Foi com enorme satisfação que recebi o convite da MobileTime para escrever um artigo modesto sobre um tema que creio conhecer bem: o segmento de operadoras móveis virtuais – MVNOs.

Como forma de contribuir de forma mais efetiva, fiquei pensando como abordar este tema e contextualizá-lo para o melhor benefício dos leitores.

Resolvi começar por uma rápida revisão da história dos serviços móveis para desenhar o pano de fundo onde se insere este segmento nos dias de hoje.

Durante alguns anos estive muito envolvido com a empresa americana AT&T, na época de 1980 a maior operadora de telefonia do mundo e uma das maiores empresas americanas em capitalização. Deste convívio conheci uma boa parte da sua história que creio ser útil para esta nossa conversa.

Fundada em 3 de março de 1885 pelo então suposto inventor do telefone Graham Bell (título que hoje tem sua legitimidade contestada), ela se desenvolveu nos Estados Unidos no início do século passado. 

Até que chegou à compreensão de que para executar a tarefa de desenvolver a telefonia seria necessária uma estrutura institucional que propiciasse o rápido desenvolvimento da novidade, bem como que fosse instrumento de desenvolvimento econômico de seus mercados em bases que hoje chamamos de “inclusivas”.

Confrontada pela disparidade de custos e margens para oferecer serviços em grandes e ricos centros urbanos, com atratividade quase inexistente em áreas remotas e motivada ainda pelo interesse de massificar o desenvolvimento do mercado (quanto mais pessoas tivessem um telefone maior seria o seu uso = receita $$), a AT&T fez uma proposta ao governo americano, aceita em 1913.

A proposta previa que, em troca de oferecer o serviço de maneira universal e com preços equilibrados entre áreas atrativas e não atrativas, o governo deveria conceder-lhe o direito de explorar o serviço no regime de monopólio.

A fórmula se mostrou um sucesso e permitiu o rápido crescimento desta ferramenta, que teve papel importante no desenvolvimento econômico. Em dado momento a AT&T chegou a cobrir 98% do território americano. E a fórmula acabou copiada praticamente em todo o mundo.

No Brasil (que tem o curioso precedente de ser um dos primeiros clientes da tecnologia graças a D. Pedro II, que se encantou com a novidade), não adotou o modelo de pronto. Cerca de 400 empresas de telefonia se espalharam pelo País até que o regime militar criou a Telebrás na década de 1960 e tratou de consolidar praticamente todas as empresas existentes (com exceção de umas quatro ou cinco) num modelo muito criativo que se baseou em entender bem a realidade: na sua grande maioria as operadoras eram de propriedade de estados ou municípios, onde os governantes não tinham capital para expandir os serviços na medida da demanda do mercado.

O governo federal, então (num modelo replicado em vários outros setores), tomou empréstimos pela União e aportou os recursos como capital na Telebrás, que por sua vez, assumia o controle das empresas pela diluição dos acionistas existentes. Uma fórmula barata e eficiente se a crise do petróleo não tivesse explodido os juros dos empréstimos internacionais e criado a crise da década de 1970. Mas isto é outra história.

O ponto que quero ressaltar é que o monopólio foi uma forma eficaz de disseminar os serviços de telefonia.

E, talvez, tivesse se mantido desta forma não fosse o surgimento de uma tecnologia disruptiva: o computador. Com os processadores invadindo os sistemas telefônicos surgiu um grande embate nos EUA: a IBM se opôs à AT&T, como monopólio, pudesse se envolver no desenvolvimento de computadores. A AT&T tinha claro que a nova tecnologia era indispensável ao desenvolvimento de seu negócio. Isto deu origem a um processo promovido pelo Departamento de Justiça dos EUA em 1974.

Isso se transformou em um enorme processo judicial, conduzido por um juiz que ganhou enorme notoriedade e culminou com a quebra do monopólio da AT&T em 1º de janeiro de 1984. E o mundo aos poucos seguiu o mesmo caminho.

O monopólio pode ser uma boa fórmula quando há estabilidade tecnológica e um tipo de serviço muito restrito (como distribuir água, por exemplo). Mas, certamente, não foi assim que o setor se desenvolveu, o que ajuda a explicar o desenrolar dos fatos.

Antes que o protocolo TCP/IP viesse transformar toda a infraestrutura já grandemente digitalizada, dando origem ao que chamamos internet, outra tecnologia veio mudar o setor radicalmente.

A tecnologia móvel celular foi concebida em 1947 nos laboratórios Bell da AT&T. Antes dela já existiam as comunicações móveis, mas todos os esforços eram feitos no sentido de aumentar o alcance dos rádios. Porém, como o espectro radioelétrico é muito restrito, ela só conseguia acomodar um pequeno número de usuários em determinada área.

A revolução surgiu com o conceito muito simples em que, ao invés de aumentar o alcance de propagação das frequências, se poderia, ao contrário, criar o conceito de células, e com isto utilizar um conjunto de frequências em determinada célula e “cercá-la” com outras células em sua volta, utilizando-se de outras frequências que funcionam como uma parede que bloqueia a propagação do sinal daquela célula inicial, permitindo desta forma que as frequências que ali são utilizadas possam ser reutilizadas em outra célula mais adiante. Aí, os sistemas poderiam comportar qualquer número de usuários, dado o espectro suficiente, e permitiu que com o acesso crescente a faixas de espectro a capacidade dos sistemas deixasse de ser um limitador.

Conheci um pioneiro da tecnologia que me contou que em uma de suas primeiras palestras em seminários as pessoas pensavam tratar-se de um tema ligado à biologia!!

Inventado o conceito, o regulador americano se envolveu em discussões sem fim sobre como permitir a sua implantação, justamente pelo desafio trazido pelo monopólio! Depois de 20 anos de discussões, finalmente, as primeiras licenças de serviços em caráter experimental foram concedidas em 1984, justamente o ano da quebra do monopólio.

Enquanto isto, os países nórdicos já tinham largado na frente e, usando seu padrão NMT (nordic mobile), já tinham uma boa penetração de mercado. E foi lá que surgiu o conceito de MVNO que iremos explorar mais adiante.

Parte dos debates nos EUA foram influenciados também por uma briga entre a AT&T e a Motorola, uma empresa muito menor de radiocomunicações que apostava no celular portátil, enquanto a AT&T apostava no celular instalado em carros.

Dadas as primeiras licenças, o modelo evoluiu para duas licenças em cada local no regime de competição! Este foi o pilar do modelo de introdução dos serviços celulares.

E o regulador americano, como maneira de obter resultados parecidos com o monopólio para a AT&T, iniciou um processo furioso de concessão de licenças em todo o país. Sorteios foram realizados país afora em escala municipal e toda sorte de pessoas ganharam licenças: donas de casa, dentistas, pequenos empresários… Ao que se seguiu um processo de consolidação que resultou em algo como 20 operadoras. O mundo seguiu mais ou menos o mesmo modelo.

A próxima inovação americana transformadora que se espalhou pelo mundo foi a descoberta que o Estado podia agora vender espectro, que se tornaria muito valioso. Ao longo dos últimos 25 anos, a arrecadação alcançou a cifra de trilhões de dólares só nos EUA.

No Brasil havia grande discussão sobre a privatização da Telebrás em 1988, quando se preparava para introduzir os serviços celulares. Mas as condições políticas daquele momento fizeram com que o modelo adotado fosse o das operadoras regionais da Telebras (Rio a primeira, Brasília e São Paulo, a seguir), que introduziram os serviços em 1990. Logo o serviço foi expandido para todos outros estados.

Mais tarde voltou a iniciativa de privatização, que começou com o leilão da chamada Banda B: onze regiões foram aglutinadas e licenças vendidas para cada uma.

Com isto, o Brasil chegou a ter cerca de 43 operadoras de celular.

Aí veio a internet móvel (a DOCOMO japonesa foi a pioneira, chacoalhando a indústria no início dos anos 2000), e depois o 3G, o 4G, o 5G.

No mundo todo, então, se viu um processo muito acelerado de consolidação dos players por algumas razões: gastos com espectro, alta renovação tecnológica elevando substancialmente os investimentos e encurtando seus ciclos, uma necessidade de escala para manter marcas relevantes e competitivas.

Muito recentemente se afirmou que três operadoras nacionais era o que os mercados comportariam. Nos Estados Unidos já são três. No Brasil também.

No último evento mundial do setor (MWC, Mobile World Congress) se falou muito em consolidações transfronteiras: o mercado está migrando do conceito de número de operadora por país, para tamanho mínimo para uma operadora de larga escala ser viável.

Creio que este número hoje está na faixa entre 100 milhões e 200 milhões de assinantes globais para que uma operadora possa ser viável.

Esta é uma fotografia sumarizada do segmento de comunicações móveis sobre a qual a discussão do tema MVNO se insere.

Espero ter tratado de fixar bem o conceito dos modelos antagônicos de monopólio versus competição.

Os reguladores, o mercado e os consumidores querem e merecem os melhores serviços pelos menores custos possíveis, ainda que se tenha que assegurar a viabilidade dos players como forma de garantir a capacidade de reinvestimento em um setor vital para a infraestrutura e competitividade das sociedades.

Esta é a discussão que hoje predomina na Europa: há um déficit importante de investimento e a infraestrutura é ainda deficiente. As operadoras querem que as Big Techs paguem uma parte da conta, pois lucram ao usar uma infraestrutura que não ajudam a pagar. Longa e difícil discussão.

Como este é meu primeiro artigo sobre o tema MVNO, eu quis antes de mais nada contextualizar o assunto para desenvolvê-lo em artigos posteriores. Por isto, não vou me alongar muito quanto ao estágio do assunto MVNO no mundo e no Brasil e os desafios à frente.

Vou concluir apenas elencando as razões básicas para o surgimento desta indústria e vejo que, na minha opinião, são quatro principais.

A primeira diz respeito à distribuição. O conceito de MVNO surgiu no início dos anos 2.000, quando os mercados da Escandinávia chegaram a uma penetração da ordem de 50%. As operadoras se deram conta que os custos de marketing para crescer haviam se tornado muito altos e criaram o conceito do MVNO, como um co-branded: “a vestir” os seus serviços com foco em classes sociais, segmentos de atividade econômica, cadeias de varejo, grupos de “afinidades”. Valendo-se do sentimento de pertencimento das pessoas a estes grupos, o custo de aquisição de clientes era bem mais baixo.

O segundo fator diz respeito à conectividade. O serviço de qualquer operadora tem certos custos que podem ser evitados se empregarmos serviços alternativos para corrigir uma oferta “defeituosa”. O melhor exemplo disso foi a proliferação de MVNOs que eliminaram custos de roaming na Europa e outras regiões. Ao mesmo tempo que o roaming foi sendo eliminado de quase todos os mercados, ainda assim a capacidade de ofertas de conexão usando redes de várias prestadoras têm um apelo importante hoje. A MVNO do Google explora muito isso e parece uma tendência relevante.

Deslocamentos internacionais são outro fator importante que, talvez, possa ser minimizado no futuro, a depender da velocidade da consolidação transfronteiriça da qual falamos, como já ocorreu com o roaming.

O terceiro é bem importante: o atendimento. Se, por um lado, a consolidação do número de players nos mercados trouxe consigo uma melhoria significativa na antes horrorosa qualidade de atendimento, por outro lado, uma empresa menor, ágil, focada, sem os legados de TI que amarram todos os grandes players, tem na qualidade de atendimento um diferencial que pode ser muito explorado.

Por último e não menos importante, há o componente custo. Trabalhando adequadamente os três fatores anteriores em mercados em que os preços de atacado são de fato de atacado, empresas mais enxutas podem oferecer preços mais baixos, o que é um ótimo argumento de vendas.

Espero ter divertido você que chegou até aqui, bem como ser capaz de explorar em artigos futuros uma análise mais profunda da realidade do segmento na atualidade.