Comecei a escrever sobre internet em meados da década de 1990 e, como repórter e colunista de tecnologia de veículos como “Jornal do Brasil” e “O Globo”, fui testemunha ocular do advento e da consagração de ferramentas revolucionárias como Google, ICQ, MSN, blogs, computação em nuvem e, pasmem, CELULAR! Tive o prazer de entrevistar gênios como Larry Page e Sergey Brin (fundadores do Google), Richard Stallman (GNU-Linux), Ev Williams (Blogger e Twitter), Adam Cypher (Fotolog). Cobri o nascimento das mídias sociais – fui uma das primeiras jornalistas techie do país a escrever sobre My Space, Orkut, Facebook. Estive na maior parte das grandes coletivas de imprensa dos anos 2000 e dos congressos internacionais e nacionais que apresentaram inovações incríveis como o MMS – o avô do WhatsApp, uma funcionalidade que nos permitia mandar fotos pelo celular, mas ainda via mensagem direta, algo equivalente ao SMS hoje, só que mais legal.

Desde então, muita água rolou debaixo dessa ponte e a década de 2010 foi fundamental para a transformação da internet – os aplicativos começaram a dominar as telas dos celulares, deixando para trás as outrora imbatíveis aplicações Web. A chegada das lojas em aplicativos desbancaram o comércio virtual via site, culminando com a preponderância dos marketplaces.

Os bancos deixaram de atender presencialmente, os aplicativos de serviço foram ganhando novas funcionalidades e forjando uma mudança cultural que, ainda mais por conta da pandemia, teve que nascer a fórceps. A vida digital deu uma guinada durante a quarentena que durou praticamente dois anos; o home office se impôs; a toque de caixa, a educação digital despontou como solução e a adesão dos estudantes a novas modalidades, tais como o ensino híbrido, demonstrou o poder da internet como facilitadora. As salas de aula presenciais passaram a ficar vazias; as virtuais, cheias, embora as câmeras insistam em permanecer fechadas.

O WhatsApp dominou a comunicação interpessoal e se impôs sobre a sociedade com uma força avassaladora, tanto para o bem quanto para o mal. Ninguém se relaciona mais da mesma forma e as relações pessoais tiveram que se adaptar; os stickers passaram a dizer mais que mil palavras; comandos e buscas por voz chegaram para ficar e, enquanto isso, a navegação “tradicional’ se tornou cada vez mais “coisa de gente velha”.

Já dizia Tim Berners-Lee, o pai da Web, quando da ascensão e consequente consagração do Facebook: “as mídias sociais estão matando a web”. A previsão da lenda da internet se mostrou mais do que acertada: aplicativos de mídias sociais, de mensagem direta, market places mobile e apps de serviço tiraram as pessoas do browser e criaram um atalho mental irreversível – para que abrir um browser, procurar uma URL e realizar uma busca dentro de um site se basta abrir a tela do celular e clicar em um aplicativo?

Seguindo à risca o eterno mistério da humanidade sobre Tostines – se foram as mudanças de comportamento da sociedade que catapultaram a adoção de novas formas de interação com a internet ou se as novidades é que levaram a sociedade a adotar novos padrões, a década de 2020 tem visto um boom de inovações, muitas nos deixando boquiabertos. Estamos falando da ascensão do ChatGPT e as possibilidades oferecidas pela inteligência artificial, a Web 3.0 e, claro, as promessas de Metaverso e realidade virtual.

Mas por que será que a internet não é mais a mesma? Só para nos deixar com aquela pulguinha persistente atrás da orelha, durante a SXSW, Amy Webb, CEO da Future Today Institute, trouxe um questionamento importante, que provavelmente guiará a tomada de decisão de quem trabalha com o mundo digital: afinal, para onde vai a internet?

Disse ela que, a partir de agora, é a internet que busca os usuários e não o contrário – o que faz total sentido, uma vez que plataformas digitais conhecem mais e melhor dos padrões de interesse e comportamento dos usuários do que seus amigos e parentes. A futurista salientou, ainda, que a adoção cada vez mais corriqueira da inteligência artificial (IA) trará ainda mais controle sobre o que pensa, sente e deseja o navegante digital – e todo esse conhecimento, claro, mais do que trazer funcionalidades simples para os usuários, engorda as bases de dados dos grandes provedores e plataformas de serviços virtuais.

A forma como os antes chamados “internautas” lidavam com informações e procuravam por produtos e serviços muda bruscamente com buscadores cada vez mais espertos e soluções de machine learning como o ChatGPT trazem, a reboque, uma facilidade ainda maior de se encontrar tudo em todo lugar ao mesmo tempo (sem trocadilhos com o campeão do Oscar, por favor).

O problema que teremos que encarar é o uso que será feito com toda essa inteligência e facilidade. A partir do momento em que uma ferramenta demonstra ser capaz de escrever uma redação recheada de argumentos e dados, quem se dará ao trabalho de pesquisar? Estará o Google ameaçado por tamanha revolução ou este é apenas o despertar para uma nova era das buscas? E os sites, redes sociais que conectam pessoas a pessoas, blogs e aplicações de conteúdo, resistirão? E, se sim, até quanto?