Uma das consequências da crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus será a migração de clientes de planos pós-pagos para pré-pagos, projetam especialistas ouvidos por Mobile Time e Teletime. Espera-se que a tendência de crescimento da base pós-paga, que vinha acontecendo de forma consistente há alguns anos, se desacelere.

“O pré-pago, que vinha caindo sua participação proporcional no Brasil, deve voltar a ter um papel de protagonista. Quando a pandemia passar, não voltaremos ao ímpeto anterior de consumo. As pessoas vão valorizar mais o seu dinheiro e o quanto pagam no fim do mês. Planos pós-pagos podem ter um impacto negativo: muita gente vai ver que pode mudar para pré para ter maior controle sobre seus gastos”, avalia Renato Camargo, CMO da RecargaPay, aplicativo que tem 3,5 milhões de usuários ativos mensais e que tem entre seus principais serviços a recarga de celular. “Os planos pós-pagos são atrelados à fidelidade. Em um cenário de incerteza, em que não sabemos para onde vamos, talvez as pessoas não queiram se fidelizar”, prevê o executivo.

Até agora, contudo, o volume de recargas registradas na RecargaPay está estável. Outra empresa que trabalha com recargas ouvida para essa reportagem relata que também registrou um volume estável em março, em comparação com fevereiro. Por outro lado, o impacto no avanço do pós-pago começa a ser sentido. Uma terceira empresa relata que a conversão de campanhas de migração de pré para planos controle caiu 20% em março em comparação com a média que tinha antes da pandemia. “Se a pessoa acha que não vai conseguir pagar todo mês, ela fará downgrade para pré-pago. Vai ter alguma canibalização do controle”, adverte um analista de telecom, que preferiu não se identificar.

A migração para o pré-pago não deve ser vista como algo negativo para as operadoras, argumenta o mesmo analista. “O mercado está olhando uma coisa e está esquecendo outras importantes: o pré-pago, do ponto de vista de risco de crédito, é bom. Porque você só consome o que pagou”, declara, mencionando o problema de inadimplência em outros serviços. Para ele, o impacto do coronavírus é desafiador, “mas não necessariamente negativo”, uma vez que é possível criar incentivos para que o usuário continue a carregar, como gigabytes adicionais – a TIM, por exemplo, está oferecendo 2 GB de bônus nas recargas online a partir de R$ 20. Antes da crise, o mercado apontava para uma redução no tempo entre recargas, algo que deverá ser afetado. Por isso, ele sugere que operadoras podem criar planos inteligentes, que incentivem o intervalo menor com bônus também.

Se por um lado o pré-pago pode deixar de ser necessário para quem pode usar a conexão fixa em casa, o analista sustenta que as famílias carentes que estão recebendo o auxílio de R$ 600 do governo federal podem fazer o capital girar com recargas. Ainda mais para os que eram desbancarizados, e agora vão ter conta na Caixa Econômica com a qual poderiam fazer recargas de celular online.

Contraponto

Uma redução no volume de recargas, entretanto, ainda pode acontecer. Na opinião do diretor de vendas de telco & media da desenvolvedora Engineering, Robson Guimarães, a limitação da mobilidade trará impacto no consumo de dados do pré-pago. Como serviços mais usados como WhatsApp não descontam da franquia, isso reduziria a necessidade de recargas. Além disso, há o impacto macroeconômico da queda de renda, especialmente para as classes C e D.  “Para elas é escolha, não é orçamento”, declara.

O diretor da Engineering acredita que é necessário aumentar a capilaridade e acesso da recarga “de alguma forma” durante a pandemia, com ações para mitigar a redução da receita – por exemplo, os chamados “plugins” de recarga, como gigabyte adicional à franquia. Mas concorda que poderá haver downgrade de planos, inclusive de quem tem pós-pago “puro”, para evitar a inadimplência, o que pode acabar causando uma migração de base.