A associação global de operadoras móveis GSMA emitiu um alerta nesta terça-feira, 6, para a necessidade de liberação de espectro, sobretudo na América Latina. A entidade diz que, sem a destinação da quantidade adequada de frequências, o futuro da implantação das redes 5G pode ser comprometido. O posicionamento foi lançado a um ano da realização da Conferência Mundial de Radiocomunicações (WRC-19), mas também em um momento de transformação no Brasil. Recentemente, a equipe de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro declarou que não tem intenção de realizar um leilão de frequências para 5G em 2019, contrariando inclusive a intenção prévia do novo presidente da Anatel, Leonardo Euler de Morais.

O diretor de políticas públicas da GSMA para a América Latina, Lucas Gallitto, afirmou que ainda não estava ciente da possibilidade de um leilão ocorrer somente em 2020, mas demonstrou preocupação. “Não sei o posicionamento do novo governo no sentido de isso mudar. Não seria tão bom, porque se o Brasil quiser continuar líder na região, sobretudo com a chegada da 5G, deveria considerar a possibilidade de realizar [uma licitação] no ano que vem”, declarou. Ele lembra que a agência recentemente abriu consulta pública(prevista para encerrar em dezembro) a respeito da destinação da faixa de 3,5 GHz.

A visão da associação é que o timing é importante. O manifesto da entidade destaca que, apesar de ainda poder esperar crescimento em 4G na América Latina nos próximos anos, “o momento para se trabalhar no sentido de garantir espectro para 5G é agora”. A justificativa é que o processo de alocação e limpeza das bandas leva tempo, e se os países em desenvolvimento não endereçarem isso logo, ficarão para trás no contexto global.

Há outro aspecto levado em consideração: um equilíbrio entre o preço e as obrigações. Além de manifestar preocupação com um possível viés arrecadatório, Gallitto diz que as condições corretas precisam acontecer, especialmente ao se tratar de uma faixa “média” como a banda de 3,5 GHz, que conta com alcance de cobertura mais limitado. “É uma banda que não deveria ter obrigações de cobertura”, opina. Ele explica que a 5G nessa frequência vai começar nas “cidades mais importantes, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília”, e que por isso já não faria sentido metas atreladas a essas regiões metropolitanas densas. Além disso, cita recente estudo da GSMA que indica que o preço do espectro na América Latina está em média 60% acima do praticado na Europa, o que acaba reduzindo os investimentos das operadoras em outros pontos, como a infraestrutura e qualidade dos serviços. 

O diretor da associação cita como exemplos recentes o da Argentina, onde o leilão continha obrigações mesmo com a faixa ainda precisando ser limpa; e no Chile, que não usa o modelo de licitação. Conforme ele explica, a metodologia adotada pelo regulador chileno, a Subsecretaría de Telecomunicaciones (Subtel), é a de um “concurso”, no qual o melhor projeto de redes e de cobertura ganha. Assim, há a garantia também de que os investimentos permaneçam no setor e não sejam contingenciados – como aconteceu no Brasil com o Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust). “O governo chileno não busca maximizar os rendimentos porque todo o dinheiro se volta a melhores serviços e maior cobertura.” O conceito, diz, “é interessante”, mas por enquanto é único na região.

Quantidade

A GSMA também destacou em seu posicionamento que a quantidade de espectro ideal para o serviço 5G em bandas médias como a faixa de 3,5 GHz deveria ser de 80 a 100 MHz por operadora. Ocorre que, no caso do Brasil, a Anatel planeja – ao menos no momento – dedicar um total de 200 MHz na banda, o que resultaria em 50 MHz em média para cada tele caso as quatro grandes decidam participar do leilão. Lucas Gallitto diz que é necessário dedicar mais espectro, o que a associação deverá defender em sua contribuição na consulta pública da Anatel. Para efeito de comparação, ele menciona que na Costa Rica e na Colômbia haverá destinação de 400 MHz (de 3,3 GHz a 3,7 GHz), enquanto na Argentina serão 300 MHz (de 3,3 GHz a 3,6 GHz).

O caso brasileiro, contudo, exige uma compreensão da dimensão do serviço de TVRO (TV parabólica em banda C satelital), que ocupa atualmente a faixa. O setor de radiodifusão teme que ocorram eventuais interferências, mas Gallitto entende que é preciso mapear melhor e rever o levantamento de 22 milhões de receptores desse serviço satelital. “A banda de 3,5 GHz será usada em regiões urbanas, onde seguramente já há cobertura de TV digital terrestre. Então tem que ver quem são [os usuários de TVRO] e onde estão.”

Ondas milimétricas

A GSMA defenderá na WRC-19 que os governos forneçam suporte às ondas milimétricas para 5G nas bandas de 26 GHz, 40 GHz ( de 37 GHz a 43,5 GHz) e de 66 GHz a 71 GHz. Gallitto diz que o Brasil apresentou proposta com as três faixas na Citel, entidade da Organização dos Estados Americanos para as telecomunicações, sendo que a banda de 26 GHz já conta com apoio da Colômbia e do Uruguai. “Agora em dezembro teremos uma reunião em Brasília e buscaremos mais apoio para que se converta em uma proposta para a conferência”, afirma. Ele lembra que há ainda uma questão a ser resolvida: a proteção de serviços de observação terrestre. “Vemos algumas regiões como a Europa com esses serviços onde possivelmente a banda de guarda necessária seria muito grande, o que pode deixar a faixa inútil”, conta. A ideia é levar o caso à Citel e discutir a situação nas próximas reuniões.