| Mobile Time Latinoamérica | O trabalho por meio de aplicativos como Uber, Didi (99 no Brasil), Rappi ou inDrive tornou-se parte cotidiana da economia urbana na América Latina. Em países como Colômbia ou Uruguai já se tentaram reformas para regulamentar esse modelo de trabalho.

No entanto, o México deu um passo diferente: colocou em marcha um plano-piloto obrigatório e nacional que busca formalizar entregadores e motoristas, garantindo acesso à seguridade social, 13º salário, férias e crédito habitacional.

A Colômbia, por exemplo, aprovou em junho de 2025 uma reforma trabalhista que obriga as plataformas a cobrir 60% das contribuições de saúde e pensão de trabalhadores independentes. Já o Uruguai emitiu um decreto para garantir transparência sobre os algoritmos e reconhecer quando existe vínculo de subordinação.

Nenhum país da região, porém, havia adotado até agora um programa-piloto obrigatório e nacional como o do México.

A Reforma em Matéria de Plataformas Digitais, em vigor desde dezembro de 2024 e em fase piloto entre julho e dezembro de 2025, transformou o país no maior laboratório global de formalização do trabalho na economia de plataformas.

A aposta mexicana promete direitos trabalhistas básicos para mais de 1,29 milhão de pessoas, mas enfrenta a resistência das empresas e a incerteza dos próprios trabalhadores.

O piloto mexicano: regras e condicionantes

Ao contrário de modelos adotados em outros países, no México o acesso pleno à seguridade social do IMSS não é automático. Para obter cobertura médica, aposentadoria, creches ou créditos do Infonavit, o trabalhador precisa gerar renda líquida mensal equivalente ao salário mínimo da Cidade do México, ou seja, cerca de 8,4 mil pesos mexicanos (cerca de R$ 2,4 mil).

A renda é calculada após o desconto de um percentual fixo de “gastos operacionais” que varia conforme o veículo usado: até 60% para automóveis, 50% para motocicletas ou bicicletas elétricas e 15% para bicicletas tradicionais ou entregas a pé. Quem não atinge esse patamar recebe apenas cobertura de riscos de trabalho pelo tempo em que estiver conectado.

Esse desenho mostra por que é crucial especificar a cidade ou estado onde se trabalha. Um motorista na Cidade do México pode alcançar mais facilmente o limite de renda do que um entregador em Mérida, onde a demanda é menor.

Os custos também variam: o gasto com gasolina em Monterrey não é o mesmo que em Yucatán, assim como a insegurança em Ecatepec, Estado do México, não se compara à de Guadalajara.

Ao registrar o local de trabalho, o IMSS não apenas administra benefícios, mas também desenha um mapa territorial da economia digital e de seus contrastes regionais dentro do mesmo país.

A brecha entre promessa e realidade

O governo federal anunciou com entusiasmo que a reforma protegeria cerca de 700 mil trabalhadores. No entanto, os dados mostram outra realidade: segundo a União Nacional de Trabalhadores por Aplicativo (UNTA), de mais de um milhão de registros no piloto, apenas 133.178 trabalhadores — cerca de 13% — superaram o limite de renda e obtiveram cobertura completa. Os demais, nove em cada dez, seguem com acesso limitado.

Organizações como os Repartidores Unidos de México (RUM) já previam esse desfecho. “Falou-se em quase um milhão e meio de trabalhadores, mas no ajuste atual só restaram 133 mil registrados com cobertura plena”, afirmou Saúl Gómez, porta-voz do coletivo, que já soma nove anos no setor.

O que dizem as plataformas

As empresas agrupadas na Alianza In México (Uber, Didi, Rappi, LalaMove e Mensajeros Urbanos) aceitaram a regulação, mas insistem que ela envolve complexidades técnicas e financeiras.

Guillermo Malpica, diretor executivo da associação, explicou que as contribuições são “cotas trabalhistas, cobertas em 90% pela empresa e 10% pelo trabalhador, mês a mês. Um trabalhador pode ter seguridade social em um mês e perdê-la no seguinte, dependendo da renda”.

O modelo também exige adaptações tecnológicas para cadastrar e descadastrar mensalmente milhares de trabalhadores. Malpica reconheceu custos adicionais para as empresas, mas evitou antecipar se isso elevará os preços para o consumidor.

A tensão sobre quem arcaria com os custos ficou clara quando a Uber aumentou em até 7% suas tarifas em várias cidades mexicanas, alegando que era necessário para cobrir a inclusão dos motoristas no IMSS.

A Secretaria do Trabalho e Previdência Social (STPS) classificou o aumento como “unilateral e injustificado”. A presidente Claudia Sheinbaum foi ainda mais enfática: “A Uber tem lucros impressionantes, não há por que repassar isso ao consumidor final. Com um ‘pedacinho’ que derem ao trabalhador, não é verdade que tenham de transferir esse custo”.

O episódio refletiu o conflito central: quem paga pela formalização trabalhista — as empresas, os trabalhadores, o Estado ou os usuários?

Vozes do asfalto: os trabalhadores de apps

Na prática, a reforma é vivida de forma distinta em cada cidade e segundo a experiência de cada trabalhador. Mobile Time Latinoamérica conversou com motoristas e entregadores em diferentes cidades do México sobre como veem essa nova medida do governo e de que maneira ela beneficia ou prejudica seu trabalho diário.

Na Cidade do México, Luis Ángel González, com seis anos como motorista de Uber, DiDi e inDrive, relata: “As aplicações ficam com 30% a 50% de comissão por viagem. Por enquanto tenho seguro social, mas o serviço é intermitente. Já sofri bloqueios por usuários que não respeitam as regras, e isso não é justo. Esse trabalho me causa estresse e ansiedade; você nunca sabe quando pode ser vítima de crime, como vários colegas que chegaram a perder a vida”.

Também na capital, a motorista Joana Germán, com sete meses na Uber e DiDi, afirma que seus ganhos giram em torno de 2 mil pesos semanais, trabalhando seis horas por dia, mas gasta 1 mil pesos semanais em gasolina e 1,5 mil por mês em dados móveis.

“As regras não são claras. Descontam por lei trabalhista, mas não sei se de fato tenho seguro. O app nunca me avisou. Além disso, como mulher, sou enviada a zonas perigosas que não estão marcadas como de risco, e isso me coloca em perigo”.

De Mérida, a entregadora Mariana conta que seus ganhos variam entre 1,5 mil e 3 mil pesos semanais. “A nova lei ajuda, mas em uma cidade com menos pedidos ainda não senti diferença no bolso depois de pagar gasolina e dados”.

Em Guadalajara, Alejandro Escalante, motorista há três anos, diz que recebe de 3,5 mil a 6,5 mil pesos, dependendo das semanas, mas com comissões de até 55% da Uber. “Recebi uma mensagem dizendo que já tinha seguro social, mas nunca explicaram como ativar. Todos temos problemas de saúde: coluna, infecções urinárias, insolação. Além disso, os algoritmos manipulam tarifas: cobram mais do usuário e pagam menos ao motorista”.

Em Monterrey, a entregadora Elvia Rangel, com sete anos em apps, explica que não atinge o bônus para ter acesso ao IMSS porque só trabalha meio período. “Nós evitamos zonas perigosas, porque há lugares que simplesmente não dá para pegar. Como mulheres, o risco é maior”.

Outros depoimentos reforçam o mosaico de experiências. Pablo Chávez, motorista na Cidade do México, relata ganhos de até 8 mil pesos semanais, trabalhando dez horas por dia, mas com comissões de até 40%. “Não é sustentável a longo prazo; querem pagar corridas de quatro ou cinco pesos por quilômetro, e assim não é rentável”.

Virginia Luis, também na capital, ganha entre 6 mil e 10 mil pesos por semana, mas gasta 9 mil por mês em gasolina e dados. Ela relata que seu irmão, também motorista, foi assaltado em uma corrida. “Os impostos só aumentam. Antes trabalhava menos horas, agora tenho de trabalhar mais para ganhar o mesmo”.

Ulises Toledo, com cinco anos de Uber, DiDi e inDrive, investiu em câmeras dentro e fora do carro para se proteger. “Sim, temos seguridade social, embora limitada. Os contratos já chegaram, mas continuamos como trabalhadores independentes. As regras são claras, mas não justas: ficam com comissão demais. Os ganhos caíram; antes uma corrida mínima custava 40 pesos, hoje custa 20. O que se fazia em seis horas agora exige nove”.

Cecilio Rus, motorista há cinco anos na Uber, DiDi e inDrive, concorda que os contratos não resolveram as irregularidades. “Deveriam nos convocar para assinar como em uma empresa formal, para evitar contas falsas. Conheço um colega que perdeu uma perna em um acidente e não recebeu apoio suficiente”.

Do Estado do México, Eduardo Villarreal, com cinco anos na Uber e DiDi, identifica zonas de risco em Ecatepec, Chalco e Xochimilco. Ganha entre 20 mil e 25 mil pesos mensais trabalhando dez horas por dia, mas gasta até 10 mil em gasolina. “As regras não são claras, as comissões variam e cada vez retiram mais incentivos. Não acredito que esse trabalho seja sustentável se a política de tarifas não mudar”.

José Antonio, com oito anos de experiência, chega a ganhar 12 mil pesos semanais, mas calcula que os apps ficam com 40% de comissão. Assinou recentemente seu contrato, mas admite que ainda não testou o seguro. “Esse trabalho só será sustentável se as regras ficarem mais claras e justas”.

Outros motoristas, como Ricardo Moncada, e entregadores anônimos da Rappi e DiDi, confirmaram bloqueios frequentes e penalizações mesmo quando a responsabilidade é de usuários ou estabelecimentos. Seus ganhos, muitas vezes abaixo do limite exigido, os deixam de fora dos benefícios plenos da reforma.

Contratos e críticas legais

Os novos contratos publicados por Uber, DiDi e Rappi foram registrados no Centro Federal de Conciliação e Registro Trabalhista. Para os coletivos de entregadores, contudo, esses documentos “formalizam o que já existia, sem resolver os problemas de fundo”.

A análise jurídica sustenta essa visão. Alejandro Avilés, presidente do Colégio de Advogados Trabalhistas da Cidade do México, afirma que os contratos simulam formalidade, mas não reconhecem a relação de trabalho.

Entre outros pontos, contrariam o artigo 132 da Lei Federal do Trabalho, que obriga o empregador a fornecer ferramentas de trabalho. “Normalizam o outsourcing digital e legitimam um esquema de ‘trabalhadores sem trabalho’”, diz.

O futuro imediato

O piloto mexicano é um experimento em tempo real. Em seis meses deverá provar se é viável estender a formalização parcial de entregadores e motoristas para todo o país em 2026.

Para o governo, representa a chance de reduzir a informalidade em um setor massivo. Para as plataformas, um desafio financeiro e logístico. E para os trabalhadores, a esperança de ter seguridade social, ainda que limitada, sem perder a flexibilidade que define sua atividade.

O desfecho será decidido nas ruas e nos balanços de fim de ano. Se o percentual de trabalhadores com cobertura plena não aumentar significativamente, o México poderá repetir os fracassos de outras regulações no mundo.

Mas, se conseguir consolidar um modelo funcional, marcará um precedente regional na busca de equilíbrio entre direitos trabalhistas e economia digital.

Ilustração produzida por Mobile Time com IA

 

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