Na década de 1930, Walter Benjamin publicou o ensaio “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, no qual trouxe à tona o importante debate sobre a transformação do processo de produção artística frente ao surgimento de novas tecnologias capazes de reproduzir as obras em escala industrial. Nem toda obra de arte, digo, o objeto em si, precisava mais ser feita diretamente pelas mãos do artista. Suas cópias também poderiam ser arte, como fotografias e gravuras. Ou não?

Quase cem anos depois, não temos mais Benjamin vivo para liderar o debate, mas muitos outros teóricos da arte se debruçam agora sobre as consequências do advento da inteligência artificial generativa na produção artística.

Munido de uma extensa base de dados, sejam textos, áudios ou imagens, um motor de IA generativa é capaz de identificar padrões e reproduzi-los na produção de novos conteúdos. Quando o Dall-e cria uma imagem “impressionista”, é porque estudou antes um monte de quadros impressionistas. O mesmo vale para quando cria obras expressionistas, cubistas ou de qualquer outro movimento artístico conhecido por ele.

Esses motores de IA partem sempre da análise de uma produção pregressa para o desenvolvimento de fórmulas com as quais criam conteúdos novos, sim, mas sem “novidade”. Em outras palavras, sabem fazer mais do mesmo. O que esses sistemas de IA não conseguem produzir (ainda!) é uma obra cuja originalidade cause impacto aos espectadores, como os primeiros quadros impressionistas de Monet no século 20, ou os primeiros traços cubistas de Picasso, ou, mais difícil ainda, como os ready mades de Duchamp, que teve a coragem (e a genialidade) de ressignificar um mictório como obra de arte em 1917.

A inquietude do artista, aquilo que o faz buscar não apenas o novo, mas a novidade, isso ainda não vi um sistema de IA ser capaz de replicar. Mas pode ser que um dia, quem sabe, essa inquietude possa ser transformada, ela também, em uma fórmula para criar novas obras geniais a pedido de qualquer criança recém-alfabetizada ou não. 

A história da arte foi impactada inúmeras vezes pela chegada de novas tecnologias. A fotografia, por exemplo, nos levou ao impressionismo, porque não fazia mais sentido apenas pintar cenas ou figuras com extremo realismo. A arte sempre procura se desvencilhar das armadilhas montadas pela tecnologia ou, ao contrário, sempre foi capaz de abraçá-las, desmontá-las ou realocá-las, de outra forma, em outro lugar. Não vai ser diferente com a inteligência artificial. Cabe portanto atualizarmos as reflexões de Benjamin, agora sobre a obra de arte na era da IA generativa.