No dinâmico mundo da tecnologia móvel, marcas ganham e perdem popularidade em poucos anos. Motorola, Nokia e RIM já viveram seus apogeus. Agora, lutam para se reerguer, ou para não perder mais participação. Na minha opinião, o apogeu da Apple já passou e a empresa está a um passo do abismo. Soa irônico falar em pecados de uma empresa cuja logomarca é uma maçã mordida, mas a comparação é irresistível. Antes de listá-los, vale recapitular brevemente a história de sucesso da Apple em telefonia móvel.

Seis anos atrás, a empresa então liderada por Steve Jobs chacoalhou o mercado com o lançamento do primeiro iPhone, aparelho que consagrou a interface touch screen e o conceito de aplicativo móvel. Não se tratava do primeiro produto com tela sensível ao toque, mas a forma como o menu foi organizado era tão amigável que conquistou até as pessoas mais avessas a tecnologia. A interface touch screen virou uma regra e passou a ser seguida por todos os concorrentes. Quem demorou a se mover, como Nokia e RIM, pagou o preço por isso.

O segundo alicerce para o sucesso do iPhone foi a construção de uma rica, ampla e extremamente ativa comunidade de desenvolvedores de aplicativos. Isso foi possível graças a uma inovação no modelo de negócios. Com a abertura da App Store, as amarras que prendiam os desenvolvedores às operadoras celulares foram desatadas. Em vez de 30%, eles passaram a receber 70% da receita com as vendas de seus softwares e ganharam de quebra a distribuição mundial através de um ponto único, a App Store. Em vez de negociar com três ou quatro operadoras por país, basta submeter uma única vez o app para a Apple e depois esperar o dinheiro pingar na sua conta a cada download. Esse modelo foi copiado pelos concorrentes e virou padrão de mercado.

Desenvolvedores geram aplicativos; aplicativos atraem consumidores; consumidores atraem mais desenvolvedores. É um ciclo virtuoso que sistemas iniciantes, como o Windows Phone e o Blackberry 10, têm dificuldade de atingir.

Mas por que então a Apple estaria à beira do abismo? Vejamos os pecados cometidos pela companhia:

. Acomodação – A Apple sentou em cima das duas principais inovações que geraram o sucesso do iPhone (interface touch screen e App Store). As últimas versões do seu smartphone não trouxeram nenhuma novidade tão revolucionária quantos essas duas. Na verdade, a cada novo iPhone, o que mais chama a atenção é a inclusão de alguma funcionalidade omitida na versão anterior (gravação de vídeo, conectividade 3G, vídeo-chamada, comandos de voz etc). As maiores inovações recentes partiram de apps de terceiros, não da própria Apple. E isso pode acabar, conforme os desenvolvedores começam a dar preferência ao Android em razão de sua base maior de usuários.

. Arrogância – A Apple não mantém um bom relacionamento com as operadoras celulares. A empresa faz exigências em demasia e controla com mão de ferro os preços dos produtos, determinando a margem de lucro das teles. Ao contrário de outros fabricantes, a Apple não contribui financeiramente com campanhas de marketing conjuntas com as teles.

. Ganância – A Apple desagradou a muitos provedores de conteúdo quando decidiu cobrar participação pela venda de assinaturas em sua loja. Alguns grandes jornais e revistas se irritaram com a proposta e optaram por abandonar a plataforma, migrando para HTML5. O caso mais emblemático foi o do jornal Financial Times.

. Atraso – A Apple está ignorando algumas novidades tecnológicas relevantes. A mais gritante é a comunicação por aproximação (NFC), hoje presente em modelos de quase todos os seus concorrentes e apoiada por grandes bancos e redes de adquirência. Na edição deste ano do Mobile World Congress (MWC), a GSM Association fará um grande esforço de divulgação dessa tecnologia. Tudo indica que 2013 será o ano do NFC, tanto para pagamentos móveis quanto para soluções de identificação. Outro ponto em que a Apple está ficando para trás é a adoção da tecnologia de recarga sem fio, que promete diminuir o problema das baterias dos smartphones.

. Amarras ao usuário – A adoção de SIMcards em formatos diferentes do resto do mercado é uma maneira de amarrar uma coleira em seu usuário. O iPhone 4 foi o primeiro smartphone a usar microSIMcard. Agora que Nokia e Samsung migraram para esse padrão, a Apple adotou o nanoSIMcard no iPhone 5. O usuário que deseja trocar de aparelho e abandonar a Apple encontra um novo obstáculo: trocar de SIMcard.

. Controle do conteúdo – A obrigatoriedade do uso do iTunes para o gerenciamento de músicas e vídeos entre o iPhone e um computador é incômodo, assim como o impedimento de compartilhamento de conteúdo através de Bluetooth. Os dois problemas existem desde o primeiro iPhone, mas agora que a distância para os concorrentes diminuiu ficam ainda mais anacrônicos.

Nos últimos anos, enquanto a Apple gozou da preferência dos consumidores de alto valor, o sistema operacional Android  se aperfeiçoou, conquistou milhões de usuários no mundo e construiu seu próprio ecossistema de desenvolvedores. A Samsung tirou proveito disso, ganhou a liderança em vendas de celulares e criou um rival à altura do iPhone, a linha Samsung Galaxy S. Ao mesmo tempo, a Nokia, com o apoio da Microsoft, começa a se reerguer após a chegada do Windows 8. Tais concorrentes da Apple contam com a preferência das teles, por meio de campanhas publicitárias e subsídios.

Em suma: se a Apple não trouxer uma novidade relevante em seu iPhone 6 este ano, vai começar a pagar pelos seus pecados.

ATUALIZAÇÃO: Uma leitora me lembrou de um aspecto positivo da Apple que esqueci de comentar: a segurança. Não há vírus para o iPhone, graças ao controle rigoroso que a empresa mantém em sua App Store e à qualidade do próprio sistema operacional. Outros dois ativos valiosíssimos da Apple são a base de consumidores fiéis que construiu ao longo dos últimos anos e sua própria marca, que virou símbolo de status. Ambos não se desfazem da noite para o dia, mas, sinceramente, acho que estão começando a se desgastar e não tenho certeza se são suficientes para manter a Apple por muito mais tempo no topo. Dois anos atrás, quando me perguntavam que celular eu recomendaria, eu respondia sem pestanejar: se tiver dinheiro, compre um iPhone. Hoje, quando comparo o iPhone 5 com o Samsung Galaxy SIII ou o Nokia Lumia 920, não tenho a mesma convicção, especialmente se for levada em conta a relação custo/benefício. Vale lembrar que sou usuário de iPhone há três anos. Hoje tenho um iPhone 5 como meu celular pessoal e um Galaxy SII como meu celular corporativo.