| Mobile Time Latinoamérica | A América Latina está recebendo mais investimento estrangeiro direto (IED) ligado à transformação digital, mas o desenvolvimento tecnológico continua desigual e altamente concentrado, segundo nova análise da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
O estudo, que examina a evolução da IED digital entre 2005 e 2024, revela mudanças estruturais nos setores, nos atores e nas geografias aonde o investimento acontece, impulsionadas pela aceleração da demanda por dados, pelo auge da inteligência artificial e pela reconfiguração geopolítica global.
Big techs assumem liderança dos investimentos
O setor de software e serviços tecnológicos praticamente dobrou sua participação, passando de 6–7% para 14% na última década. Já os componentes eletrônicos chegaram a 8% entre 2020 e 2024, refletindo o interesse crescente em fortalecer cadeias de valor relacionadas a tecnologias emergentes.
O relatório destaca uma mudança no perfil das empresas investidoras: entre 2015 e 2019, os maiores aportes vieram de operadoras de telecomunicações, como Telefónica, AT&T e América Móvil, que somaram US$ 20 bilhões.
Mas, a partir de 2020, a liderança migrou para multinacionais de tecnologia especializadas em computação em nuvem e processamento de dados, como Amazon Web Services, Microsoft, CloudHQ e Aligned Energy.
Cada uma dessas companhias anunciou mais de US$ 3,4 bilhões em projetos recentes. Brasil e México ficaram com mais de 70% desses fluxos, embora a Colômbia também apareça como destino relevante — sobretudo pela aplicação superior a US$ 1,4 bilhão anunciada pela Aligned Energy.
O estudo mostra que a região depende fortemente de duas principais origens de capital: os Estados Unidos, que expandem sua hegemonia em infraestrutura digital e serviços de nuvem, e a China, cuja presença cresce, embora ainda em menor escala.
Em contraste, a participação da União Europeia diminuiu, o que traz riscos à diversificação e aumenta a vulnerabilidade diante de tensões geopolíticas, especialmente em setores críticos como semicondutores, IA e telecomunicações.
Geopolítica, IA e sustentabilidade
Apesar do aumento da IED, o desenvolvimento digital segue desigual. O relatório lembra que a internet móvel cobre cerca de 80% da população, mas a banda larga fixa de alta velocidade alcança apenas 22% dos lares no Brasil e 36% no Chile, segundo dados de 2024.
Isso evidencia que os investimentos não têm sido suficientes para fechar as lacunas de acesso e qualidade, especialmente em áreas rurais ou entre famílias de menor renda.
A Cepal identifica três tendências que atualmente moldam o fluxo global da IED digital:
Aceleração exponencial da demanda por dados e avanço da IA, que impulsionam a construção de mais data centers, embora com desafios ligados ao consumo de energia, uso de água e sustentabilidade.
Tensões geopolíticas, sobretudo entre Estados Unidos e China, que estão fragmentando cadeias de valor digitais e elevando exigências de segurança nacional nas aprovações de investimento.
Concentração de poder em gigantes tecnológicos, que dominam serviços críticos de IA e nuvem, limitando encadeamentos produtivos locais e aumentando a dependência regional.
O relatório conclui que a região enfrenta uma dupla necessidade: atrair mais IED digital — especialmente em tecnologias emergentes, data centers e serviços avançados — e, ao mesmo tempo, direcioná-la estrategicamente para fortalecer capacidades locais, diversificar parceiros e reduzir a dependência tecnológica.

