O deputado federal David Soares (União-SP) afirmou que pretende aprovar ainda neste ano o projeto de lei 469/2024 na Câmara dos Deputados e, com isso, “sepultar” a possibilidade das operadoras de Internet aplicarem o fair share contra as big techs e outras plataformas de conteúdo na Internet.
O parlamentar participou do Abrint Global Congress 2025, em São Paulo, nesta quinta-feira, 8, e defendeu que o fair share é uma cobrança injusta e que, uma eventual aplicação de taxa aos grandes provedores de conteúdo refletirá em repasse de custos à população brasileira.
Atualmente em discussão na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Casa, da qual Soares é titular, o texto do PL busca adicionar ao Marco Civil da Internet (12.695/2014) uma proibição para a cobrança direcionada que os provedores de Internet (operadoras) querem aplicar em provedores de aplicação de Internet (big techs) por geração de tráfego de dados, ou seja, o fair share.
No próximo dia 28 de maio, uma audiência pública deve ocorrer na Comissão em Brasília para discutir o PL 469. Os deputados do grupo convocaram representantes da Conexis, GSM Association, Abert, AIA, Abrint para darem suas contribuições ao tema.
Fair share: ‘maioria não quer’

Da esquerda para direita: Alessandro Molon, AIA; Gustavo Santana Borges, Anatel; Basílio Perez, LAC-ISP (divulgação: Abrint Global Congress 2025)
O palco da Abrint também foi usado como espaço para aqueles que são contra a cobrança contra as big techs apresentarem suas defesas. Sem a presença de representantes das grandes operadoras, o presidente da LAC-ISP e conselheiro da Abrint, Basilio Perez, afirmou que o “problema da necessidade de taxa de rede é um problema falso e inexistente.”
“Temos mais de 20 mil provedores de Internet no Brasil, 19.997 não querem a taxa de rede. Três querem a taxa de rede. Isso é um alerta de que algo está errado”, enfatizou Perez. O representante da associação complementou dizendo que o debate defendido pelas grandes operadoras na Europa e América do Norte para aplicar a cobrança em empresas como Meta e Google são os ganhos. “Isso é como comparar com empresas de petróleo”, completou.
Perez recordou do caso da Coreia do Sul que, após o governo aplicar o fair share, os conteúdos deixaram o País e passaram a operar do Japão e de Cingapura para atender ao público sul-coreano. A única exceção foi a Netflix que fez um acordo com a SK Telecom para ficar no país asiático.
“Mas no Brasil, se fizerem um acordo com a Vivo [por exemplo], quem vai negociar para os outros 19.997 provedores? Isso feriria a neutralidade de rede e afetaria a inovação”, respaldou, ao citar o potencial que outros provedores de conteúdo podem trazer. “Nós sabemos quem são os campeões de conteúdo, hoje, Google e Meta. Mas estão surgindo os players de IA. Não sabemos quem será no futuro, mas haverá. E isso só é possível porque a Internet é livre”, complementou.
Concorrência e oportunidade perdida

Gustavo Santana Borges, Anatel; Marcelo Bechara (ao celular), Abert (divulgação: Abrint Global Congress 2025)
Por sua vez, Alessandro Molon, diretor-executivo da AIA, lembrou que os cinco estudos encomendados por sua associação demonstram que não há necessidade da cobrança, pois:
- Não há risco de explosão de tráfego de dados;
- As grandes operadoras, Vivo, Claro e TIM, são as únicas que defendem o fair share;
- As três operadoras têm ótimo ROI, não vão falir, mas TV a cabo e telefonia fixa são os pontos fracos de seus negócios, porém, ganham lucros em móvel e internet fixa;
- As empresas de conteúdo investem muito em infraestrutura, como cabo submarino e CDNs, por exemplo;
- O valor dos serviços de conteúdo vai subir e o consumidor vai pagar por isso;
- E a grande preocupação das grandes operadoras é com a concorrência que faz o preço baixar.
“Portanto, o fair share é uma taxa para matar a concorrência”, concluiu Molon, após citar o resultado dos estudos. “Queremos que o brasileiro tenha o direito de ter a Internet que quer”, completou.
Marcelo Bechara, membro do conselho da Abert, afirmou que entende a visão das grandes operadoras, mas não vê sentido para a aplicação das taxas aos provedores de conteúdo: “O fair share não é fair”, disse. Bechara afirmou ainda que as telcos perderam a janela de oportunidade para investir em conteúdo e que negligenciaram o quanto puderam.
Regulador e mesa de debate

Painelistas conversam antes da plenária sobre fair share (divulgação: Abrint Global Congress 2025)
O superintendente executivo da Anatel, Gustavo Santana Borges, afirmou que o principal problema no debate do fair share o fato de ser uma complexidade de conversas entre os dois mercados, os provedores de internet e conexão (mais de 20 mil provedores, incluindo os pequenos aos grandes) e os provedores de conteúdo (nacionais, regionais e internacionais). Com isso, a ideia do regulador é estabelecer uma “mesa de conversas”, ou seja, um grupo formal, criado pela Anatel, para os dois lados se sentarem à mesa e avaliarem os problemas e as soluções conjuntas. Borges reforçou que a maioria dos problemas do tema são ligados às “questões de rede”.
Apesar deste cenário de disputa e pedido da aplicação de taxa de um lado e não aplicação por outro, o superintendente disse que após a tomada de subsídios, benchmarking internacional, mapeamento dos problemas e avaliação de possíveis soluções, a sua área na agência não vê a necessidade de aplicação do fair share no Brasil hoje.
Mas disse que o tema ainda depende da avaliação de outras superintendência e avaliação do conselho diretor que podem acrescentar informações e mudar a análise, algo que eventualmente pode gerar uma consulta pública.
Borges também disse que a consulta pública demora um pouco e tem um caminho a ser trilhado. Lembra ainda que o tema a ser levado ao público não envolve apenas a taxação, mas outros atores que têm alto consumo do tráfego de dados, como o telemarketing abusivo e ações de combate à fraude.
Imagem principal: de pé, deputado federal David Soares (União/SP) (divulgação: Abrint Global Congress 2025)