O dinamarquês Janus Friis (de camisa preta na foto acima) tem apenas 35 anos, mas já deixou seu nome escrito na curta e intensa história da Internet mundial: ele foi um dos fundadores do Kazaa (serviço de troca de arquivos entre usuários, que fez sucesso no começo da década passada), do Skype e do Joost. Seu mais novo projeto é um serviço de streaming de música chamado Rdio, que acaba de ser lançado no Brasil em parceria com a Oi, conforme antecipado por este noticiário em outubro. No Rio de Janeiro para a festa de lançamento do Oi Rdio, Friis concedeu entrevista para Mobile Time na manhã desta quinta-feira, 1, em Ipanema, acompanhado por Carter Adamson, COO da Rdio, e por Scott Bagby, vice-presidente de estratégias e parcerias internacionais da Rdio. O empreendedor falou sobre a parceria estratégica com a Oi, tendências em conteúdo digital, neutralidade de rede e sua mais nova aposta: o "Vdio", um serviço de streaming de vídeos. Leia abaixo a entrevista na íntegra.

Mobile Time – Quase dez anos após o lançamento do Kazaa, você cria um novo projeto envolvendo música digital, o Rdio. Que lições foram aprendidas durante a experiência do Kazaa e que podem ser aplicadas no Rdio?

Janus Friis – O Kazaa foi lançado em uma época muito diferente. Ele nasceu em 2000, mas ficou popular de verdade em 2001 e 2002. A Internet daquele tempo era outra. Não era possível lançar algo como o que temos hoje com o Rdio. Não dava para fazer o mesmo que fazemos agora com gravadoras, detentores de direitos autorais, usuários, formas de pagamento e, notoriamente, redes móveis. O Kazaa era basicamente uma experiência para desktops. O que mudou é que agora há smartphones e você pode escutar música em qualquer lugar. Um aprendizado do Kazaa é que do ponto de vista econômico ele nunca poderia ser um negócio.

O Rdio é um serviço de streaming de música. Algumas pessoas dizem que a era de "posse" da música, seja física ou digital, acabou. Agora estaríamos entrando em uma era de "acesso" à música. O que pensa sobre isso?

Janus – Se olharmos para o passado, veremos que há mudanças de fase o tempo todo, do vinil para o CD, do CD para o iTunes etc. Isso acontece a cada dez ou quinze anos. Estamos apenas no começo de uma nova fase em que as pessoas se dão conta que é muito natural não ter uma coleção de músicas, mas sim ter acesso a todas as músicas do mundo em qualquer lugar por uma taxa fixa mensal. É um modelo muito simples. A "posse" de um bem digital é apenas uma sensação psicológica. Você pode ter essa sensação com uma música que adiciona à sua coleção no Rdio, por exemplo. Você é o curador, você escolhe as músicas com as quais se identifica e pode mostrá-las aos seus amigos, tal como nos velhos tempos, quando se tinha uma coleção de discos. Não vejo mais razão para se comprar e gerenciar arquivos em HDs e backups.

Carter Adamson – A proposição de valor está na mobilidade, na possibilidade de ouvir algo que você ama onde quer que você esteja. E como disse o Janus, só há pouco tempo se tornou possível oferecer um serviço como esse, de acesso a toda a música do mundo em qualquer aparelho conectado. A razão pela qual o acesso é tão importante é que cada vez mais gente tem smartphones, tablest, e-readers e TVs conectadas. Não faz mais sentido mover arquivos de discos rígidos para todos esses aparelhos. É mais lógico ter acesso ao que quiser, sem obstáculos, na nuvem.

Vocês percebem algum tipo de resistência dos chamados "migrantes digitais" em relação ao Rdio? 

Janus – Na época em que as pessoas foram incentivadas a trocar do vinil para o cd, sentiram um pouco de falta dos primeiros. E isso está acontecendo agora. Estamos no começo dessa nova fase. Poucas pessoas testaram serviços de streaming de música no mundo. Mas quem experimenta percebe que é fácil e bom. Claro que há um pouco de resistência, é natural.

Carter – E as pessoas ainda têm vinis. É meio vintage ter vinis. Serviços como Rdio são complementares às coleções físicas. E é importante lembrar que quem nasceu depois de 1984 não tem CDs. São pessoas que simplesmente escutam suas músicas de forma digital. Há uma questão geracional envolvida.

Como funciona o modelo de negócios da Rdio com as gravadoras e com os artistas? É como uma rádio? Vocês pagam de acordo com a quantidade de vezes que uma música toca?

Scott Bagby – São acordos de divisão de receita. Quanto mais uma música toca, mais seus detentores de direitos recebem.

A Rdio precisa pagar uma licença para ter as músicas guardadas em seu servidor?

Scott – Não posso entrar em detalhes dos contratos, mas posso dizer que não pagamos por esse tipo de licença.

Por que escolheram o Brasil para ser o primeiro país a lançar o Rdio fora da América do Norte?

Janus – Logo no começo do Skype, o Brasil era um dos nossos maiores mercados. Aprendemos que os brasileiros são early adopters, que amam música e adoram se socializar. Queremos que o Rdio seja um serviço global. Queremos que gente do mundo inteiro use. Mas temos que dar um passo de cada vez. A América do Sul estava na mira e o Brasil parecia ser o lugar certo para começarmos.

A parceria coma Oi foi a primeira da Rdio com uma operadora?

Scott – Não. Temos uma parceria no Canadá com a Telus.

Por que decidiram unir forças com operadoras?

Janus – Buscamos parceiros que tenham um amplo alcance. E uma das principais razões para se unir com as teles é a facilidade de pagamento. Está no nosso DNA desde os tempos de Skype: queremos que nossos serviços sejam fáceis de usar. Poder pagar na conta telefônica em vez de cartão de crédito faz das operadoras um parceiro lógico para o negócio.

Então suponho que a Rdio firmará outros acordos semelhantes com operadoras ao redor do mundo?

Janus – Com certeza.

Qual será o próximo país a ter o Rdio lançado comercialmente?

Janus -Alemanha e Austrália no começo de 2012.

E na América do Sul? Qual será o próximo depois do Brasil?

Janus – Estamos em discussão em outros países. Queremos usar Brasil como ponta de lança para o resto da região.

Levando em conta essa estratégia de unir forças com operadoras e o desejo de atuar globalmente, não faria mais sentido fechar um acordo com grupos como América Móvil ou Telefônica, que estão presentes em praticamente toda a América Latina? A Oi está só no Brasil. Por que a Oi?

Janus – A Oi tem uma relação forte com música. Ela patrocina grandes shows, tem uma rádio, tem um selo de música. E a Oi está muito engajada com o projeto.

Quantos assinantes o Rdio tem hoje no mundo?

Carter – Não abrimos números de assinantes nem de uso. O que posso dizer é que nós três trabalhamos com serviços na web há bastante tempo e nunca vimos um nível tão grande de engajamento dos assinantes como vemos agora com o Rdio. Quem assina está usando muito o serviço e fica conosco por um longo tempo.

E como anda a adesão à ferramenta de social networking dentro do Rdio?

Carter – Não basta ter acesso a tanto conteúdo. É preciso saber o que fazer com ele ou qual conteúdo consumir. Como no Twitter, você segue determinadas pessoas nas quais você confia para que elas ajudem nas suas escolhas de que conteúdo consumir. O mesmo acontece com música no Rdio. 90% das pessoas que eu sigo no Rdio eu nunca encontrei pessoalmente.  Algumas são artistas, outras são grandes conhecedoras de um determinado tipo de música. Sigo essas pessoas para saber o que escutar. Em dois dias no Rdio eu descobri mais música do que nas duas últimas décadas. A força do Rdio é ser uma máquina para a descoberta de música.

Qual a sua avaliação do mercado de conteúdo móvel atual?

Janus – Nos últimos anos, desde que o iPhone chegou, é possível acessar qualquer conteúdo a  partir do telefone celular. Lançamos o Rdio apenas em lugares onde há uma boa cobertura de dados. Hoje é possível usar todos os tipos de serviços do celular. As pessoas não estão mais presas aos PCs. Nas lojas de aplicativos há de tudo, de música a games. Tudo é possível hoje em dia em smartphones.

Que novas funcionalidades você gostaria de ter em seu smartphone no futuro?

Janus – Se soubesse qual será a próxima grande onda na telefonia celular eu provavelmente não iria contar publicamente. Iria desenvolver e lançar alguma coisa. Mas acho que os smartphones hoje são muito bons. Quatro anos atrás eram horríveis. Agora, com iPhones e Androids, as pessoas têm verdadeiros computadores em seus bolsos.

Qual é o seu smartphone?

Janus – É um BlackBerry.

Está planejando alguma outra start-up?

Janus – Comecei uma nova companhia, a Vdio. É como a Rdio, mas para vídeo. Será lançada no Reino Unido em breve.

Que tipo de conteúdo haverá na Vdio?

Janus – Filmes, séries de TV, basicamente conteúdo de alta qualidade que os consumidores queiram ver.

Será streaming? Algo como o Netflix?

Janus – Sim, parecido com Netflix, mas também com Rdio, mas para vídeo. Conterá a funcionalidade de encontrar conteúdos através de seus amigos. E será um serviço global com o passar do tempo, tal como queremos fazer com o Rdio.

Terá a opção de assistir em dispositivos móveis?

Janus – Sim, haverá essa opção, mas acho que é um conteúdo que fará mais sentido em telas maiores, como TVs, laptops ou tablets. Vdio terá como foco conteúdo de alta qualidade, o que requer telas maiores.

Já assinaram contratos com os principais estúdios de cinema?

Janus – Estamos fazendo isso com vários estúdios de Hollywood.

Qual é a sua opinião sobre neutralidade da rede?

Janus – A Internet livre é boa para empresas inovadoras. De maneira genérica, sou a favor da Internet livre e aberta, que permite às empresas criar novos modelos de negócio e que permite às pessoas consumir o que bem entenderem.  Quando se contrata um provedor de Internet você está pagando pela banda larga. Você deveria poder usar essa banda para o que quiser. Não é certo começar a cobrar à parte para que certos conteúdos sejam acessados mais rapidamente que outros. Devem deixar os usuários fazerem o que quiserem.