O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) declarou na última quarta-feira, 3, a inconstitucionalidade do decreto municipal da Prefeitura de São Paulo que proibia o serviço de transporte de passageiros de moto por aplicativo. Caberá ao município regulamentar o serviço em 90 dias depois da publicação do acórdão, determinaram os desembargadores. Ou seja, os serviços de mototáxi não poderão voltar por agora, mas somente depois da regulação. A decisão foi unânime.

“Cabe, ao fim, ressalvar a competência municipal para ordenação do trânsito e do tráfego urbanos (cf. inc. I do art. 30 da Constituição federal, e art. 24 do Código de trânsito brasileiro), mas a regulamentação do serviço de transporte individual de aluguel não compreende a competência para a suspensão da atividade”, escreveu o desembargador e relator da matéria, Ricardo Dip.

“A utilização de motocicletas para o transporte individual remunerado de passageiros por meio de aplicativos é uma opção substituinte do modelo de transporte público (antigo parâmetro de transporte proporcionado diretamente pelo poder público). O paradigma substitutivo, pese embora sua natureza empresarial, não altera, contudo, o substrato do interesse geral do transporte, cuja prestação, por isso mesmo, reclama alguma sorte de regulação pública.”

“Por isso, diante da exigência de um mercado de transporte regulado, a eficácia prospectiva desta decisão parece justificar-se pelo fato de a Administração pública paulistana precisar de algum tempo (i) a fim de regulamentar o serviço e (ii) adequar-se às novas demandas dos usuários e prestadores dessa modalidade de transporte particular de passageiros”, concluiu o relator.

Em entrevista para a TV Globo, o prefeito Ricardo Nunes disse que a decisão do TJSP é “equivocada”.

A Procuradoria Geral do Município deverá recorrer, de acordo com Nunes, aos tribunais superiores, em Brasília. Isso porque o prefeito acredita que o TJSP desconsiderou uma lei estadual de junho de 2025, que condiciona a autorização e a regulamentação do serviço de transporte individual, privado, remunerado de passageiros aos municípios.

“Portanto, a lei estadual e a lei federal são muito claras quando dizem que compete ao município autorizar, ou não, o transporte por passageiros em moto. Um segundo ponto é a questão do interesse público, a despreocupação com os acidentes, com as mortes, com os óbitos”, disse Nunes.

O que as empresas dizem

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) chamou de “avanço” a decisão do TJSP para “garantir os direitos da população da cidade e das empresas do setor, além de um importante passo para que a atividade seja regulamentada no município.”

“O entendimento do TJ reitera o que foi sempre defendido pela Amobitec: que compete às prefeituras regulamentar e fiscalizar a atividade, mas não proibir. Os desembargadores determinaram ainda que a decisão será colocada em prática 90 dias após a publicação do acórdão. Após esse prazo, as empresas associadas à Amobitec poderão retomar o serviço”, escreveu a associação em comunicado à imprensa.

De acordo com a associação, o setor possui aproximadamente 800 mil motociclistas cadastrados nas principais empresas, ou seja, Uber, 99 e iFood. O número representa 2,3% da frota nacional, que acumula 34,2 milhões de motocicletas, motonetas e ciclomotores, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran/2024). “Todos os condutores que utilizam as plataformas têm obrigatoriamente a Carteira Nacional de Habilitação válida e a documentação regular de seus veículos – em contraste com o cenário nacional, em que 53,8% dos motociclistas não têm habilitação, totalizando 17,5 milhões de condutores irregulares, segundo a Senatran”, afirma.

Relembre a história

A disputa entre a administração municipal e os apps de mobilidade urbana no mototáxi se arrasta há dois anos e envolve esferas parlamentar, judicial e executiva de município, estados e o governo federal.

O imbróglio começou em janeiro de 2023 quando 99 e Uber indicaram que lançariam o serviço em São Paulo e em outras cidades do País. Mas o prefeito Ricardo Nunes rechaçou a ideia, ameaçou retirar a licença de autorização dos dois apps e baixou o decreto que proibiu as corridas com motos, devido ao receio do aumento de acidentes no trânsito da cidade.

Só depois de a administração municipal reagir, as empresas recuaram e cancelaram os respectivos lançamentos pela primeira vez.

Na sequência do decreto, Nunes criou um grupo de trabalho liderado pela Secretaria Municipal de Transportes e pelo Comitê Municipal de Uso do Viário (CMUV) para avaliar a regularização do mototáxi. Após 13 encontros ao longo de 2023 e 2024, o GT, que teve a presença dos representantes das empresas de apps, decidiu não seguir com a regulação, pois haveria risco de aumento de acidentes no trânsito e sobrecarga do sistema de saúde público.

Unilateralmente e sem aval da prefeitura, a 99 lançou oficialmente o serviço na capital paulista em 14 de abril. Em resposta, Nunes acionou a Procuradora-Geral do Município (PGM) e a CMUV para notificar a 99 e pedir a suspensão do serviço pela segunda vez, o que ocorreu entre e maio deste ano.

Na disputa atual, a 99 afirma que o decreto municipal é ilegal e se baseia principalmente na lei da política nacional de mobilidade urbana (13.640/2018), que institui a modalidade com aval federal, além do Tema 967 do STF. Por sua vez, a prefeitura cita o decreto municipal e a lei de 2009, que confere competência às cidades brasileiras regularem o mototáxi.

A terceira volta do mototáxi na capital paulista ocorreu no dia 14 de maio deste ano, após o juiz Josué Vilela Pimentel, do TJSP, derrubar a proibição do serviço em caráter liminar. Dois dias depois, o desembargador da 7ª Câmara de Direito Público, Eduardo Gouvêa, decidiu “por cautela” acatar o pedido da prefeitura de São Paulo contra 99 e Uber.

Apenas no dia 27 de maio, 11 dias após o último parecer da Justiça, as duas empresas suspenderam o serviço na cidade de São Paulo.

 

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