O projeto de lei enviado pelo Governo Federal para a Câmara para regulamentar mercados digitais prevê que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) poderá obrigar plataformas de relevância sistêmica a implementarem interoperabilidade, a permitirem a transferência gratuita de dados pelos usuários e a possibilitarem a instalação de apps de terceiros.
Essas são algumas das “obrigações especiais” possíveis previstas no texto, listadas no artigo 47-E e resumidas abaixo:
Caberá à Superintendência de Mercados Digitais (SMD), cuja criação também está proposta no PL, demandar uma ou mais obrigações para determinadas plataformas sempre que entender que essas medidas são necessárias para proteger a competição no mercado em questão. A SMD precisará justificar sua decisão e abrir prazo de 30 dias para a plataforma se posicionar. Depois disso, o processo é encaminhado para o Tribunal do Cade, que terá 48 horas para designar um relator. E este terá 120 dias para pautar o julgamento sobre a obrigação especial.
Somente empresas com faturamento anual de superior a R$ 5 bilhões no Brasil ou a R$ 50 bilhões no mundo poderão ser classificadas como de “relevância sistêmica”. Também precisarão atender a um ou mais dos seguintes critérios: presença em um ou mais mercados de múltiplos lados; poder de mercado associado a efeitos de rede; existência de integrações verticais e atividades em mercados adjacentes; posição estratégica para o desenvolvimento de atividades empresariais de terceiros; acesso à quantidade significativa de dados pessoais e comerciais relevantes; número significativo de usuários profissionais e finais; oferta de múltiplos produtos ou serviços digitais.
Gigantes internacionais como Amazon, Apple, Google, Meta e Microsoft provavelmente serão classificadas como de relevância sistêmica.
Análise
É fácil imaginar como algumas das obrigações especiais poderiam ser aplicadas no mercado digital brasileiro. A possibilidade de instalação de apps de terceiros e a de desinstalação de apps pré-embarcados, por exemplo, parecem mirar os sistemas operacionais iOS e Android, ou, respectivamente, Apple e Google.
A transferência gratuita de dados, por sua vez, serviria para marketplaces, facilitando a abertura de conta de um comerciante em um novo player, levando seus dados cadastrais e catálogo de produtos. Isso atenderia, por exemplo, a restaurantes que estão no iFood e querem entrar no 99food.
A interoperabilidade poderia ser aplicada entre serviços de mensageria, embora seja um desafio técnico maior. Hoje, o dominante no Brasil é o WhatsApp, mas há novos entrantes brigando por espaço, como Telegram, Signal e RCS.