O mercado de jogos móveis no Brasil começa a atrair olhares de diversos segmentos da indústria de entretenimento. Mas para atingir os jogadores brasileiros, é preciso entender o seu comportamento e costumes, além de perceber quais são as movimentações do mercado.

Mobile Time conversou com Grant Shonkwiler, um dos principais nomes da indústria mundial de games. Formado em design e desenvolvimento de jogos pela Fuil Sail University, Shonkwiler trabalhou na criação de sucessos recentes como as franquias Doom, Rage e Fortnite. Atualmente, é diretor executivo da Game Developers Foundation e tem sua própria desenvolvedora de jogos, a Shonkventures.

Por conta desses trabalhos, Shonkwiler foi indicado ao Hall da Fama dos Videogames com pouco mais de dez anos de carreira. Em passagem pelo Brasil, deu uma série de palestras sobre seus primeiros anos na indústria e dicas para ter sucesso no segmento. Algumas das quais ele compartilhou nesta conversa.

MOBILE TIME Qual a diferença entre desenvolver jogos para dispositivos móveis e jogos para plataformas tradicionais, como PCs e consoles?

Grant Shonkwiler – A diferença principal são os controles. Temos que ser bem precisos em como nós fazemos o controle trabalhar em cada plataforma. Não é apenas emular um controle em um dispositivo mobile, é necessário fazer o controle trabalhar naquela plataforma. Outra coisa é a diferença da energia, memória e performance de dispositivos. É preciso levar em conta cada item desses quando você desenvolve nessas plataformas.

Hoje, quando desenvolve games, você pensa em criar para usuários nestas diferentes plataformas ou é sempre algo plural?

Depende de jogo para jogo. Se estou fazendo um jogo para dispositivos móveis, penso especificamente em desenvolver para aquele segmento. Se estou trabalhando em algo para PCs e consoles, eu penso da mesma maneira. A diferença principal é a usabilidade e o controle.

Você vê algo diferente entre os perfis de usuários ao redor do planeta? Por exemplo, algo que você tenha desenvolvido e que consumidores brasileiros, chineses, europeus e norte-americanos tiveram respostas diferentes?

Os jogadores são diferentes e iguais ao redor do globo. É comum entre eles a busca por diversão, jogar bons jogos, experimentar boas histórias e curtir competições justas. A diferença entre eles é cultural. Cada sociedade tem um conjunto de diferentes tradições, regras, gostos e desgostos. Isto é ótimo para a indústria, e eu espero ver mais jogos de diferentes países.

É possível imaginar que os jogos para dispositivos móveis alcancem a mesma qualidade dos PCs e consoles?

Sim. Se pensarmos na definição da qualidade, sim, claro. Nós temos jogos para mobile de qualidade muito boa. Vamos dizer que a qualidade é apenas uma clareza de gráficos e profundidade no jogar, então sim ainda é a resposta. Os smartphones são mais poderosos hoje que os computadores de anos atrás, e o seu poder (computacional) continua a crescer. Se você comparar os apps mobile de games de PC, como Fortnite e PUBG, você vê que a qualidade deles não está tão longe assim. Em relação à jogabilidade, nós temos mobile games que são tão profundos e interessantes quanto suas contrapartidas em desktops e videogames.

E sobre VR e AR, como você vê o desenvolvimento dessas tecnologias nos próximos anos?

VR, AR e realidade mista são o futuro. Elas trarão impacto para cada segmento das nossas vidas nos próximos 10 a 15 anos. O problema é que hoje ainda é uma tecnologia muito cara para as pessoas comprarem, e você parece meio idiota usando-a. Quando tivermos AR do tamanho de um óculos e VR sendo mais ‘legal’ que hoje, nós veremos um crescimento mais forte. O que é interessante nessas tecnologias é que elas são ótimas para jogos, mas o desenvolvimento que veremos nos próximos dois a três anos será fora dos games. O que é ótimo para a indústria.

E sobre marketing e publicidade: vai continuar nos jogos ou vai sumir com o tempo?

O marketing tradicional não vai desaparecer. Mas agora há diferentes modos de fazê-lo e ter um relativo sucesso. Um exemplo é o marketing de base (em inglês “grassroot marketing”, uma modalidade com fãs de games com acesso antecipado ao jogo) que aparece como uma tendência no setor. Ao construir sua base de fãs em acessos iniciais, ser transparente e aberto com eles, e então ter jogadores que ajudem você a desenvolver comercialmente através de redes sociais e no boca a boca, o seu jogo pode crescer dentro do próprio orçamento.

Você tem uma história muito curta na indústria, porém muito próspera neste segmento. Você trabalhou em jogos como Doom, Rage e, mais recentemente, Fortnite. Sua carreira é um reflexo daquilo que se tornou a indústria hoje, “mova rápido, e quebre coisas”, como disse Mark Zuckerberg?

Sim. Nós nos movemos muito rápido neste segmento. Eu mesmo mudo para companhias com mais frequência quando eu vejo o incrível potencial de seus projetos. Além disso, sou abençoado por estar em equipes certas e times certos, e trabalhar com ótimas pessoas da indústria.

Você mora na Carolina do Norte (EUA). Se me lembro bem, tradicionalmente lá é berço de jogadores baseball, basquete, economistas e desenvolvedores em companhias de renome. Você poderia ter seguido qualquer uma dessas carreiras. Por que escolheu desenvolver games?

Sim, verdade. Não sou originalmente de lá, mas estudar em locais como a Carolina do Norte você pode ser qualquer coisa que desejar. Mas eu queria fazer jogos desde os meus 12 anos de idade, e senti que isto era um ótimo modo para impactar as pessoas. Então, comecei a desenvolver jogos e me apaixonei por isso.

Qual a importância de ter uma graduação na área? Aliás, uma formação universitária é importante neste setor?

A maioria das pessoas aprende melhor dentro da sala de uma universidade – é o meu caso, inclusive –, então, ter um diploma fez sentido neste caso. Além disso, um diploma abre portas mais facilmente. Por outro lado, é possível ter sucesso na indústria de games sem diploma. Mas é preciso ter um bom portfólio.

Quais dicas você pode compartilhar com os desenvolvedores?

O mais importante é… Façam jogos! Essa é minha dica número um para todo o mundo. Faça jogos mesmo se você for horrível nisso, até você se tornar bom. Algumas vezes, abrir a própria empresa faz sentido. Em outros casos, faz sentido trabalhar em uma grande companhia. Mas o mais importante é não deixar de fazer jogos.

Como você vê o mercado se desenvolvendo em curto, médio e longo prazo?

No curto prazo, vejo a indústria (de jogos) indo mais para o ‘Game As A Service’ e para o acesso antecipado [ou seja, com vendas prévias]. Nós continuaremos a ter modo múltiplos de venda de jogos, do acesso antecipado aos produtos tradicionais em caixas. Em prazo médio, veremos mais dispositivos entrando no mercado, incluindo VR e AR. E continuaremos crescendo em diversidade de jogos e diversidade de desenvolvedores. No longo prazo, a indústria de games continuará como a maior forma de entretenimento do mundo, e o e-sports (competição com jogos eletrônicos) será um dos cinco maiores esportes do mundo. Além disso, acredito que a matéria “desenvolvimento de jogos” entrará na grade curricular das escolas (tanto para crianças como nas universidades).

Com o que você está trabalhando agora?

Estou trabalhando em diferentes jogos. Dos games habituais de PC aos jogos massivos de tiro. Infelizmente, não posso falar mais nada específico sobre eles.

E você tem algum negócio no Brasil atualmente?

Ainda não! Mas adoraria trabalhar com equipes de brasileiros. Possivelmente quero encontrar alguma equipe nesta viagem.