória, econômica e jurídica, aponta o advogado especialista em direito digital Rafael Pellon, do escritório FAS Advogados.

Para entender tais impactos é preciso lembrar, antes de mais nada, que a topografia da Internet é toda interligada. O consumidor brasileiro, por exemplo, consome muito conteúdo de sites que estão hospedados no exterior, como Facebook, YouTube e Netflix. "Com tantos serviços hospedados nos EUA, qualquer mudança regulatória lá afeta o mundo inteiro", comenta. Se por acaso as operadoras norte-americanas decidirem cobrar dos provedores de conteúdo uma taxa pelo uso da sua infraestrutura, uma das consequências será o investimento em data centers e redes de distribuição de conteúdo (CDNs, na sigla em inglês) locais, prevê Pellon. Ou seja, para garantir uma boa qualidade de seus serviços no Brasil e em vários outros países do mundo, os principais provedores provavelmente investiriam em infraestrutura local, para dependerem menos dos acordos com as operadoras. Outra possível consequência é a valorização de players locais de Internet, reduzindo o protagonismo norte-americano.

Outro efeito, este de ordem político-regulatória, é uma rediscussão do Marco Civil da Internet, no âmbito do Congresso Nacional, prevê o advogado. "O Marco Civil foi aprovado de maneira emocional, por causa do escândalo do Snowden e da espionagem de líderes internacionais, incluindo a ex-presidente Dilma Rousseff. Só que a sensação é de que a briga não terminou. O assunto vai voltar com novos rounds de disputa. Por exemplo: será que Internet das Coisas precisa de neutralidade?", comenta Pellon.

Por sua vez, do ponto de vista jurídico, se houver alterações nos termos de serviços nos EUA que afetem a privacidade do usuário isso pode gerar conflitos com a lei brasileira, provocando processos na Justiça.

De todo modo, o especialista lembra que é preciso aguardar se as mudanças vão mesmo entrar em vigor, porque estão sendo contestadas na Justiça norte-americana.

Pública ou privada?

Para Pellon, a grande discussão no mundo digital ao longo dos próximos cinco anos será o seguinte: afinal, a Internet é um serviço público ou privado? Ele faz uma comparação com os correios. Em seu começo, nos EUA, eram um serviço privado, mas ganhou tanta importância na sociedade que foi transformado em público, porque não era seguro que permanecesse nas mãos de poucos prestadores privados. "Seria a Internet os correios do século 21?", pergunta o advogado.

"A indústria de massa tende a se concentrar. Ou você deixa, mas reforça a regulação, ou reforça as regras antitruste", comenta. Nos EUA, o mercado de Internet seu concentrou, o que justificaria a intervenção regulatória. No Brasil, por outro lado, ao menos por enquanto, prevalece a competição, inclusive entre redes móveis e fixas, ressalta Pellon.