Os mais velhos se lembrarão da comédia “Irmãos Gêmeos”, em que Arnold Schwarzenegger, no seu auge muscular, descobre que é irmão gêmeo do nanico Danny DeVito, um enorme sucesso de bilheteria da década de 80. Pois bem, recentemente, tive a oportunidade de visitar e conhecer um pouco mais sobre a cultura, a história, o ambiente de negócios e de telecomunicações na Malásia, durante um projeto de consultoria. E fiquei extremamente surpreso ao descobrir que, como no filme, apesar da distância e das diferenças geográficas brutais, existem muitas similaridades entre Brasil e Malásia. E, infelizmente, apesar do tamanho, em muitos casos o Brasil está mais pra Danny DeVito que para Arnold.

Por exemplo, assim como o Brasil, durante o processo colonial, a Malásia foi uma colônia portuguesa. Na sequência, Holanda e Inglaterra também tiveram papel crucial no desenvolvimento econômico dos dois países durante os séculos XIX e XX. Conheci um pouco mais sobre essa herança colonial e a interessante história Malaia no Muzium Negara, na sua vibrante capital Kuala Lumpur (KL). Lá encontrei muitos paralelos e algumas diferenças fundamentais com a história do nosso Brasil.

Ao desembarcar na Malásia, não fosse a viagem de quase 30 horas de avião, poderíamos pensar que estamos em Manaus ou Belém, pois a temperatura gira sempre em torno de 30-35 graus durante todo o ano e as chuvas torrenciais desabam diariamente, normalmente no final da tarde. A exuberância das florestas tropicais é outra característica que aproxima Brasil e Malásia, assim como a ameaça constante representada pela atividade madeireira ilegal e a exploração descontrolada de seus recursos naturais. Aliás, a abundância de recursos naturais como petróleo, minérios e madeira são ao mesmo tempo bençãos e flagelos que ajudam a explicar a trajetória do processo colonial que ocorreu tanto aqui quanto lá. Após o fim do período colonial, a importância econômica do Estado na indução do crescimento econômico e na decolagem da economia também aproximam Malásia e Brasil, com os mesmos desafios e mazelas que estamos acostumados por aqui.

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Roberto Guenzburger em Kuala Lumpur (acervo pessoal)

Porém, assim como no filme “Irmãos Gêmeos”, existem diferenças muito importantes entre Brasil e Malásia em relação às nossas heranças culturais, geografia (tamanho e população) e economia. A religião predominante no país é o Islamismo, em função de razões históricas. Contudo, devido a importância de migrantes de origem chinesa e indiana, e do período de controle europeu, existe uma grande tolerância religiosa e respeito por todas as religiões. Na capital KL, é possível fazer um city tour por mesquitas gigantes, templos chineses, igrejas católicas, protestantes e as incríveis e sempre lotadas Batu Caves, que combinam maravilhas naturais com um dos mais importantes templos Hindu fora da Índia.

Como a Malásia fez parte do Império Britânico até 1957, a maioria absoluta da população se comunica na língua mais usada do mundo – o Inglês mal falado. Aliás, diferentemente do Brasil, aonde a língua sempre foi um fator importante na construção da identidade nacional, a multiplicidade de línguas – Malaio, Mandarim, Tamil, Hindi, Cantonês, e Inglês podem ser ouvidos casualmente nas ruas – acabou sendo uma barreira na unificação cultural e construção da unidade nacional, e até hoje representa um desafio para marcas globais e apps que buscam se comunicar com a população. Outra diferença importante é que a Malásia é uma Monarquia constitucional parlamentarista não hereditária, um caso único entre todos os países no mundo, em que o rei é escolhido em eleições indiretas periódicas pelos Sultões, que são nobres e governantes estaduais.  Visitar a entrada do palácio real é uma experiência muito interessante, e o período colonial explica por que é bem maior que o Palácio de Buckingham…

Geograficamente, os dois países também não poderiam ser mais distantes – são 11 horas de fuso em relação ao Brasil, que é 25 vezes maior que a Malásia, cuja população é de cerca de 35 milhões de habitantes. A chamada Malásia do Leste, na ilha de Bornéu, detém mais de 60% da área do país e somente 15% da população, e além de pouco populada é bem menos desenvolvida que o resto do país. Assim, os outros 30 milhões de habitantes estão concentrados na península que compõe a Malásia do Oeste, numa área um pouco maior que o Estado de Santa Catarina, coberta por vastas extensões de florestas equatoriais e fazendas de palmeiras, elevando a densidade demográfica das grandes cidades para patamares extremamente altos e forçando a ocupação do espaço aéreo com seus arranha-céus exuberantes.

Também diferentemente do Brasil, muito antes do período colonial a Malásia já tinha grande importância estratégica devido às rotas comerciais globais, unindo China, Índia e Europa na rota da Seda marítima através dos Estreitos (Straits). Essa posição estratégica se mantém até hoje e tem sido fundamental para a decolagem da economia do país, primeiro com foco nas matérias primas, depois indústria e mais recentemente com a explosão dos serviços e dos investimentos imobiliários.

Parte do grupo de países conhecidos como os “5 Novos Tigres Asiáticos” – Malásia, Filipinas, Indonésia, Vietnã, Tailândia – a Malásia, como o Brasil, ainda não conseguiu escapar da armadilha da renda média. Assim, também no papel, diversos indicadores macroeconômicos da Malásia são muito similares aos do Brasil, com PIB per capita um pouco maior (cerca de US$ 12 mil/ano), IDH de 0,79 vs 0,76 e taxa de inflação e de câmbio em relação ao dólar muito próximas. Buscando trilhar o mesmo caminho de sucesso dos antigos Tigres (Singapura, Coréia do Sul, Taiwan e Hong Kong), que escaparam da armadilha e já atingiram um PIB per capita próximo ou superior aos países da OCDE, a Malásia é uma economia aberta que se beneficia diretamente da decolagem das economias asiáticas, sua principal plataforma de crescimento, reforçada pela tendência de realocação das cadeias de suprimento e “desglobalização”.

No entanto, trafegando pelas avenidas congestionadas de Kuala Lumpur, se percebe como os indicadores puros podem ser enganosos. Com custo de vida em média mais baixo – dentre outros fatores por conta dos impostos mais baixos – e os salários mais altos, a população Malaia tem muito mais acesso a bens e serviços mais caros. Além disso, a distribuição de renda é menos concentrada, com o índice gini cerca de 12 pontos percentuais abaixo do Brasil. Isso é visível no dia a dia das grandes cidades, seja nas vias congestionadas de carros novos na hora do rush, nos imensos e lotados shoppings centers, refúgios para o calor e chuva constantes durante todo o ano, ou nas construções dos gigantescos complexos de arranha-céus comerciais e residenciais, exemplificados pela sede da Petronas no centro de Kuala Lumpur, as mais altas torres gêmeas do mundo.

Outra diferença importante é que apesar da importância do estado na economia Malaia ser ainda maior que no Brasil, a carga tributária é mais baixa. Talvez pela herança da administração britânica, a infraestrutura básica oferecida pelo estado (transporte, saneamento, educação e segurança) é muito acima da média dos outros “novos tigres” e demais países em desenvolvimento, indicando uma administração governamental mais eficiente. Nos setores mais críticos da economia, as empresas ligadas ao estado ainda têm papel fundamental e a presença do estado é ainda mais forte que no Brasil.

O sistema de transporte de Kuala Lumpur por exemplo é um diferencial que atrai muitos imigrantes para trabalhar na Malásia, pois possibilita deslocamento rápido, eficiente e barato numa rede de mais de 150 KM de trens e metrô interligados. Aliás, para ir ao Aeroporto de KL é mais rápido e barato pegar o trem, como nos países desenvolvidos… por outro lado, se precisar de um Uber, não adianta chamar. A maneira mais eficiente e barata de se deslocar de carro é através do Grab, verdadeiro super app que combina o Ifood com Uber e acabou engolindo todos os demais apps, incluindo o próprio Uber. A arquitetura de UX do Grab é um excelente benchmark para muitos apps brazucas, pois é extremamente simples e eficiente.

Como em todo lugar, nem tudo são flores. Lá, como cá, os problemas das grandes cidades, a desigualdade social e de renda e as questões das economias dependentes do estado continuam, como demonstram os recorrentes escândalos de corrupção envolvendo políticos de diferentes partidos (aí sim, muito parecido com o caso brasileiro) e as deficiências crônicas dos sistemas de saúde, aposentadoria e de apoio às populações mais pobres.

O papel do estado no desenvolvimento da infraestrutura nas telecomunicações em ambos os países também tem sido fundamental, induzindo ondas de investimento e acelerando muito a adoção de soluções digitais. Contudo, aqui também os “irmãos gêmeos” adotaram estratégias muito diferentes nos últimos 25 anos. Enquanto no Brasil, após a privatização da antiga Telebrás, o Estado se restringiu ao papel de regulador e indutor de crescimento através de políticas públicas, na Malásia as empresas ligadas ao estado se mantiveram extremamente ativas durante todo esse período, liderando em muitos casos a introdução e a implantação de soluções e tecnologias móveis (3G/4G/5G) e de fibra ótica. Dois fatores adicionais também ajudaram a diferenciar os caminhos percorridos pelas telecomunicações nos dois países: a geografia e a estrutura de competição dos mercados móveis e de fibra.

O mercado de fibra ótica na Malásia

Com uma área geográfica reduzida, na Malásia o desafio de cobrir o país com fibra ótica tem sido muito mais simples que no Brasil. As iniciativas do governo malaio, como o Plano Nacional de Fibra e Conectividade (NFCP), priorizaram a expansão de redes de fibra ótica em todo o país na última década, tendo sido executadas muitas vezes por empresas ligadas ao governo. Em função disso, atualmente mais de 90% das residências do país tem acesso à internet por fibra ótica, com velocidade média de 100,6 Mbits.  Ao mesmo tempo, a maior densidade demográfica, associada a necessidade determinada pela regulamentação de enterrar a maior parte das soluções de última milha em fibra, gerou barreiras à entrada no segmento de fibra que são muito relevantes.

Há uma grande concentração em termos de HPs e HCs de fibra implantados no mercado malaio nas mãos da Telecom Malaysia (TM), uma empresa ligada ao Governo, com participação no mercado de fibra acima de 70% e ocupação acima de 40%. Em função de sua predominância, a TM é obrigada pela regulamentação a oferecer sua rede para outros concorrentes, como uma rede neutra. Porém, a TM permanece sendo também a maior ClientCo de fibra no mercado, o que acaba gerando muitos desafios para a competição, exemplificada na necessidade processual de cancelamento presencial da fibra numa loja em caso de migração para a concorrência. A combinação de vasta cobertura de HPs, geografia, densidade demográfica e regulamentação focada em redes subterrâneas de fibra fez com os competidores tivessem dificuldade para ameaçar a liderança da TM através da expansão das suas redes próprias de fibra.

Em função dessas características, o índice de concentração no mercado de internet de fibra na Malásia é muito maior que no Brasil, onde a maior empresa (Vivo) detém somente cerca de 18% do mercado total. Aqui existem literalmente milhares de pequenos provedores implantando novas redes aéreas de fibra todos os dias, com vantagens competitivas importantes, e já conquistaram somados 52% de todo mercado de fibra. Apesar disso, curiosamente, os resultados dos dois modelos não são muito diferentes. Os preços na Malásia também têm tido uma tendência de queda e são hoje muito similares aos preços no Brasil (entre 79-99 por 100 Mbits a 199-249 por 1 Gigabits, em Ringgit ou Reais). Porém, como a sobreposição de redes é muito menor, o uso das redes e a penetração nos HPs lá é mais intensa. Por outro lado, o custo de construção de novas redes é mais elevado, devido à necessidade de enterrar a última milha, salários mais altos e uma expectativa de ocupação menor, pois se trata na maioria absoluta dos casos de projetos “Brownfield”, com redes já sobrepostas.

Ou seja, equilibrar a equação financeira da fibra é hoje tarefa extremamente desafiante tanto lá como cá, porém por diferentes razões. Os dois mercados de banda larga de fibra ainda estão crescendo a taxas consideradas elevadas, porém nos últimos anos na Malásia o foco tem sido muito maior na ocupação das redes já instaladas. O mercado brasileiro de fibra somente agora está atingindo essa fase de maior maturidade, aonde a capacidade de consolidação de competidores e de clientes, em busca de ganhos de eficiência – ao invés da velocidade de implantação de rede de fibra – passa a ser a maior alavanca de geração de valor.

O mercado móvel na Malásia

No mercado de mobilidade existem também grandes diferenças entre os dois países. Aqui no Brasil vivemos um período de equilíbrio maior na participação de mercado nas mãos das três grandes operadoras móveis (Vivo, Claro e TIM), especialmente após o fatiamento e consolidação da operação móvel da 4ª entrante Oi. Já na Malásia, em direção contrária, o estado acabou incentivando a competição através da entrada da TM no segmento móvel (U-Mobile), do estabelecimento de uma regulamentação de MVNO com mais incentivos e da construção de uma rede neutra de 5G (Single Wholesale Network), com a formação da DNB (Digital Nasional Berhad), que detém todas as frequências 5G. Portanto, todos os competidores devem se utilizar da rede da DNB para prover serviços 5G, comprando capacidade da DNB no atacado. Isso tornou viável o estabelecimento de MVNOs com maior escala que no Brasil, que em conjunto detém cerca de 13% do mercado móvel malaio.

Em função do aumento da concorrência no mercado móvel, houve nos últimos anos na Malásia uma guerra de preços, com benefícios ao consumidor, especialmente no pré-pago. Por exemplo, hoje é possível desembarcar no Aeroporto Internacional de KL, comprar um chip pré-pago local e por R$ 33 fazer uma recarga que dá direito a internet 4G realmente ilimitada por 30 dias, com velocidades entre 3 e 5 Mbits. No 5G, onde as operadoras pagam para usar a infraestrutura comum, há uma tendência de se cobrar um premium para usar a nova tecnologia, ainda assim existem ofertas ilimitadas, por cerca de R$ 45 mensais no pré-pago.  Além disso, no caso do 5G, os clientes móveis da Malásia têm acesso a velocidades acima da média da maioria dos países (Download speed de 451,8 Mbits), com um índice de consistência de 97% (fonte OOKLA), o mais alto globalmente. Apesar do índice de adoção da tecnologia 5G estar longe do ideal (apenas 27%), a qualidade da rede 5G oferecida é invejável.

Assim como no Brasil, nos últimos anos o acesso a ofertas de dados móveis e da fibra ótica para a maioria absoluta da população transformou a vida na Malásia. Os apps de transporte, varejo digital, conteúdo e as redes sociais revolucionaram as formas dos malaios se divertirem, se relacionarem e produzirem riquezas. Novas startups surgem diariamente para utilizar as infovias digitais, desenvolvendo novos modelos de negócios. E as oportunidades de crescimento de produtividade na indústria, agri-business e nos serviços utilizando IoT, 5G e os aplicativos continuam expandindo os horizontes do B2B.

Através de caminhos muito diferentes, a revolução das telecomunicações dos últimos 25 anos também está tendo um impacto muito forte na vida dos malaios. E o caminho trilhado pela Malásia pode trazer alguns ensinamentos para o Brasil. O uso do planejamento e centralização das ações, a criação de uma rede unificada para o 5G e a menor sobreposição das redes de fibra foram soluções de negócio interessantes que ajudaram a preservar o retorno do investimento das telcos que operam na Malásia, que assim como aqui precisam continuamente alavancar seus investimentos para adequar suas redes ao crescimento ininterrupto da demanda de dados, impulsionado pelos serviços OTTs globais e locais. Por outro lado, a inexistência de redes neutras realmente independentes, num mercado mais verticalizado e urbano, torna muito mais difícil a competição no segmento de fibra ótica, demonstrando o valor da rede já passada, especialmente quando já está enterrada ou instalada nos prédios e condomínios.

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