Muito se tem tratado sobre data centers e inteligência artificial nas últimas semanas no Brasil e, cada vez mais, percebemos o quão interligadas são essas temáticas.

Nosso país, dadas suas características climáticas e geográficas, possui, de fato, todas as condições para se tornar hub global para o desenvolvimento de data centers, já que possui ativos energéticos essenciais para assegurar a resiliência dessas infraestruturas. E, nesse contexto, os data centers têm assumido posição estratégica nos planos de negócios das empresas, em especial, com projetos voltados ao desenvolvimento de inteligência artificial (IA).

Neste mês, por exemplo, a Elea Data Centers, com o apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro, anunciou a criação do projeto Rio AI City, com até 3,2GW de capacidade energética e abastecimento de energia 100% renovável, para a construção de um complexo de data centers na capital fluminense com o objetivo de atender a demanda de aplicações de IA.

Na mesma linha, a Scala Data Centers já havia lançado, em 2024, o projeto Scala AI City, que será um extenso complexo de data centers na região Sul do país. Recentemente, houve grande passo para a implementação desse projeto com a publicação no DOU, em 13/05/2025, da  Portaria SNTEP/MME Nº 2.942, de 09/05/2025, reconhecendo que a alternativa técnica para conexão do Data Center Eldorado do Sul à Rede Básica do Sistema Interligado Nacional (SIN) atende aos critérios de mínimo custo global de interligação e reforço nas redes, estando compatível com o planejamento da expansão do setor elétrico para um horizonte mínimo de cinco anos.

Diante do interesse nesse mercado, há crescente estímulo às discussões para a criação de marco legal específico e de políticas de investimentos nas diversas esferas do Estado brasileiro. Os temas têm sido tratados também no âmbito da ANATEL, e não podemos esquecer que a ANPD também terá papel relevante na estratégia desenvolvida, considerando o potencial estrondoso volume de dados a circularem.

Na esfera legislativa, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática do Senado Federal discutiu no dia 21 de maio, em audiência pública, o Projeto de Lei n° 3018, de 2024 (PL), que prevê a regulamentação dos data centers de Inteligência Artificial, e contou com representantes dos setores público (MCTIC, ANATEL, ANPD e congressistas) e privado (empresas e associação do setor).  Nova audiência pública de instrução está marcada para o dia 28 deste mês.

Esse PL destaca justamente a relação intrínseca entre o desenvolvimento da Inteligência Artificial e os Data Centers, abordando aspectos que envolvem desde privacidade de dados até a eficiência energética. Segundo o texto do PL, os data centers de IA devem implementar medidas de eficiência energética e sustentabilidade ambiental, como o uso de tecnologias e práticas de eficiência energética, utilizando fontes de energia renovável e sistemas de resfriamento eficientes, bem como a partir da otimização do uso de hardware (art 5º, I). Devem ainda designar um encarregado de proteção de dados (DPO), estabelecer políticas claras de governança de dados, e assegurar tratamento de dados sensíveis com o mais alto nível de segurança e confidencialidade (art. 4º). A ANPD já apontou, na audiência pública da semana passada, por exemplo, a necessidade de alinhamento entre os termos utilizados no PL e aqueles já previstos na LGPD, para que não ocorra insegurança jurídica. E, como bem apontou a diretora da ANPD, Miriam Wimmer, na referida audiência, “quando falamos de um ecossistema digital, estamos falando também de um ambiente essencialmente transnacional, em que há fluxo de dados provenientes de outros países e, também, dados que saem do Brasil em direção a outras nações”.

Em paralelo, o Projeto de Lei n° 1680, de 2025, apresentado em abril, pelo Deputado Federal Pedro Lucas Fernandes, prevê a promoção, geração e uso eficiente de energia de baixo carbono, como uma das diretrizes para a criação das Zonas Especiais de Processamento e Armazenamento Digitais destinada a estimular a expansão da infraestrutura tecnológica (data centers) no país. No último dia 23 de maio, o PL foi endereçado às Comissões de Ciência, Tecnologia e Inovação; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça e de Cidadania.

Ainda, começam a surgir iniciativas legislativas estaduais. Goiás aprovou a Lei Complementar nº 205, de 19 de maio, enviada pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado à Assembleia Legislativa, sobre a Política Estadual de Fomento à Inovação em Inteligência Artificial. Um dos objetivos é consolidar o Estado de Goiás como polo estratégico de inovação no Brasil, inclusive para atração de data centers. A LC, que possui 80 artigos, e disciplina diversas frentes, inclusive sustentabilidade ambiental, IA na área da saúde e educação, por exemplo, indica o desejo do Estado de, na verdade, ser ator global relevante na inovação tecnológica aberta e na governança ética da IA.

Apesar do claro sinal dado pela lei complementar goiana sobre a relevância do tema, o possível aumento de leis estaduais nesse sentido pode gerar debate que vai além do mérito. Caberá aos Estados da Federação tratar de matéria que nitidamente envolve política de estratégia nacional?

Sabe-se que na esfera executiva, o governo apresentará Medida Provisória, aparentemente nos próximos dias para a criação do Plano Nacional de Data Centers. Veicula-se, como um dos principais pontos da proposta, o regime especial de redução de tributos que se pretende dar às empresas que instalarem data centers no Brasil, seja nível federal, seja estadual.

Além disso, reforçando a estreita relação com o desenvolvimento de IA, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), apresentado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MTI) em julho de 2024, indica a implementação de Programa de Sustentabilidade e Energias Renováveis para IA, com investimentos estimados em R$ 500 milhões, a fim de viabilizar infraestruturas sustentáveis e eficientes para data centers, bem como para as instalações de IA, com o uso de energia renováveis e sustentável dos recursos hídricos. Mais recentemente, em 12 de maio de 2025, foi instituído Grupo de Trabalho, que terá duração de quatro anos, para a gestão do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial com objetivo, dentre outros, de apresentar anualmente relatório de acompanhamento de execução do PBIA ao Comitê Interministerial para Transformação Digital (CITDigital).

Por fim, no plano regulatório, a ANATEL tem sinalizado, em diversas ocasiões, sua intenção em regulamentar e fiscalizar os data centers e tratar da governança da IA. Nesse contexto, por exemplo, a Análise nº 49/2025, do Conselheiro Alexandre Freire, publicada no final de abril de 2025, no âmbito do processo de simplificação da regulamentação de serviços de telecomunicações -, objeto do item nº 7 da Agenda Regulatória para o biênio 2025-2026 -, foi categórica ao afirmar que “os data centers constituem elementos fundamentais da infraestrutura de comunicação digital do país e, consequentemente, estão sujeitos à regulação da Agência (Anatel)”. A agência, ainda que com base em uma abordagem experimentalista, também tem estruturado sua governança de IA, e listou o tema em sua agenda regulatória do atual biênio (2025-2026).

Como se percebe, são diversos os movimentos de construção de marco legal e regulatório relacionados à IA, aos data centers e aos data centers de IA, que estão sendo moldados para alavancar incentivos recíprocos e impulsionar a inovação. Os próximos meses serão fundamentais para um melhor balizamento das regras que pautarão o futuro.

Nesse contexto, é indispensável que as empresas do ecossistema de telecomunicações estejam atentas e participem ativamente na construção dessas normas, endereçando temas de interesse. O Estado, em paralelo, precisa investir em segurança pública.

Sem segurança pública, não há futuro marco regulatório ou qualquer plano de trabalho sobre inteligência artificial que sustentará, de modo sistemático, investimentos na manutenção dos atuais data centers, na instalação de novos complexos, bem como em qualquer outra infraestrutura necessária.

*Contou com a colaboração de Giovanna Soares, estagiária de TMT de Mundie Advogados

 

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