Prestadoras de diferentes portes travam disputa pelo uso da faixa de 700 MHz, frequência estratégica para ampliação da cobertura da telefonia móvel. Enquanto isso, a proposta de edital que traz as regras do próximo leilão acumula questionamentos pelo conteúdo e prazo disponibilizado para consulta pública. Para parte dos pequenos provedores regionais, há margem até mesmo para impugnação caso a Anatel não faça ajustes.
“Encontramos obstáculos para que o provedor regional entre nessa competição”, afirmou o CEO da MVNO Tá Telecom, Rudinei Gerhart, para Mobile Time. Com suporte de consultoria e ouvindo parceiros do setor, a prestadora apresentou uma série de sugestões de alteração.
Um dos pontos questionados é a divisão das áreas de atuação das empresas vencedoras. A proposta faz uma disposição em cinco regiões – Noroeste e São Paulo; Sul; Centro-Oeste; Nordeste; os estados Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. Entre as propostas formalizadas à Anatel, a Tá Telecom sugere ampliar a regionalização em 14 lotes.
O documento encaminhado à Anatel cita análise do relator, conselheiro Vicente Aquino, de que “o leilão deve fornecer suficiente liberdade de escolha para que os participantes possam comprar o ‘portfólio’ de espectro que mais lhes convenha”, e que a venda de espectro em blocos menores seria “uma forma de se aumentar a flexibilidade”.
Para Suelismar Caetano, da Sim Telecom, levando em conta o entendimento do relator, a proposta apresentada não condiz com o objetivo final da Anatel e pode travar serviços que já estão sendo prestados. “A nossa ideia de forma alguma é competir com as grandes operadoras, porque não faz sentido para nós. Mas, por exemplo, no meu caso, que estou em Tocantins, a ideia é atender exatamente os pontos que elas [grandes operadoras] não atendem pela falta de interesse econômico”, afirmou à reportagem.
Suelismar bate na tecla de que a alternativa para utilizar a faixa sem a aquisição no leilão, como é caso do uso secundário (sem exclusividade), não é atrativa o suficiente, por não proporcionar o controle total do espectro e do período de uso. “É um investimento que você vai fazer em cima de uma frequência que não é sua. Se nós tivermos o espaço garantido para fazer a aquisição dessas licenças por tempo mais prolongado será uma mola propulsora muito grande para os provedores”, defende.
Impugnação
A proposta de edital barra acordos de RAN Sharing (compartilhamento de infraestrutura) e exploração industrial das vencedoras do futuro leilão da faixa de 700 MHz com Prestadoras do Poder de Mercado Significativo (PMS), o que abarcaria as autorizatárias da faixa de 3,5 GHz (usada no 5G). Fica vedada também a disponibilização do uso da faixa a ser licitada a quaisquer outras prestadoras por meio de ofertas de atacado. Em documento encaminhado à Anatel, a Tá Telecom pede a exclusão destas restrições.
A prestadora cita como referência o caso Winity, que renunciou à faixa de 700 MHz após o acordo com a Vivo ter entre as condicionantes a proibição do RAN Sharing. “Sabemos, pelo caso Winity, que, se não houver um âncora, os projetos não terão viabilidade financeira”, conta na manifestação.
“As autorizatárias da faixa de 3,5 GHZ são âncoras naturais e vão agregar a faixa a seu portfólio, ou seja, essa restrição indica possível (e involuntário) direcionamento do Edital para aquelas empresas, e isso pode sugerir irregularidade, passível de impugnação e de anulação da licitação”, complementa o texto.
Patrimônio
Para o CEO da Tá Telecom, há ainda “exigências de estruturas econômicas que são desproporcionais a um provedor regional”. Neste quesito, o executivo classifica a proposta de leilão como “muito restritiva para cumprir o seu papel fundamental, que é promover a competição”.
Entre as propostas formalizadas à Anatel, a MVNO defende que “em nenhuma hipótese, o patrimônio líquido será causa de inabilitação das empresas proponentes ou impedimento à sua participação”.
Divergências
Durante debate promovido pela Anatel no ano passado, representantes das grandes operadoras anteciparam visões sobre a disputa relacionada aos próximos leilões de espectro. A Vivo, por exemplo, defendeu que os certames ocorressem apenas a partir de 2028, devido ao grande investimento que já está sendo implementado pelos compromissos do 5G. Com relação à granularidade, a visão foi a de que implementar os lotes em macrorregiões seria positivo para incluir áreas remotas como obrigação.
Representantes de entrantes no setor móvel, como a Unifique, por sua vez, alertaram para a importância de mais espectro por fora das maiores operadoras para viabilizar o crescimento das demais.
A Telcomp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas Competição para o Futuro Digital) adiantou a Mobile Time que não vê, “a priori”, nenhum problema crítico na consulta pública. O presidente executivo da entidade, Luiz Henrique Barbosa, enxerga a expectativa de lançamento do edital em breve como positiva, levando em conta que já houve um chamamento público para uso em caráter secundário. “É acertado fazer a licitação logo, porque diminui a incerteza [para quem usa]”.
Em relação aos acordos de compartilhamento, Barbosa entende que “são naturais e devem ser vistos com lupa”. “A Anatel tem uma preocupação de ofertar frequência para buscar que novas infraestruturas sejam construídas [e não necessariamente compartilhadas]. É um balanço que precisa ser buscado”, contextualiza.
De forma geral, o presidente da Telcomp afirma que a associação está do lado principalmente de princípios, entre eles, o de que é preciso garantir “liberdade de negócio”. “Principalmente para empresas de pequeno porte, se ele [provedor] está mostrando que está atendendo a política pública e construção de novas redes, precisa haver um grau de liberdade importante. Se for uma grande operadora, tem que olhar se o acordo de compartilhamento não é, na verdade, uma conduta colusiva”, ponderou.
Prazo para contribuição
A janela para contribuições do setor em relação à proposta de edital foi aberta no dia 17 de dezembro, com previsão de encerramento para esta sexta-feira, 31. O prazo em si é comum nas consultas públicas da Anatel, mas houve críticas principalmente em relação ao período, que compreendeu a virada do ano.
A Anatel já rejeitou dois pedidos de prorrogação do prazo de análise, que alegavam a necessidade de mais prazo em decorrência da complexidade do tema, protocoladas pela Conexis, que representa as maiores operadoras do país, e a GSMA, associação internacional de prestadoras de serviço móvel.
As contribuições estarão sendo encaminhadas até as 23:59 desta sexta-feira, pela Plataforma Participa Anatel.