A mobilidade urbana e rodoviária no Brasil passa por uma transformação estrutural, ainda pouco visível ao grande público, mas com potencial de redefinir a forma como nos deslocamos. Experiências internacionais mostram que o sucesso do pedágio sem cancelas (Free Flow) vai além da tecnologia. No Chile, pioneiro no modelo, destacam-se a base legal robusta, integração com bancos estatais e punições eficazes, garantindo baixa inadimplência e alta aceitação pública. Enquanto, na Europa, países como Noruega, Portugal e Itália tiveram sucesso ao adotar o modelo com comunicação clara, interoperabilidade e facilidades para turistas e motoristas ocasionais. As lições mostram que a sustentabilidade do Free Flow depende de um ecossistema regulatório com regras claras, sanções eficazes e atendimento acessível. O cenário brasileiro, por sua vez, mostra uma crescente adesão aos pagamentos automáticos em pedágios e estacionamentos — já 71% das transações, segundo a Abepam —, indicando um movimento claro rumo à digitalização e integração dos sistemas de mobilidade. Nesse contexto, a interoperabilidade dos pagamentos deixa de ser um luxo tecnológico e se torna uma necessidade estrutural para o futuro da mobilidade.

Quando se fala em interoperabilidade, trata-se de permitir que o usuário transite por diferentes rodovias, use estacionamentos diversos e pague por esses serviços de forma unificada, independentemente da operadora. Essa necessidade é ainda mais evidente no Brasil, onde, em um percurso de apenas 150 km, o motorista pode passar por até quatro concessões diferentes. Nesse contexto, a interoperabilidade não só simplifica a experiência do usuário, como também fortalece a confiança em um sistema que ainda gera dúvidas sobre cobrança, recorrência e segurança das informações.

Um dos maiores desafios do modelo atual é a fragmentação da experiência. A multiplicidade de concessões e a falta de uma regulação clara sobre o pagamento avulso – que permite uso sem contrato prévio – geram insegurança e possíveis multas por evasão. A ausência de integração entre sistemas, concessionárias e canais dificulta a localização de passagens, pagamentos e evita autuações indevidas, como aponta o relatório final da ANTT sobre o sandbox regulatório na BR-101. Segundo a agência, a multiplicidade de plataformas e a fragmentação dos meios de pagamentos podem comprometer a experiência, sobretudo para quem não usa tags. O relatório recomenda que futuras normas priorizem um ecossistema interoperável, que simplifique o pagamento e aumente a confiança no sistema.

Diante deste cenário, o avanço de modelos como o Free Flow é uma oportunidade ímpar para repensar as estruturas de mobilidade. No entanto, sua eficácia depende diretamente da redução da inadimplência e do aumento da aceitação pública, bem como a facilidade para o pagamento, o que reduz a quantidade de multas a serem aplicadas por não pagamento da tarifa. Países europeus que apostaram em soluções interoperáveis colheram resultados expressivos, com inadimplência próxima a 2%. Por que o Brasil deveria se contentar com índices significativamente mais altos?

Colocar o usuário no centro da mobilidade não é um discurso abstrato. Significa desenvolver regulamentações que permitam liberdade de escolha, garantir que as tecnologias conversem entre si e, acima de tudo, oferecer transparência. Um sistema que exige que o cidadão baixe múltiplos aplicativos, gerencie diversas contas e decifre políticas de cobrança opacas está, na prática, criando barreiras ao acesso.

Portanto, é urgente que operadoras e concessionárias deixem de atuar de forma isolada e passem a investir em cooperação técnica, interoperabilidade real e padronização de processos. A regulamentação do pagamento avulso é parte essencial desse caminho, desde que desenvolvida com foco no usuário e não apenas na lógica do controle ou da cobrança, de forma a garantir a segurança do sistema, especialmente no que diz respeito ao repasse para as concessionárias, bem como assegurar um atendimento eficiente ao cliente para tratar contestações e dúvidas.

Se o Brasil pretende caminhar rumo a uma mobilidade mais sustentável, inteligente e acessível, a interoperabilidade não pode ser vista como um diferencial competitivo entre empresas, mas uma prestação de serviço público. Ela é o elo necessário entre a inovação tecnológica e a experiência cotidiana do motorista comum. Sem ela, qualquer promessa de modernização será, no máximo, uma solução pela metade.

 

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