Embora a regulação do open banking tenha sido publicada pelo Banco Central na última segunda-feira, 4, e seja vista como um caminho importante para avançar com novos modelos de negócios e mais competição no mercado financeiro nacional, há diversas etapas que precisam ser definidas até sua implementação em 2021.

Em conversa com Mobile Time, executivos e especialistas do setor citam alguns temas que precisam ser mais bem estruturados. São eles: os custos da transação de dados; o papel do diretor de dados; a governança; os padrões de interfaces tecnológicos abertos e intercambiáveis; como se dará a entrada das fintechs e startups; e o cronograma de implantação até novembro de 2021 diante da crise do novo coronavírus.

Confira a visão dos executivos sobre os temas que definirão os próximos passos dos sistema financeiro aberto brasileiro.

Cronograma

Sobre o cronograma, Pedro Eroles, sócio da FAS Advogados e organizador do livro “Fintechs, bancos digitais e meios de pagamentos”, acredita que o BC não deveria atrasar a implantação do open baking. Mesmo com o problema do novo coronavírus, e parte das operações dedicadas às ações de apoio aos seus clientes, ele explicou, em live organizada por seu escritório de advocacia, que os diretores do BC descartaram um eventual adiamento.

“Na prática, o BC vê essas agendas com prioridade, como disse Otávio Damaso (diretor de regulação do BC) em live conosco: ‘O quanto antes for implementado melhor’. E Carlos Brandt (chefe adjunto no Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC) disse que viu uma janela de oportunidade (com a pandemia) e até pensam em antecipar o PIX para antes de novembro. Na minha opinião isso foi uma evidência que o BC está muito concentrado nisso”, relata Eroles. “A Fase 1 e a Fase 2 de implementação – que começam neste ano – são basicamente para S1 e S2. Aquelas entidades com grandes poderes econômicos e capacidade de criar com grandiosidade. Talvez, o efeito é que as instituições que são voluntárias podem esperar”.

Ainda assim, Marcelo Chivassa, professor de direito da universidade Mackenzie de São Paulo, acredita que um cenário com  quarentena e distanciamento social até dezembro para evitar a proliferação do novo coronavírus deixa pouco provável o cumprimento da agenda. Mas, assim como Eroles, ele acredita que o cronograma é “razoável” para os bancos incumbentes.

Para Leo Monte, diretor de inovação da Sinqia, a Lei Geral de Proteção de Dados pode trazer efeitos que demandam atenção e que podem influenciar o cronograma do open banking. Ele lembra que a LGPD foi adiada duas vezes – de agosto de 2020 para janeiro de 2021 e mais recentemente para maio de 2021.

Diretor de dados

Com exceção do cronograma que foi estabelecido pelo Banco Central, os demais temas precisam ser desenvolvidos em convenção dos participantes do ecossistema financeiro nacional. Um deles é o diretor de compartilhamento de dados, um funcionário que será incorporado na base das empresas e será responsável pelo tratamento das transferências de informações bancárias e do relacionamento junto ao BC. Pela regra, esse diretor pode acumular cargos em um banco, desde que não tenha conflito de interesse.

Isso dá margem a compreensões que precisam ser investigadas junto ao regulador, como explica Chiavassa. Para ele será necessária uma análise das duas funções junto ao BC para verificar se não há conflito. Ele cita como exemplo um caso da Autoridade de Proteção de Dados da Bélgica, que multou em 50 mil euros na última semana uma empresa por colocar o DPO acumulando a função de diretor de compliance.

Pedro Eroles, acredita que as empresas poderão esclarecer essa dúvida perguntando ao BC, mas acredita que pode haver conflito de interesse entre o DPO e diretor de compartilhamento de dados: “Você dar informações ou receber está muito mais ligado em trazer negócios e receber clientes. Pode acontecer aqui alguma necessidade de controle com relação à segurança e à forma de compartilhamento de dados. Portanto, me parece razoável você não ter as duas figuras em uma única pessoa. Mas precisa ser analisado. Uma consulta ao BC pode resolver a dúvida”.

A diretora jurídica da Cielo, Louangela Bianchini, afirma que a regra colocada pelo Banco Central é comum no mercado. Um exemplo citado por ela é a ouvidoria, você não pode colocá-la em uma área de operações, pois conflita com as reclamações. Raul Moreira, diretor da Abecs e de tecnologia e inovação do Banco Original, concorda que é praxe do BC colocar essa regra. Em sua visão, o acúmulo de função pode acontecer, porém com independência.

“Penso que essa pessoa pode acumular (DPO e diretor de compartilhamento de dados), mas tem que ter independência em relação às áreas que fazem competições com outras organizações, para que as premissas do sistema financeiro aberto possam ser aplicadas na organização”, diz o executivo. “Inclusive, a interação do diretor de compartilhamentos de dados com a área de TI é saudável e talvez necessária, pois muito da regulação afeta as áreas de tecnologia e segurança”.

Cobrança, convenção e governança

Outro ponto é a cobrança do compartilhamento entre as organizações. Embora não tenha cobrança para informações sobre canais de acesso, serviços e produtos, os dados de transações são gratuitos até quatro chamadas por dia. Acima desse limite poderá ser cobrado uma taxa que será definida na autorregulação. Para Moreira, a cobrança tem que ser isonômica. Em sua visão, a regra por igual será importante para aumentar a competição. E, o importante será buscar “um modelo de governança que seja bom para todos”, inclusive para instituições pequenas. Por outro lado, Diego Perez, diretor executivo da Abfintechs, acredita que a cobrança precisa ser proporcional.

“No que tange potenciais barreiras, há discussões de rateio de custos para que o sistema seja viável. Os agentes obrigados, S1 e S2, são os detentores dos dados. As fintechs não têm esses dados que darão o domínio do open banking. Grande parte dos custos ficarão para essas instituições incumbentes. Ao mesmo tempo, há uma discussão de como será feito esse compartilhamento de custos”, diz Perez. “Imaginamos que isso (compartilhamento de custos) será pelo tamanho, número de operações e os dados que movimentam. E tem que ser levado em consideração não só o setup, mas a operação. Eventuais requisições vão ter custo. Esses custos definirão como será a partilha disso”.

Por sua vez, Eroles lembra que esse é um dos problemas da convenção que autorregulará o open banking. Com diversas instituições (Febraban, Abecs, Abfintech, Abdi, entre outras) com suas próprias concepções sobre o novo ecossistema, o advogado acredita principalmente que a possibilidade de intervenção do BC no processo de autorregulatório é grande, caso as partes não cheguem a um consenso sobre os valores.

Para a outra ponta da cadeia, o consumidor, Chiavassa prevê que pode haver custos indiretos, mas que esses valores podem ser compensados ao consumidor com mais ofertas de produtos e serviços. Perez, em sua visão, crê na possibilidade de custos diretos, uma vez que a regulamentação tem vários itens que trarão custos às transações, como requisitos de autenticação, segurança, criptografia, auditoria interna.

Pelo mercado financeiro, a hipótese de repasse direto não é descartada dos gastos das empresas com open banking para o consumidor. Em caráter de anonimato, um executivo de meios de pagamentos lembra de um caso similar que ocorreu no Reino Unido, contado para ele em uma palestra: “Um representante do BC europeu revelou que os bancos aumentaram as taxas no começo da operação de open banking. Ele diz que os bancos começaram a cobrar tarifas em serviços, pois os dados não seriam mais do banco. Talvez em médio prazo não se sustente, mas como haverá perda de receita, eles (bancos incumbentes) podem buscar receitas em outras coisas. É preciso ver o que acontecerá aqui, pois há toda uma regulação e acompanhamento do BC”.

Startups e fintechs

Outro tema abordado nas conversas foi a entrada de startups e fintechs no open banking. Como o BC determinou, apenas as empresas S1 e S2 (com pelo menos 1% do PIB) são obrigadas a aderir ao sistema financeiro aberto. Contudo, as outras financeiras podem participar, mas, se aceitarem, deverão seguir as mesmas regras dos bancos mais ricos.

Neste cenário, Chiavassa e Perez lembram que a regulação era um pedido antigo das startups. No entanto, o professor do Mackenzie acredita que somente as startups mais maduras vão aderir. Ou seja, não seria muito válido para as pequenas. Eroles, da FAS Advogados, sugere que cada companhia faça uma análise, pois há, de um lado, o custo de entrada –  com equipes, APIs e adaptação de regulação – e, por outro, o consumo de dados dos grandes bancos pode compensar.

Moreira, da Abecs, incentiva todas as fintechs a entrarem no open banking. Para o executivo, os grandes bancos também se interessam por dados de startups, como a captura de comportamento do usuário. Além disso, ele vê que o espaço aberto é importante para que essas empresas possam defender seus direitos e exporem seus problemas.

Um exemplo prático citado por Monte, da Sinqia, são os apps de gestão financeira: “O principal deles (GuiaBolso) funciona com um robozinho que pega os dados na conta, quando liberado pelo consumidor. Para o gestor desse app, o open banking o livra de usar o robozinho. O negócio dele fica regulamentado e terá penetração nos bancos. Agora, outras startups precisam entender esse movimento. Conversar com os bancos para entender o mercado. Tem mercado para todo mundo e as fintechs precisam dos grandes bancos”.

Tecnologia, comunicação e oportunidades

Mesmo com todos os imbróglios a serem resolvidos na autorregulação do open banking, o consenso dos especialistas é que o ecossistema aberto traz oportunidades para o País. Para Monte, da Sinqia, o interessante é ver que o open banking traz efeitos para todo o ecossistema. Cita que o sistema financeiro aberto ajuda o usuário a trafegar entre várias instituições. Além disso, o diretor da fornecedora afirma que o ambiente é propício para a explosão dos super-apps no Brasil.

“Os super-apps brasileiros são fortes no delivery. Mas nós ainda não temos um WeChat brasileiro. Esse ambiente todo privilegia isso. Temos a oportunidade de ter alguns super-apps nacionais com serviços agregados. E eu acredito que o modelo padrão de score tende a mudar. Vai o indivíduo não como um mau-pagador, mas com base em uma escala de crédito que ele tem e com os dados que circulam no mercado”, disse.

Outro ponto defendido por Monte é que o open banking corrobora para forçar a mudança de pensamento e cultura dos bancos. Em especial, acredita que é uma oportunidade para as instituições financeiras repensarem a mudança de taxas. Cita novamente o exemplo do WeChat, ao lembrar que o super-app chinês ganha suas receitas na oferta de micropagamentos, e não em cobrança de taxas de serviço ou administração.

Para Bianchini, da Cielo, a entrada do open banking movimenta o mercado de forma positiva. Em sua visão, haverá uma maior especialização das fintechs em nichos. Mas o principal diferencial é a mudança no polo de decisão para o consumidor: “O serviço vai mudar, o padrão de relacionamento vai mudar. Esse será o grande ganho para o consumidor”.

Em nota enviada a esta publicação, o Itaú disse que enxerga o open banking brasileiro como uma “evolução tecnológica natural”, que “segue tendências mundiais de tornar as experiências mais centralizadas no cliente, o que é parte fundamental da cultura do banco”. E a Mastercard vê a implementação do serviço de forma benéfica para o setor de pagamentos, pois “trará mais inclusão financeira e inovação aos clientes e consumidores da Mastercard”.

Visa, Banco Inter e Bradesco foram procurados, mas preferiram não se pronunciar. A Febraban também foi procurada, contudo, não respondeu até o fechamento desta reportagem.