A fabricante de chipsets MediaTek prevê o surgimento do que chama de "super-mid", ou "supergama média", em uma tradução livre. Trata-se do fenômeno de expansão da gama média de smartphones, com aparelhos a preços acessíveis, mas com experiência premium, para atender a uma crescente classe média mundial, que terá 5 bilhões de pessoas na próxima década. O vice-presidente de vendas internacionais da companhia, Finbarr Moynihan, esteve no Rio de Janeiro na semana passada e conversou com MOBILE TIME sobre essa tendência, assim como o posicionamento da MediaTek a respeito de wearable devices, telefones modulares e marketing de chipsets para o consumidor final.

MOBILE TIME – O que é o "super-mid"?

Finbarr Moynihan – Nos próximos 10 a 15 anos vai triplicar a classe média no mundo, por conta do crescimento econômico na América Latina, Ásia, África… Haverá 5 bilhões de pessoas na classe média. Trata-se de uma grande oportunidade comercial. Todas essas pessoas vão gastar mais. Na China, ninguém mais vende feature phones. E agora estão migrando do 3G para o 4G. É uma tendência global. Antigamente havia o segmento low end para mercados emergentes e o segmento premium, com Samsung, Apple etc. Mas isso era distorcido por subsidio das operadoras nos EUA, por exemplo. Mas isso vai acabar alguma hora: as teles não conseguem manter esse gasto por tanto tempo. Algumas gastam  mais com subsídio que com Opex. Não digo que vai acabar amanhã, mas uma hora vai. A compra do aparelho vai ser separada do contrato aos poucos. São dois fenômenos simultâneos: a classe média crescendo e a redução de subsídios,  obrigando as pessoas a pagar mais pelo celular. Esses dois fatores vão criar o que chamamos de um mercado "super-mid": aparelhos com preço acessível mas com experiência premium. O super-mid representará 80% do mercado. Empresas como a Mediatek estão contribuindo para essa tendência ao oferecer para os fabricantes designs de referência. E o sistema operacional Android também ajuda, assim como o crescimento do mercado chinês, com fabricantes como Lenovo, Alcatel, ZTE. Hoje, seis dos dez maiores fabricantes de smartphones do mundo são chineses. Todos esses fatores levam o mercado na direção do "super-mid".

A MediaTek originalmente se posicionava como uma fabricante de chipsets para aparelhos de gama média, mas agora está estendendo seu portfólio para o segmento de aparelhos premium…

Nosso foco sempre foi a gama média. Mas aos poucos estamos caminhando para um portfólio mais completo. Começou  quando lançamos nosso primeiro quadcore, e agora um octadore. O segmento top de linha não é algo novo pra gente: já o atendemos em TVs e agora estamos fazendo o mesmo em celulares. Estamos levando a tecnologia de ponta que fornecemos a TVs e Blu-rays, com vídeos em 2K e 4K, simultaneamente para celulares. Mas ainda precisamos avançar mais.

Quantos chipsets a MediaTek estima que venderá em 2014?

Nossa primeira previsão era vender 300 milhões de SoCs (sistema em um chipset) para smartphones este ano, sendo 15 milhões LTE. Reposicionamos para 350 milhões, sendo 30 milhões LTE.

Qual a estratégia da Mediatek para atender ao mercado de wearable devices?

Dividimos esse mercado em três categorias: 1) wearables de aplicação única, tais como pulseiras tipo Fitbit, Nike Fuel etc; 2) wearables de aplicações simples, como relógios inteligentes; e 3) wearables com aplicações mais sofisticadas, tipo Google Glass e outros com Android Wear. Nosso foco estará nos produtos com aplicações simples. Para o mercado de wearables, aproveitamos a nossa plataforma de feature phones, empacotamos com memória RAM e flash e reduzimos o tamanho do chipset. Chamamos esse SoC (sistema em um chip) de Aster. Oferecemos SDK para quem quiser criar aplicações.  Ainda não está claro quem será o grande player nisso. O mercado está muito fragmentado. E como está aberto, tentamos fazer uma plataforma aberta. Estão aparecendo coisas que nem imaginávamos, como um discador portátil que se comunica via Bluetooth com phablets: isso faz cada vez mais sucesso na China. É algo que não podíamos prever. Também esperamos que alguns fabricantes aproveitem a nossa plataforma de Android de gama baixa para wearable devices, eventualmente.

O que é a tecnologia HotKnot, que foi apresentada na Eletrolar em São Paulo?

É uma tecnologia que desenvolvemos com a Goodix, uma parceira que faz o controlador de touch screen. Quando juntam-se dois devices, encostando uma tela na outra, pode-se criar uma conexão entre eles. Parece mas não é NFC. E não tem custo adicional de hardware: é apenas software. É uma funcionalidade do chip, que reconhece quando os dois aparelhos estão se tocando. A transmissão de dados acontece por Wi-Fi. Na prática, serve para parear os dois aparelhos no lugar do Bluetooth.

Como fabricante de chipsets, o que pensam sobre o projeto Ara, do Google, que está desenvolvendo um telefone celular modular, em que o consumidor pode montar o aparelho com componentes de diferentes fornecedores?

Este projeto ainda parece muito futurístico. Tecnicamente, tem algumas interfaces que requerem certa customização. Não sei como o ecossistema de handsets vai reagir. Quem vai ser responsabilizado se der problema? O consumidor vai comprar todos os componentes do mesmo fornecedor? Quando criamos um design de referência, levamos muito tempo qualificando os fornecedores. Há um monte de sensores de câmera, cada um requer um driver. Pegamos vários e realizamos um processo de certificação, para torná-los disponíveis para os nossos clientes, reduzindo o custo de desenvolvimento para eles. E se fosse como peças de Lego? Fica muito mais complicado. O conceito é muito inovador. Mas primeiro têm que resolver a questão técnica e descobrir como fazer isso em larga escala.

De um tempo para cá, a Qualcomm adotou nomes mais atraentes para seus chipsets, como Snapdragon, e passou a investir em marketing voltado para o consumidor final, em um movimento parecido com o realizado pela Intel em computadores no passado. Os chipsets da Mediatek, por outro lado, continuam nomeados com números. Por quê?

Fizemos uma campanha de branding da Mediatek em Barcelona este ano. Havia uma percepção de que a empresa seria apenas fornecedora de chipsets low end, de baixo custo etc.  E isso não refletia o caminho que estamos trilhando. Começamos um processo para passar a imagem do que realmente é a Mediatek. Somos hoje a número 2 em volume. Nunca havíamos feito quase nada em marketing e estávamos confortáveis. Agora estamos mudando. Mas ainda é muito B2B. Não acho que a margem e a escala que temos suportem que a gente faça marketing para os consumidores. No caso da Intel era diferente, porque era quase um monopólio. E não sei se as pessoas queiram saber qual o chipset que está dentro de seus celulares. Quanto os consumidores estão dispostos a pagar para saber o que há lá dentro? Não daria para garantirmos a mesma margem baixa e preços acessíveis que temos hoje. Se nossos clientes, os fabricantes, estiverem orgulhosos do chipset que usam e quiserem propagandear, tudo bem.